domingo, 2 de junho de 2013

As sem-razões do amor - Regina Teixeira da Costa


Estado de Minas: 02/06/2013 

Sempre sofremos quando nos relacionamos. Pessoas sempre se machucam quando convivem. Invariavelmente, desagradam umas às outras, e não poderia ser de outro modo quando vivem juntas.

Fato é que sempre nos deixamos abalar mais que o necessário, quando seria melhor relevar. E nos chateamos porque estamos sempre idealizando situações e esperando que elas sejam perfeitas quando somos imperfeitos. E tão imperfeitos que não há um dia em que não tenhamos notícias, nos jornais e TVs, de absurdos praticados entre seres humanos, como nós. Por exemplo: agora, estamos diante da abertura ao público dos arquivos da ditadura brasileira. Ninguém desconhece o que houve.

Ninguém desconhece quanto os homens podem agir contra o próximo, e não é à toa que um dos mandamentos dos cristãos é amar ao próximo como a si mesmo. É preciso mesmo reprimir a inclinação à violência do homem por meio da educação, da religião e da lei. Mas nem tudo isso pode conter a agressividade humana de forma absoluta. Sobra sempre um resto.

Como sabemos, os animais matam para sobreviver. É natural e faz parte da cadeia alimentar. Homens são animais racionais, foram expulsos da natureza para a cultura e são seres de linguagem. Por mais que pareça incoerente, por isso mesmo, atacam os outros de sua espécie por crueldade. Porque não há pacto que possa controlar totalmente a violência e a agressividade. Temos a expectativa de ser tratados da mesma maneira como tratamos os outros. Mas nunca é assim. Nunca receberemos e nem daremos a justa medida que esperamos e que esperam de nós.

Simplesmente porque desconhecemos o que o outro espera e assim é para ele também. Nem se soubéssemos o que esperam de nós seria possível corresponder, pois sempre agradar seria a perda total da capacidade de realizar o próprio desejo em prol do outro.

Ser sujeito, portanto, inclui frustrar o outro e ser frustrado por ele igualmente. Por isso, gosto muito do poema de Drummond, “As sem-razões do amor”: “Eu te amo porque te amo./ Amor é estado de graça/ e com amor não se paga.”

A reciprocidade é uma cilada na qual nos embaraçamos sempre. Quase diariamente, quando amamos alguém. Como o poeta, também os budistas concordam que melhor seria a gratuidade das atitudes.

Depois de muito batalhar pela igualdade material entre os homens, um monge foi questionado por um homem:

– O senhor foi expulso do seu mosteiro e traído pelo seu líder, seus pares também o traíram e abandonaram, o senhor foi agredido e teve seu novo mosteiro queimado por pessoas da região que deveriam apoiá-lo… No entanto, continua firme em seu propósito de ajudar. Depois de tantas traições, o senhor não se decepciona com as pessoas?

O monge respondeu: “Não… Não me decepciono, porque nada espero das pessoas. Não guardo nenhuma expectativa em relação a elas. Se esperasse algo das pessoas, sem dúvida já teria me frustrado muito, e não poderia continuar esse trabalho. Mas como nada espero dos outros, jamais me frustro. Quanto mais uma pessoa cria expectativas, maior é a sua frustração. Não esperar nada de outrem é condição essencial para se viver e fazer o bem”. (Hugo Lapa)

Difícil de praticar. O desejo é o guia e não a vontade de ser amado. Mas como somos mesmo imperfeitos, podemos tentar pelo menos sofrer menos diminuindo nossas reivindicações de felicidade, e isso inclui aceitar a castração como parte da vida.


>>  reginacosta@uai.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário