terça-feira, 14 de maio de 2013

Marcio Thomaz Bastos, José Eduardo Cardozo e Lucien Muñoz no Tendências/Debates

folha de são paulo

MÁRCIO THOMAZ BASTOS E JOSÉ EDUARDO CARDOZO
TENDÊNCIAS/DEBATES
Novos desafios à reforma do Judiciário
O excesso de processos demorados afasta o Judiciário dos que dele mais precisam. É preciso modernizar a administração judiciária
Há uma década, o governo Lula criava a Secretaria de Reforma do Judiciário (SRJ), no Ministério da Justiça, inaugurando uma nova forma de enfrentar os graves problemas da administração da Justiça.
À época, poucos percebiam o potencial transformador da SRJ, que atingiu seu ápice na aprovação da emenda constitucional (EC) 45/2004. A nova secretaria teve papel político destacado nos trabalhos parlamentares para a reformulação das bases constitucionais da Justiça. Ali se iniciou o processo de reforma.
Apesar das resistências às inovações trazidas pela EC 45, é inegável que o Judiciário alcançou um novo patamar, como constatou esta Folha em editorial recente ("Insistir na reforma", de 7/4).
A grande transformação se alicerçou na criação dos órgãos de controle da magistratura (CNJ) e do Ministério Público (CNMP).
O CNJ se consolidou como fiscalizador da conduta dos juízes e planejador administrativo da organização judiciária. Destacou-se atuando em temas sensíveis, como a proibição do nepotismo, e reavivou o princípio de que a Justiça deve servir ao cidadão, não a si mesma, por ser um serviço público essencial.
A EC 45/04 ainda merece elogios por realçar a autonomia da Defensoria Pública, melhorando as condições de acesso dos mais necessitados à Justiça.
A proteção dos direitos humanos também foi reforçada, pois o julgamento de graves violações pode se deslocar à Justiça Federal quando necessário.
Por meio de institutos, aumentou-se a segurança jurídica e diminuiu-se o volume de processos no STF (Supremo Tribunal Federal), permitindo que a Corte priorizasse a missão de guarda da Constituição. A duração razoável do processo foi reconhecida como mais um direito fundamental.
Nesses dez anos, várias leis processuais foram aperfeiçoadas, com a celebração de dois pactos republicanos. A iniciativa articulou os três Poderes para melhorar o funcionamento da Justiça.
O desafio continua sendo superar os entraves ao pleno acesso à Justiça. Quanto menor o poder aquisitivo de quem busca seus direitos, maior a dificuldade para realizá-los. O excesso de processos demorados afasta o Judiciário dos que dele mais precisam.
A nova fase da reforma tem, portanto, dois objetivos centrais: ampliar o acesso à Justiça e modernizar a administração judiciária. Enfoca-se o sistema de Justiça como um todo, e não apenas o Poder Judiciário.
É preciso tomar por referência o processo judicial eletrônico, contando com o apoio do CNJ. Os centros de mediação de conflitos também serão difundidos. No governo Dilma, a SRJ já vem se dedicando a essa tarefa, por meio de iniciativas como a Escola Nacional de Mediação e Conciliação.
Os novos desafios compreendem ainda fortalecer a Defensoria, vocacionada a representar os desfavorecidos em suas demandas inadiáveis.
Nosso sistema de recursos também se beneficiará de uma organização mais racional, desde que não se comprometam os direitos fundamentais à ampla defesa, ao contraditório, ao duplo grau de jurisdição e ao devido processo legal.
Trata-se de garantir maior efetividade às decisões de primeiro e segundo graus, de modo que os tribunais superiores possam se concentrar no desempenho de suas principais competências constitucionais.
O momento é de união de esforços, para superação dos problemas remanescentes. Faz-se indispensável a participação de magistrados, defensores, advogados, promotores, parlamentares, administradores públicos, pesquisadores e organizações da sociedade civil.
Só assim o sistema de Justiça se tornará ainda mais acessível, democrático, rápido e eficiente, como querem e merecem os cidadãos brasileiros.


LUCIEN MUÑOZ
TENDÊNCIAS/DEBATES
Um problema para a democracia
A impunidade contribui para a persistência de crimes contra profissionais da imprensa. Um entre dez casos resulta em punição
A celebração do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa de 2013, ocorrida há dez dias na Costa Rica, chamou a atenção para os problemas crescentes da insegurança e da impunidade dos crimes contra jornalistas de todo o mundo.
O Brasil teve visibilidade no evento da Unesco não apenas pela participação do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, de representantes das principais organizações defensoras da liberdade de expressão, editores, jornalistas e professores brasileiros, mas também pelo grave quadro de crimes contra profissionais de mídia e sem a devida punição.
Eduardo Carvalho, do jornal on-line "Última Hora News", de Campo Grande (MS), Valério Luiz de Oliveira, da Rádio Jornal de Goiânia (GO), Décio Sá, do jornal "O Estado do Maranhão" e do Blog do Décio, e Mario Randolfo Marques Lopes, do Vassouras Net, de Barra do Piraí (RJ), estão na lista dos jornalistas brasileiros que, segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) de Nova York, morreram no ano passado no Brasil, em decorrência do exercício da profissão.
Eles fazem parte dos 600 jornalistas assassinados na última década em todo o mundo. Apenas em 2012, a Unesco condenou o assassinato de 121 profissionais da mídia.
Em uma mensagem conjunta, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, e a diretora-geral da Unesco, Irina Bokova, alertaram que muitos desses jornalistas morreram durante a cobertura de situações não conflituosas. Diversos jornalistas também sofrem intimidações, ameaças e outros tipos de violência, ou são detidos de forma arbitrária e torturados, muitas vezes sem acesso a recursos legais.
Neste ano, a ONU também destaca o tema da segurança de jornalistas on-line, blogueiros, produtores de mídias sociais e cidadãos-jornalistas. Além do perigo físico, eles sofrem violência psicológica e emocional, violações de dados pessoais, intimidações, vigilância injustificada e invasões de privacidade.
Um dos motivos de maior preocupação é a impunidade, que contribui para a persistência desses crimes. As últimas pesquisas demonstram que, em média, não mais do que um entre dez crimes contra jornalistas é levado aos tribunais e resulta em punição.
Por isso, líderes de todos os órgãos, agências, fundos e programas da ONU se reuniram em 2012 para criar o Plano de Ação das Nações Unidas sobre a Segurança dos Jornalistas e a Questão da Impunidade, cuja versão em português foi lançada recentemente no Brasil.
As Nações Unidas pretendem, com base no plano, apoiar o desenvolvimento de leis nacionais sobre a segurança e a liberdade de expressão, conscientizar a população e treinar jornalistas sobre tais questões.
Se a liberdade de imprensa e o fim da impunidade já eram temas centrais há 20 anos, quando foi criado o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, atualmente eles são um imperativo mundial. Cabe aos governos, aos órgãos de imprensa e à sociedade como um todo lutar pelo direito dos jornalistas de exercitarem suas atividades sem a ameaça da violência. Da mesma forma, ao Poder Judiciário cabe dar respostas rápidas e punir os culpados.
Sempre que um jornalista é calado pela violência e esse crime fica impune, perdem a democracia e toda a sociedade.

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