sábado, 20 de abril de 2013

Livro analisa visão ocidental da eternidade

folha de são paulo

Selo Três Estrelas lança "Uma Breve História da Eternidade", do historiador Carlos Eire, da Universidade Yale
Para estudioso, crença cristã teve papel civilizatório ao dar valor à vida, antes considerada "barata"
REINALDO JOSÉ LOPESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHANa era dos descobrimentos, a Espanha obteve quantidades fabulosas de ouro e prata em suas colônias na América --e resolveu investir boa parte dessa fortuna no que parecia ser a "caderneta de poupança" mais segura da época: a vida eterna.
Uma obsessão nacional com funerais solenes e missas em favor das almas no purgatório acabou fazendo com que, em cidades como Cuenca, na Espanha, dois quintos dos empregos fossem gerados pela Igreja Católica.
O cálculo é um dos fatos saborosos contados no livro "Uma Breve História da Eternidade", de autoria do historiador cubano-americano Carlos Eire, da Universidade Yale (EUA). A obra acaba de ser publicada no Brasil pelo selo Três Estrelas, do GrupoFolha.
Para Eire, cuja especialidade acadêmica é o estudo da Reforma protestante e da reação católica a ela (a chamada Contrarreforma), o pensamento cristão sobre a eternidade teve um papel civilizatório importante, ao enfatizar que o destino eterno das pessoas estava ligado à maneira como cada um tratava o seu semelhante.
"Durante o Império Romano, as pessoas costumavam ir até a arena para assistir a outras pessoas se matando. A vida era barata e, de certa forma, sem valor. Talvez seja demais dizer que o cristianismo e a crença na eternidade causaram o fim dos combates de gladiadores, mas faz bastante sentido", disse o historiador à Folha.
HERESIAS ESSENCIAIS
Um dos cursos que o pesquisador ministra a alunos de graduação de Yale tem o nome inusitado de Heresias Essenciais. Ele explica: "A primeira coisa que fazemos na aula é abordar Jesus como um herético judaico. A crença na ressurreição dos mortos, que estava longe de ser aceita por todos os judeus na época dele, acaba se tornando a crença central do cristianismo".
O curso também enfoca outro tipo de pensamento herético que tende a reaparecer ao longo da história.
"Trata-se da ideia de que o mundo material é mau, de que, na prática, este mundo é o inferno, e que o propósito de quem quer se salvar é escapar daqui. É o que vemos com os gnósticos nos primeiros séculos do cristianismo e, durante a Idade Média, os albigenses e os cátaros."
Para o historiador, essas controvérsias teológicas aparentemente abstrusas são capazes de trazer insights sobre certos aspectos do mundo contemporâneo.
"Já encontrei alguns ambientalistas que parecem abraçar uma versão invertida do pensamento gnóstico, segundo o qual os seres humanos é que são maus e que a Terra ficaria muito melhor sem nós. Você vê certo deleite em relação à ideia de uma Terra purificada que lembra o gnosticismo", explica.
Mesmo levando em conta sua visão de longo prazo sobre a história da Igreja Católica, o pesquisador disse estar favoravelmente surpreso com as primeiras semanas do papa Francisco. "Sinto que ele pode ser uma verdadeira lufada de ar fresco em atitudes como seu desdém pela riqueza e sua humildade. O que ele fez ao lavar os pés daqueles prisioneiros, incluindo mulheres, foi fantástico."
Eire, no entanto, ressalta que os 76 anos de idade do pontífice precisam ser levados em conta. "Francisco tem, no máximo, uns dez anos pela frente. Vai depender muito da saúde dele."
CUBA ETERNA
Nascido em 1950, Eire deixou Cuba aos 11 anos de idade e vê com certo desalento a situação atual de seu país natal.
"Raúl [Castro] está se mostrando pior do que Fidel em vários aspectos. As chamadas reformas não passam de tentativas de manter as coisas como estão", analisa.
"Por outro lado, estou começando a ver coisas que podem ser rachaduras das grandes, erros estúpidos parecidos com os que a União Soviética cometia em seus últimos anos. Acho que o caso da visita da [blogueira cubana] Yoani Sánchez ao Brasil foi um desses erros, porque eles organizaram protestos contra ela e a coisa saiu pela culatra."
Mas o fator-chave, diz ele, talvez seja mesmo o tempo. "Quando Raúl morrer, tudo vai mudar --e ele vai morrer logo, mesmo que viva cem anos. O que acontece depois, no entanto, é difícil de saber."

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