terça-feira, 16 de abril de 2013

INTOLERÂNCIA ACORRENTADA - Mateus Parreiras e Pedro Ferreira‏


INTOLERÂNCIA ACORRENTADA


Prisão de skinheads acusados de racismo e formação de quadrilha expõe rede de suspeitos de crimes de ódio relacionados à ideologia neonazista. Vítimas relatam as agressões em BH 


Mateus Parreiras e Pedro Ferreira

Estado de Minas: 16/04/2013 





Antônio Donato, que tem várias passagens policiais, foi preso ao desembarcar em Americana (SP) (Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Antônio Donato, que tem várias passagens policiais, foi preso ao desembarcar em Americana (SP)


As prisões em São Paulo e em Belo Horizonte, por racismo e formação de quadrilha, de três integrantes de uma gangue de skinheads que agia na capital mineira chamaram a atenção para uma situação ainda mais preocupante. Antes rivais, radicais paulistas e mineiros estão se aliando e podem intensificar suas ações. De acordo com a chefe da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) de São Paulo, Margarete Barreto, a mudança se deu quando o grupo ao qual é ligado Antônio Donato Baudson Peret, de 25 anos – detido no último domingo, em Americana (SP) –, assassinou um líder dos cabeças raspadas mineiros, o estudante de direito Bernardo Dayrell Pedroso, de 24, e sua namorada, de 21, em 2009, no Paraná, nas comemorações do aniversário de 120 anos do nascimento de Adolf Hitler.

Além de Donato – que causou revolta ao posar numa foto veiculada na internet estrangulando um homem negro, identificado como morador de rua, com uma corrente – foram presos, também no domingo, em Belo Horizonte, Marcus Vinícius Garcia Cunha, de 26, e João Matheus Vetter de Moura, de 20, que pertencem ao mesmo grupo skinhead na capital mineira. Uma quarta pessoa teve seu apartamento vasculhado pela polícia. Quatro suspeitos ainda são investigados.


A prisão de Donato em Americana foi feita pela Delegacia Especializada de Investigações de Crimes Cibernéticos (DEICC), de BH, e pela Guarda Municipal do município paulista. Donato foi detido no momento em que o ônibus de viagem em que estava chegou da capital, São Paulo, à rodoviária da cidade do interior paulista. O suspeito não reagiu à prisão, mas com ele foram encontradas um faca de cozinha, uma faca tática, um facão tipo machete e um soco inglês. A Polícia Civil de Minas Gerais informou que vai apresentar os suspeitos hoje.

 

Apesar de estar sendo investigado por racismo e formação de quadrilha, Donato parece ser ainda mais perigoso do que essas acusações indicam. Só em Minas, segundo o Estado de Minas apurou junto à Polícia Militar, o rapaz se envolveu em pelo menos dez ocorrências, entre embriaguez ao volante, agressão, lesão corporal e ameaça. No estado, ele responde ainda a três processos por agredir homossexuais. Em São Paulo, são duas ocorrências por lesão corporal.
Um dos parceiros contumazes de Donato em São Paulo, segundo a Delegacia de Crimes Raciais, é Artur Ruda Gomes Fonseca, de 20. Os dois chegaram a ser presos no estado, em 2011, depois de terem agredido um grupo de 11 skatistas na Avenida Paulista, nos Jardins.

Clima de alívio na Região da Savassi


A prisão dos três rapazes que se identificam como skinheads, no domingo, sob a acusação de racismo e formação de quadrilha, trouxe alívio para as vítimas das agressões cometidas e para comerciantes da Savassi, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Ferido a golpes de soco inglês no rosto quando tinha apenas 16 anos, o estudante A.A.M.C., hoje com 18, comemora a prisão de seu agressor, Antônio Donato Peret. “Sinto-me aliviado ao saber que não tem um cidadão como esse circulando mais pelas ruas da cidade. Tenho pena dele, pela cabeça que ele tem. ”

O estudante não consegue esquecer os momentos de terror que viveu ao ser atacado por Antônio Donato e outros três homens na Avenida Getúlio Vargas com Rua Tomé de Souza, na Savassi. “Fiquei completamente sem entender. Eram umas 21h e eu tinha saído de um shopping para encontrar amigos na Savassi. Alguém bateu no meu ombro e quando virei começaram a me agredir. Fiquei em choque”, conta. Para ele, Antônio Donato não tem condições de viver em sociedade.

A mãe do jovem, que é enfermeira, ficou impressionada com a violência do ataque. “Meu filho sofreu um ferimento na boca e levou oito pontos.” Ela espera que os suspeitos continuem presos. “São extremamente violentos, deram vários socos no estômago do meu filho e o chutaram.” O dono de um bar da Tomé de Souza chamou a polícia e os agressores foram presos.
Ex-colegas de trabalho de outro dos presos no domingo, Marcus Cunha, ficaram surpresos com a notícia de que ele estaria envolvido em um grupo neonazista. Marcos já trabalhou como coordenador de atendimento em um dos restaurantes mais tradicionais de Belo Horizonte, na Pampulha. “Estou perplexo com o que fiquei sabendo dele. Ele nunca deixou transparecer nada sobre esse seu comportamento no ambiente de trabalho”, disse o gerente operacional da casa, Ronaldo Costa.

Ronaldo conta que Marcus Cunha passou por avaliação psicológica antes de ser contratado, e que comandava uma equipe de 20 garçons e que o relacionamento entre eles era bom. “Ele pediu demissão por ter recebido uma oferta de trabalho melhor”, disse o gerente operacional.

Cansados de acompanhar a violência praticada por Antônio Donato e seu grupo contra gays, negros, moradores de rua e hippies, comerciantes da Savassi comemoraram a prisão de três dos acusados dos crimes. “Com eles presos, a Savassi vai ficar mais segura e tranquila. Antônio Donato sempre estava no meio da confusão”, disse o dono de um bar.

Confira como surgiu e a trajetória do movimento skinhead até sua propagação em BH


Publicação: 16/04/2013 06:00 Atualização: 16/04/2013 07:11
Origem
 Surgiu na década de 1960, em Londres, entre jovens brancos e negros (jamaicanos) insatisfeitos com a falta de oportunidades econômicas e reunidos pela música (ska, reggae, rude boys, entre outros). Contemporâneos dos hooligans, protagonizaram brigas em estádios de futebol. Por manterem a cabeça completamente raspada, foram apelidados pela imprensa de skinheads (cabeças peladas). O visual com botas tipo coturno e suspensórios tem origem nessa época. No fim da década de 1970, o movimento punk entrou em declínio e engrossou as fileiras de skinheads na Europa e Estados Unidos

No Brasil

Surgiu na década de 1980, em São Paulo, com o movimento Carecas do Subúrbio, formado por negros e mulatos suburbanos. A falta de perspectivas econômicas impulsionou o estilo como forma de protesto. Na década de 1990, a imigração em massa somada à falta de oportunidades levou o movimento a posturas racistas contra negros, nordestinos e judeus. Paradoxalmente à violência e à intolerância, os grupos tentam se autoafirmar como trabalhadores e pessoas não drogadas ou ociosas. Conflitos com hippies e punks tiveram início, em uma manifestação de intolerância com a anarquia e o aspecto considerado desleixado dos componentes desses movimentos

Na década de 2000, aproveitando a difusão permitida pela internet, grupos skinhead nacionalistas e neonazistas propagaram suas ideias e ganharam adeptos. Houve tentativas de se infiltrar em meios políticos em São Paulo e em Santa Catarina. Dissidências, no entanto, não permitiram essa articulação. Em 2009, um estudante mineiro que estava à frente de uma das vertentes foi assassinado com a namorada, em Quatro Barras (PR), por rivais paulistas. De 2010 a 2013, braços mais agressivos de skinheads passaram a agir com maior frequencia contra punks, nordestinos e homossexuais. Em São Paulo eram frequentes os ataques no metrô, em praças e até na Parada do Orgulho Gay. Outras cidades também registraarm agressões, fizeram prisões e apreenderam material de inspiração neonazista

Ataques em Belo Horizonte
Em Março de 2013, foto do que seria um morador de rua sendo estrangulado com uma corrente por Antônio Donato (foto) circula nas redes sociais. No mesmo mês, fotos de trote com cenas de inspiração racista e de nazista na Faculdade de Direito da UFMG postadas nas redes sociais causam revolta

Em 27 de outubro de 2012, um jornalista de 33 anos e um amigo, de 29, são espancados por uma dupla de skinheads na Praça da Savassi

Em 7 de setembro de 2011, Antônio Donato e um adolescente de 17 anos espancam com chutes e soco inglês um casal homossexual na Praça da Liberdade. Os dois são presos e a segurança noturna é reforçada no local

Em 15 de abril de 2011, o grupo de Antônio é preso por espancar com socos e chutes um adolescente de 16 anos, na Savassi

Em 5 de janeiro de 2009, homossexual de 19 anos é espancado na Savassi. O grupo de Antônio Donato é suspeito de ter atacado a vítima

ESCALA DO ÓDIO

Com a facilidade de propagação de informações via internet, páginas, sites e fóruns relacionados ao neonazismo passam de 2 milhões no país. Donwloads crescem 400%
Alessandra Mello
Publicação: 16/04/2013 04:00

Foto em uma rede social mostra grupo neonazista exibindo colete de um  'adversário'. Um dos comentários diz que dono da peça teve braço quebrado (Fotos: Facebook/Reprodução da internet)
Foto em uma rede social mostra grupo neonazista exibindo colete de um 'adversário'. Um dos comentários diz que dono da peça teve braço quebrado


Negros, gays, judeus e nordestinos são as principais vítimas dos crimes de ódio que crescem no Brasil, sob as vistas grossas das autoridades e da sociedade civil, que muitas vezes tende a encarar manifestações de preconceito como liberdade de expressão ou atos de desequilibrados. No entanto, com a multiplicação do acesso à internet, a difusão de manifestações contra esses grupos ganharam terreno fértil. Desde 2002, a antropóloga Adriana Dias, professora da Universidade de Campinas (Unicamp), estuda a atuação dos grupos neonazistas no Brasil, que perseguem suas vítimas na web, principalmente nas redes sociais.

Segundo ela – que durante anos se infiltrou em grupos neonazistas –, em 2002, quando começou sua pesquisa sobre o assunto, havia cerca de 7 mil páginas de internet com conteúdo neonazista no Brasil. Em 2011, data do ultimo levantamento, já eram cerca de 40 mil. A antropóloga afirma que esses endereços estão associados a cerca de 2 milhões de páginas secundárias e fóruns de discussão de ultradireita. Os simpatizantes dessas teorias chegaram a criar um rede social própria, “uma espécie de Facebook nazista”, conta ela, e um canal exclusivo de vídeos na web. “Mas o mais impressionante nesse período foi o aumento do dowload de material de cunho nazista.”

De acordo com a professora, a atividade cresceu cerca de 400% no Brasil de 2002 a 2011. Adriana Dias diz que seu monitarmento da baixa de arquivos de conetúdo nazi-fascista contabiliza apenas quem baixou pelo menos 100 arquivos sobre o assunto. Ela alerta para a disseminação dessas ideologias no Brasil. Do Rio Grande do Sul, segundo a especialista, vinha a maioria absoluta do conteúdo neonazista produzido no país, mas nos últimos anos esses movimento têm crescido vertiginosamente em Minas Gerais, no Distrito Federal e em São Paulo.

Também tem aumentado no país o número de denúncias de material preconceituoso e racista na internet. A organização não governamental Safernet Brasil, que monitora e denuncia crimes e violações aos direitos humanos na internet desde 2005, confirma o aumento desses casos. Em 2006, quando a ONG começou a contabilizá-los, foram 11.444 casos de denúncias de conteúdo ofensivo com cunho homofóbico, xenófobo, racista, nazista e de intolerância religiosa. No ano passado, o número passou para 21.033 casos, um aumento de cerca de 45%. Somente sobre neonazismo foram 222.785 denúncias anônimas, envolvendo 21 mil sites.

“Temos constatado um crescimento expressivo dos crimes de ódio, não só nas redes sociais, contra as minorias historicamente discriminadas. Tem aumentado também o número de células organizadas que propagam esses ideais”, alerta Thiago Tavares, diretor-presidente da Safernet Brasil. A maioria do material alvo de denúncias, segundo ele, vem do Sul e do Sudeste do Brasil, principalmente de São Paulo, onde a atuação dos skinheads (cabeças raspadas, em inglês) – como se autoproclamam os simpatizantes do nacional-socialismo difundido por Adolf Hitler – é mais organizada.

Mensagem de cunho racista pichada em muro da Zona Norte de BH ( Facebook/Reprodução da internet)



Rastreamento após mortes em Curitiba

O pico das denúncias no Brasil sobre conteúdo neonazista na internet ocorreu em 2009, quando foram registrados 4.176 casos. Foi naquele ano que a Federação Israelita de Minas Gerais começou a monitorar crimes de ódios no estado. Tudo por causa do assassinato de um casal de universitários de BH em uma festa na Região Metropolitana de Curitiba que comemorava o aniversário de Hitler. Eles teriam sido mortos em uma disputa de poder entre grupos neonazistas extremamente organizados.

Naquele mesmo ano, a Polícia Federal apreendeu material de cunho nazista em grande operação contra um grupo radical acusado de disseminar teorias racistas na Região Metropolitana de BH. A PF chegou ao grupo graças a denúncias de internautas que encontraram perfis e comunidades nazistas no site Orkut. Também em 2009, a Federação Israelista mineira foi alvo de um ataque com bombas e muros foram pichados com citações contra judeus.

No ano passado a Biblioteca Pública, na Praça da Liberdade, foi pichada com a suástica e com sinais característicos de grupos skinheads, notórios simpatizantes e divulgadores da ideologia do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Um muro perto da Estação São Gabriel, Zona Norte da capital mineira, também foi pichado com a frase “Vamos cuidar do futuro de nossas crianças brancas” e uma suástica.
Duas pessoas de BH foram denunciadas pelo Ministério Público Federal em Minas, em 2010 e no ano passado, por distribuição de material com apologia ao nazismo. Recentemente, mais casos foram registrados, como o trote com referências racistas e nazistas na Universidade Federal de Minas Gerais e o ataque de skinheads a gays e moradores de rua em Belo Horizonte.

O diretor-executivo da Federação Israelita mineira , Jaime Aronis, se diz alarmado com o que ele chama de escalada de crimes de ódio no Brasil e em Minas. Para ele, as autoridades ainda são muito tímidas na repressão a essas práticas. Aronis alega que esse aumento não ocorre apenas no país, mas no mundo todo. “É difícil entender porque isso acontece. Afinal, somos todos seres humanos.”

Saiba mais

Símbolos e
códigos nazistas


Os símbolos nazistas são proibidos no Brasil e em várias partes do mundo. Para burlar essa probição, grupos neonazistas criaram outras forma de identificação, como a combinação numérica 14/88. O número 14 refere-se às 14 palavras de um frase em inglês: “We must secure the existence of our people and a future for white children”, que em português significa “Devemos assegurar a existência de nosso povo e um futuro para as crianças brancas". Já o 88 é uma referência à oitava letra do alfabeto, o H, que duplicado representa a saudação nazista “Heil Hitler”. A pichação na Biblioteca Pública de Belo Horizonte, feita ano passado, continha esse símbolo. Parte do slogan das 14 palavras foi pichado em um muro no Bairro São Gabriel, na capital mineira, também no ano passado.


» Para denunciar


      Viu algum conteúdo impróprio na internet? Denuncie. É simples. Não feche a página. Copie o endereço e cole no link de denúncias da organização não governamental SaferNet Brasil (www.safernet.org.br), que atua desde 2005 no enfrentamento a crimes e violações aos direitos humanos na internet. A entidade age em parceria com o Ministério Público Federal e a Polícia Federal no combate a esse tipo de irregularidade. Além de enviar o link para as autoridades, a ong grava todos os dados da página, salva fotos e dados e ainda localiza de onde saíram as postagens. Tudo é enviado para o MPF e para a PF, que analisam as informações e decidem pela abertura ou não de inquérito para apurar possíveis crimes e seus responsáveis. Não é necessário fornecer nenhum informação pessoal. Todas as denúncias são sigilosas. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário