sexta-feira, 19 de abril de 2013

Vargas Llosa faz busca da cultura perdida

folha de são paulo

Nobel abriu ciclo "Fronteiras do Pensamento" com fala sobre decadência cultural
CASSIANO ELEK MACHADODE SÃO PAULOA conferência de Mario Vargas Llosa que abriu, na noite de quarta-feira, a edição deste ano do ciclo Fronteiras do Pensamento, em São Paulo, poderia ser dividida em dois movimentos.
A primeira e mais extensa parte da fala do escritor peruano poderia ser batizada de "como eu descobri a cultura e como a cultura fez o homem descobrir a si mesmo".
Numa chave mais pessoal, Vargas Llosa, 77, disse que começou cedo. "Aprender a ler, aos 5 anos, foi a coisa mais importante de minha vida."
E tratou das leituras vorazes de infância e adolescência, da descoberta do teatro (e do teatro moderno, com uma peça de Arthur Miller), do "aprendizado do muito que não sabia". "A cultura foi uma maneira de viver a verdadeira vida", disse.
E narrou como a cultura civilizou a política, enriqueceu o "amor físico", ajudando a tecer o que veio a se chamar de erotismo, e como, em suma, foi "o motor do progresso e razão de termos saído das cavernas e chegado às estrelas".
Nesta primeira etapa, o Prêmio Nobel de Literatura de 2010 arava o terreno para o tema da noite: "A Civilização do Espetáculo".
É este o nome que Vargas Llosa cunhou para tratar do desmanche desta cultura sobre a qual vinha falando ao público do teatro Geo.
A essência deste "segundo movimento" da conferência poderia ser sintetizada na frase "A cultura não é a mesma que já foi no passado. O conceito de cultura é tudo, então de certa forma é nada".
Diz ele que a noção do que é cultura foi ampliada de tal forma que o termo passou a ser, daninhamente, usado em expressões como "cultura heterossexual", "cultura do reggae" e "cultura da maconha".
A grande cultura, a das obras-primas literárias, dos antigos mestres da pintura, dos Beethovens e Mozarts, estaria sendo abandonada.
Vargas Llosa contou que teve o estalo numa visita à Bienal de Veneza. "Lá tive a sensação de que estavam tirando sarro da minha cara. Estava mais perto de uma Disney e de um circo do que da arte."
E atacou, como vem fazendo há anos, o britânico Damien Hirst, 47, exemplo mais gritante, na ótica llosiana, do artista que é um "palhaço", "que não sabe nem pintar" (depois, criticou o francês Marcel Duchamp, que "abriu as portas para esta loucura").
No final de sua fala, fazendo a síntese dos dois movimentos, Llosa falou sobre os riscos do processo de "fazer da arte um passatempo".
A cultura, diz, é que desenvolve o espírito crítico, que permite a insurgência contra despotismos, motivo pelo qual todas as ditaduras começam por estabelecer censuras artísticas.
Vargas Llosa concluiu com uma advertência: "Uma cultura desprovida de fogo, de mordida, poderá nos fazer retroceder às cavernas".

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