segunda-feira, 13 de maio de 2013

Entrevista - Jaques Wagner

Revista Veja - 13/05/2013

O Brasil não começou com o PT

Otávio Cabral

O governador da Bahia afirma que o país vem evoluindo desde o Plano Real, defende a liberdade de imprensa e diz que seu partido deve apoiar Eduardo Campos em 2018.

Um problema antigo tem tirado o sono do governador Jaques Wagner: a seca que castiga metade dos municípios da Bahia, que dependem de carros-pipa para matar a sede da população. Embora o Brasil tenha se desenvolvido muito nos últimos vinte anos, diz ele, e não apenas graças ao seu partido, o PT, como admite, o drama da seca ainda castiga o Nordeste só que de forma menos visível.

Quando fala de política, Jaques Wagner se mostra um petista pouco radical: reconhece o resultado do julgamento do mensalão defende a liberdade de imprensa e se diz favorável até mesmo a que seu partido se comprometa a apoiar a candidatura presidencial de Eduardo Campos, do PSB em 2018.

O Nordeste passa pela maior seca em setenta anos. Como o governo federal está lidando com isso?
Não há legiões de famintos vagando pelo senão nem imagens de crianças desnutridas pelas estradas, mas, dependendo da região, a seca é de fato a mais severa em noventa anos. Aqui na Bahia açudes de 92 anos secaram pela primeira vez. A dor é a mesma, a consequência econômica é a mesma, a diferença é que hoje há uma rede de proteção social maior, que minimiza o drama da fome. Infelizmente, não há como zerar o problema. Existe essa rede de proteção social, mas uma eficiente rede de proteção econômica ainda precisa ser consolidada. No último ano aumentou muito a migração de nordestinos para o Sul e o Sudeste, um fenômeno que praticamente não era mais visto. Não estamos mais como no passado, quando se viam crianças morrendo e famintos pela rua, mas ainda é preciso fazer muito contra a seca.

Outro problema que atinge diretamente a população pobre é a inflação. O fraco desempenho da economia pode pôr em risco a reeleição da presidente?
No início do governo Lula, havia um clamor para que os juros baixassem numa paulada. O Henrique Meirelles (ex-presidente do Banco Central) defendia uma queda mais gradual e, didaticamente, dizia: "A questão dos juros é igual ao aquecedor do chuveiro de casa. A gente liga e tem um tempinho para a água chegar quente à ponta". Os juros caíram em um ritmo correto e o país voltou a crescer. Agora é a mesma coisa com o controle da inflação. Tem gente defendendo a ideia de que se dê uma trancada forte nos juros para segurar a inflação. Mais uma vez, acho que a coisa deve ser feita devagar e que, com o tempo, a inflação volta para o centro da meta. Prefiro ficar nesse resultado, de um crescimento que não é exuberante, mas é consistente, a voltar àquele ciclo de altos e baixos que já tivemos.

Há gente em seu partido que defende a tese de que uma inflação acima da meta pode ser tolerada em prol de um crescimento maior. O senhor concorda?
Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso deram uma tremenda contribuição ao incorporar à cultura brasileira o controle da inflação e a parcimônia nos gastos públicos. Foi uma coragem que deu ao Fernando Henrique duas eleições. Disputas políticas à parte, não podemos retroceder, temos de fazer o país avançar, mantendo as conquistas anteriores. O Lula pegou essa herança e manteve o que era bom para a economia não desandar. Muitas vezes ele é injustiçado ao ser comparado com outros populistas da América Latina, mas jamais aceitou por a economia em risco em nome do populismo. Quem escolheu manter o salário mínimo abaixo do prometido em 2003 e 2004 foi ele. Quando houve o mensalão muita gente falava para ele esculhambar o Orçamento para pacificar a base política. Ele se negou. Por isso tudo, acho injusto pensar que o governo do PT vá abrir mão do controle da inflação.

O governo Dilma tem enfrentado problemas na economia e ainda não conseguiu deixar uma marca. Qual é o símbolo do atual governo?
Fui coordenador do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e levei dezoito meses para chegar a um consenso: o maior obstáculo ao desenvolvimento eram as desigualdades sociais. Foi unânime, da Febraban ao MST. Lula então aprofundou as políticas sociais. Dilma pegou a economia equilibrada e os avanços sociais e decidiu aumentar a competitividade. O primeiro ponto a enfrentar foi o custo do dinheiro, o que a levou a comprar briga com os bancos. Se o FHC fez o Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Lula investiu no social, a presidente Dilma agora tem de deixar o país mais competitivo.

Mas essa é só uma ponta do problema da competitividade. A carga tributária é excessiva, a infraestrutura está travada...
O país está em evolução, é um grande processo. Não dá para falar que tudo começou com o PT, é uma burrice não reconhecer o que outros fizeram. O alicerce foi feito pelo FHC, muitos tijolos foram colocados pelo Lula e outros estão sendo assentados pela Dilma. O salto dela constitui-se de juros a padrão internacional, energia a um custo mais racional e o gargalo da infraestrutura resolvido.

Como destravar o país?
Há um problema sério nos nossos órgãos de controle. É preciso achar um ponto de equilíbrio entre a velocidade com que o país precisa crescer e a santa necessidade do zelo com o dinheiro público. Zero em um e cem no outro não vale. É muito bem-vindo o controle do dinheiro público, mas ele não pode ser um empecilho ao desenvolvimento. Mas, mesmo com todo esse controle, a corrupção não retrocedeu. Eu, sinceramente, acho que o problema melhorou. A corrupção sempre vai existir. Mas já tem muita empresa que não opera mais com caixa dois. Não quero posar de vestal, mas tenho um código. Digo ao empresário que preciso de ajuda na campanha. Aí, aqui no governo, não deixo fazer obras e contratos por mais 1 real, mais 2 reais ou mais 3 reais. Mas, quando chegar de novo a época da campanha se o empresário foi bem atendido, eu vou pedir uma ajuda. Porque todo mundo faz campanha ajudado. Não há outra forma de fazer a não ser que tenha o financiamento público.

O senhor não acha que há formas melhores de investir o dinheiro do contribuinte?
Pelo contrário, acho que baratearia muito a democracia. O Brasil precisa urgentemente de uma reforma política. Além do financiamento público, sou favorável à coincidência de datas para as eleições de vereador a presidente, com mandato de cinco anos e sem reeleição.

Falando em corrupção e financiamento de campanha, como o senhor, que estava dentro do Palácio do Planalto, define o mensalão?
Eu estava lá e desconheço totalmente essa relação de toma lá dá cá, de pega dinheiro aqui e vota ali. O que eu sei - e em que acredito - é que foi feito um planejamento a partir da vitória do Lula em 2002 de que era preciso eleger 1.500 prefeitos dos partidos da base em 2004 para preparar terreno para a reeleição do Lula em 2006. Essa é a conta que foi feita - e nesse sentido você pode dizer que o José Dirceu era o elaborador dessa estratégia política. Para eleger tantos prefeitos, é óbvio que tinham de convocar os aliados. Ele convocou e disse: "Moçada, nós vamos precisar eleger 1.500 prefeitos". Sentou com o presidente dos partidos, fizeram as contas e mostraram o preço.

E o dinheiro para pagar esses partidos veio de onde?

Não sei, porque não fui buscar. Mas, se você chama dez partidos e diz que cada um tem de eleger 100 prefeitos, o cara vai dizer: "E aí, cara-pálida, como eu vou fazer essa campanha?". Os partidos apresentaram o seu preço. Como foram buscar esse dinheiro? Não sei, mas deu no que deu.

Então, ao contrário do que diz a maioria do PT, o senhor concorda com o resultado do julgamento?
Há duas questões controversas: a teoria do domínio do fato, que muito criminalista que não tem paixão pelo PT contesta e o foro único no Supremo. Nossos adversários dizem que o PT é o partido dos marginais. Outros dizem que somos um partido de santos. Digo que somos um partido de homens e mulheres. Pode ter gente que na busca incessante de financiar a campanha de 2004, passou do ponto. Não quero julgar o julgamento do Supremo - julgamento é julgamento, no máximo você pode recorrer. Se o resultado foi ruim, sinto muito. É o Supremo, cujos ministros, em sua maioria, foram indicados pelo PT.

Quais nomes o senhor acha que estarão na uma na eleição para presidente em 2014?
Três, com certeza: a Dilma, o Aécio e a Marina. Com a Rede ou sem a Rede, Marina será candidata é difícil para alguém que teve a votação dela não tentar de novo. O Lula foi para o segundo turno em 1989 e, na eleição seguinte, em 1994, muitos pregavam que a gente deveria se aliar ao FHC.

Mas era impossível que ele não concorresse, como também era para o FHC.
Foi um azar histórico não ter dado liga entre os dois. As duas novidades pós-democracia são o PT e o PSDB dois partidos complementares que juntos, poderiam ter feito o Brasil avançar muito. Agora ficou tarde.

Voltando à cédula...
Dilma, Aécio e Marina para mim estão certos. Aí vem a grande dúvida: Eduardo Campos será candidato? Como amigo dele e parte do projeto da Dilma, eu não recomendo. Defendi com muita franqueza, durante seis horas de conversa com o Eduardo, a ideia de que é melhor que ele espere 2018. Que o caminho natural dele é ser o candidato do nosso grupo em 2018. Defendo isso publicamente dentro do partido: dezesseis anos é um bom tempo para se pensar em fadiga de material e abrir espaço para uma liderança de outro partido. Em política se faz acordo, não se trabalha com generosidade. Eu não estou sendo generoso, estou tendo uma visão diferente. Ninguém no Brasil de hoje vai se eternizar no poder. Graças a Deus, não há nada melhor na democracia do que a alternância de poder. É possível fazer alternância por dentro do projeto ou por fora. Eduardo pode ser essa alternativa por dentro em 2018: o grupo se mantém na Presidência, mas com outro nome, outro partido. É melhor entregar para um aliado do que perder para um adversário ou para um ex-aliado. É disso que eu tento convencer o PT mas não está fácil.

Como convencer Eduardo Campos de que o PT não vai lhe passar a perna em 2018?
Ele teria de cultivar esse acordo. Precisa sentar com a Dilma e com o Lula e discutir que espaço terá no governo qual será o caminho até a eleição seguinte e trabalhar para esse acerto ser cumprido. Sem nem ao menos tentar um acordo não dá para falar em traição. Mas ele se apaixonou pela ideia de ser candidato. Não é irreversível, mas o caminho para o recuo está encurtando cada vez mais. As pontes estão sendo arrebentadas de lado a lado.

Muitos petistas pregam que a única maneira de unificar a base é com uma candidatura de Lula. O senhor concorda?

Esqueça isso, nenhum partido pode ser de um homem só. A candidata é a Dilma e ponto. Lula é um grande cabo eleitoral, mas não vai pedir votos mais para ele mesmo.

O PT crítica as parcerias com o setor privado, mas o senhor acaba de ganhar um prêmio do Banco Mundial pela PPP em um hospital. Seu partido está atrasado?

Há uma confusão no Brasil entre ferramenta e projeto. Os projetos políticos se dividem entre esquerda e direita, progressista e conservador, entre os diferentes pensamentos. E as ferramentas servem para qualquer projeto. Ferramenta boa de gestão está na prateleira para quem quiser usar. No meu governo, não há preconceito, o que me norteia é o objetivo. Eu preciso de um hospital não tenho dinheiro e a minha gestão não é a mais excelente, então eu faço uma PPP. Nem sou do estado zero nem sou do estado máximo. Acho que o estado deve ter o tamanho necessário para resolver os problemas da população. Eu sou um governador do PT, mas meu governo não é refém do PT.

O presidente de seu partido, Rui Falcão, tem como bandeira a aprovação de um projeto que restringe a liberdade de imprensa. O senhor concorda com ele?

Eu prefiro ficar com a opinião da presidente Dilma: é uma bobagem tentar fazer qualquer tipo de controle da imprensa. Conteúdo é livre, cada um escreve o que pensa. A liberdade de expressão é um valor inatacável.

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