terça-feira, 14 de maio de 2013

São árabes? Que se matem - Clovis Rossi

folha de são paulo

São árabes? Que se matem
Passividade ocidental ante o desastre na Síria permite supor que nem todas as vidas têm o mesmo valor
Timothy Garton Ash, um dos mais respeitados acadêmicos do planeta, desconfiava tempos atrás, em artigo para "El País", que a passividade do Ocidente ante o morticínio na Síria escondia, "no pior e mais vergonhoso dos casos, que, para os europeus, a vida de um árabe não tem tanto valor como a de um europeu".
É triste ter que concordar com ele, se se estender a suspeição ao Ocidente de modo geral.
Só assim se explicariam dois anos de passividade diante de um desastre humanitário de proporções inacreditáveis.
Já deveria ser suficiente para justificar uma intervenção o fato de que o número de mortos está chegando a 100 mil, se se somarem aos 82 mil mortos os 12 mil desaparecidos.
Mas há mais, conforme relata Robert Mardini, chefe de operações da Cruz Vermelha para o Oriente Próximo e Médio: "Centenas de civis são mortos ou feridos todos os dias. Milhares de pessoas continuam detidas ou desaparecidas. Os ataques aos estabelecimentos e aos profissionais médicos continuam".
"Famílias inteiras estão constantemente se mudando, em busca de lugares mais seguros. Quatro milhões de pessoas já se deslocaram até o momento dentro da Síria, e 1,2 milhão de outras tiveram de atravessar as fronteiras para outros países --e essa tendência continua. As pessoas que permaneceram em algumas cidades ou aldeias não têm quase nada e vivem com medo e angústia constantes".
"Cerca de 25% de todos os sírios que trabalham perderam o emprego desde o início do conflito. A produção agrícola está em queda livre, uma vez que milhares de agricultores não têm condições de cultivar com segurança as suas terras ou obter os insumos agrícolas de que necessitam. A inflação está descontrolada. Uma pesquisa de mercado recente indica que o preço de uma cesta de alimentos padronizada aumentou mais de 50% desde março de 2011. Em áreas sitiadas e em zonas de conflito, em particular, a alta demanda e a baixa oferta levaram a um aumento dos preços das necessidades básicas, como pão, de mais de 1.000%."
"Em termos mais gerais, o preço dos alimentos, do combustível e dos remédios disparou, e o poder aquisitivo dos cidadãos comuns está severamente debilitado, fazendo com que um segmento cada vez maior da população geral esteja economicamente inseguro".
Chega? Tem mais: "O governo deixou de funcionar em aproximadamente 85% do país e luta para prestar serviços mesmo nas áreas que controla completamente. A infraestrutura física e administrativa da Síria foi dizimada", afirma Stewart Patrick, diretor do programa de Instituições Internacionais e Governança Global do Council on Foreign Relations.
Bem feitas as contas, está ocorrendo na Síria, sem a intervenção internacional, tudo o que se dizia que aconteceria se a intervenção se desse, lá atrás: desde o desastre humanitário até o contágio aos países vizinhos (vide atentado na Turquia), passando pelas reiteradas suspeitas do emprego de armas químicas.
E o mundo assistindo, como se fosse um videogame de guerra.
crossi@uol.com.br

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