terça-feira, 23 de abril de 2013

Material camaleão-Bruna Sensêve‏

Cientistas criam película que muda facilmente de característica, tornando-se, por exemplo, lisa ou rugosa. Invento pode ter muitas aplicações, como barracas e janelas que regulam a passagem da luz 


Bruna Sensêve

Estado de Minas: 23/04/2013 

Brasília – Materiais que se adaptam de forma dinâmica a mudanças ambientais estão atualmente limitados a dois estados de transformação. Eles podem escurecer quando a luminosidade é alta e tornar-se transparentes caso a intensidade da luz diminua, por exemplo. Imagine, porém, uma tenda de acampamento que, além de ficar opaca para bloquear o sol e translúcida para aumentar a luminosidade, também seja capaz de reter a umidade em dias secos e ser repelente à água nos dias chuvosos. Ou ainda lentes de contato que se ajustam ao formato exato dos olhos e são autolimpantes.

Essas são algumas das aplicações que podem se tornar realidade a partir de um estudo feito na Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas e no Instituto Wyss da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Lá, pesquisadores desenvolveram uma membrana líquida composta por um substrato elástico e poroso capaz de se adaptar a uma infinidade de superfícies e a diferentes condições ambientais de luminosidade e umidade ao mesmo tempo. O invento foi descrito na revista científica Nature Materials deste mês, e os cientistas imaginam que ele possa resultar, no futuro, em filmes que respondam dinamicamente também a condições de temperatura, campos magnéticos ou elétricos, sinais químicos, pressão e outras tantas variáveis ambientais.

O segredo do material altamente adaptável está na interação entre um substrato poroso e um líquido mantido em seu interior. À medida que a superfície se deforma, o líquido se movimenta, alterando as propriedades do material. Se a membrana for mantida em posição relaxada, por exemplo, o líquido preenche os poros por inteiro, tornando o filme bastante transparente e sua superfície lisa e escorregadia. Por outro lado, quando a membrana é esticada, o efeito é contrário. O líquido de revestimento recua ainda mais para o interior dos nanoporos e deixa suas bordas expostas. A lubrificação, assim, é reduzida, e a película se torna áspera e opaca.

A equipe, liderada por Joanna Aizenberg, demonstra que o grau de rugosidade da superfície e, portanto, o seu nível de repelência de água e transparência, pode ser facilmente reajustado pelo alongamento ou relaxamento dos filmes. Para tanto, basta empurrar uma parte do material com o dedo ou dobrá-la com as mãos, por exemplo.
Evolução A principal autora do artigo explica que essa é a última geração de uma série de materiais criados por ela há alguns anos, conhecidos como slips (sigla em inglês para superfícies porosas escorregadias infundidas em líquido). A primeira versão dessa película é um revestimento que consegue repelir qualquer substância com a qual entre em contato, seja óleo, água ou sangue. A diferença é que, enquanto as slips são rígidas e porosas, o novo filme alia os nanoporos a um material elástico.

É essa mudança que permite o controle preciso das várias respostas adaptativas. “Podemos ajustar basicamente qualquer coisa que possa responder a uma mudança na topografia da superfície, tais como comportamento adesivo ou anti-incrustante”, complementa Xi Yao, um dos autores da pesquisa. Ele explica que o novo material foi inspirado em sistemas dinâmicos de autorrestauração encontrados na própria natureza, como a película líquida dinâmica que recobre os olhos, formada pelas lágrimas. Essa proteção natural é capaz de manter a claridade ótica, regulando a umidade do olho e protegê-lo contra poeira e bactérias, além de ajudá-lo a transportar para fora os resíduos indesejados.

Para o professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) André Avelino Pasa, o novo material pode levar a diversas aplicações comerciais, como novos tipos de janela. “Aplicando uma pressão na membrana, a janela ficaria escura num dia muito claro”, imagina. Pasa considera que, por utilizar um teflon poroso, o novo material pode estar mais próximo da produção comercial, sendo necessário ainda desenvolverem-se algumas diretrizes na engenharia do produto, baratear custos e tornar viável a produção em massa. “Do ponto de vista da pesquisa, vai ser um material bem importante, porque permitirá o estudo da influência da rugosidade no processo de atrito, pois ele permite modular as propriedades de atrito em uma mesma superfície.” Ainda assim, o professor brasileiro considera a principal vantagem do invento a possibilidade de ter um material que se adapte facilmente às diversas características do meio ambiente.

Palavra de especialista
Antônio José Felix de Carvalho

pesquisador da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC/USP)


Funcionamento dinâmico 

“Os pesquisadores descrevem um material que se adapta às condições de forma autônoma. Chamamos isso de materiais inteligentes (smart materials). Na verdade, esse tipo de pesquisa se baseia na observação de sistemas que funcionam de forma autoajustável na natureza, como é o caso das lágrimas e dos fluidos que recobrem a mucosa do estômago. O conceito central do trabalho está baseado no fato de que a interação de um líquido com um substrato poroso depende das dimensões dos poros. O ponto forte do trabalho é ter, portanto, produzido uma película sintética que funciona de forma dinâmica como nossos olhos ou outro tipo de tecido que se autoajusta. Os cientistas foram capazes de produzir tal película inteligente combinando materiais sintéticos de diferentes características. Para isso, é necessário conhecer muito bem cada material e saber como eles interagem com os líquidos. Essa pesquisa vai na linha das que usam a natureza como inspiração (biomimética) e têm gerado grandes avanços em diversas áreas da ciência e engenharia dos materiais.” 

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