segunda-feira, 8 de abril de 2013

Ruy Castro

folha de são paulo

Descalço na areia
RIO DE JANEIRO - Os meninos atravessaram as pistas da Vieira Souto no sinal, em fila, direitinho, como se fossem ser recenseados ao chegar ao outro lado. Eram uns 20, e tinham por volta de 10 ou 11 anos. Pelo sotaque, a pele muito branca e um certo desengonço, ingleses. E escoteiros. Mas só o guia estava a caráter, de sapato, meias três-quartos, chapéu e calças curtas.
Os garotos iam jogar uma pelada na areia, defronte ao Country. Em meados dos anos 60, aquela região da praia era o feudo das moças mais bonitas e fornidas de Ipanema. Inacessíveis para nós, claro -por isso, as acusávamos de burguesinhas e filhas-do-papai, e nos reapaixonávamos pelas colegas de faculdade, com quem podíamos discutir Marcuse.
Alheios ao caráter sacrossanto da areia em que pisavam, os escoteirinhos foram se descascando como cebolas, tirando os agasalhos, toucas e calças com que estavam vestidos, embora a manhã de primavera carioca acusasse 30 graus. Os tênis e roupas foram empilhados junto a uma trave e o jogo começou. Perguntei-me se sabiam que, na praia, a bola só sai pela lateral quando é levada pela segunda onda.
Pelo que eu via, nada indicava que dali sairia alguém para o Manchester United. Já ia desistir de acompanhar quando percebi que um dos garotos estava jogando de meias. Não jogava melhor ou pior por isso, mas era estranho -como se sua mãe o tivesse proibido de expor seus pés aos vírus e bactérias da jangal.
Até que o guia, que apitava o jogo à distância, também notou. Parou tudo e o chamou à parte. Foi bem perto do quiosque onde eu tomava um coco. Não ouvi o que diziam, mas o menino fez que sim com a cabeça e tirou as meias. O guia apitou o recomeço da pelada. O jogo do garoto não melhorou muito, mas seu rosto irradiava a maior alegria ao conduzir a bola, descalço, na areia, pela primeira vez na vida.

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