domingo, 2 de junho de 2013

Caixa com 12 discos gravados nos anos 1960 recupera a memória artística de Nara Leão.- Ailton Magioli‏

Caixa com 12 discos gravados nos anos 1960 recupera a memória artística de Nara Leão. Cantora deixou de lado o posto de musa da bossa nova para apostar em novos rumos 


Ailton Magioli

Estado de Minas: 02/06/2013 

Embora se recuse a encaixar Nara Leão (1942-1989) em qualquer gênero musical pelo qual ela tenha passado, o pesquisador carioca Rodrigo Faour, de 40 anos, acredita ter encontrado o título ideal para a caixa que reúne 12 álbuns gravados por ela na década de 1960, entre 1964 e 1969. “Foram os aspectos mais emblemáticos da carreira então iniciante dela”, diz a respeito de Nara Leão – Samba, festivais e tropicália, pacote lançado pela Universal Music.

“É uma síntese de tudo que ela fazia”, justifica o responsável pela preciosidade, que ainda inclui álbum duplo de raridades da cantora capixaba, tida como a musa da bossa nova, depois de se tornar presença obrigatória nos famosos encontros musicais da Zona Sul carioca. Além de tirar o samba de raiz do gueto, trazendo-o para o asfalto, e participar dos célebres festivais de MPB, Nara, quem diria, ainda se juntou aos baianos que introduziam a guitarra elétrica na cena musical, via Tropicália.

 “A expectativa era de que Nara fosse a grande intérprete da bossa nova, só que já no primeiro disco ela grava um samba do morro, atitude muito ousada para a época”, recorda Rodrigo, salientando o fato de hoje praticamente todas as cantoras seguirem essa linha, independentemente de postura ideológica e musical. Para o pesquisador carioca, Nara Leão pertence à “espetacular geração” de 1942, que legou à MPB nomes como Caetano Veloso, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Paulinho da Viola e Jorge Benjor.

Como recorda, o bolero e o samba-canção eram os sucessos quando Nara Leão resolveu trazer o morro para o asfalto, abordando temáticas sociais ignoradas no cenário da música brasileira. “Ninguém esperava a iniciativa vinda de uma menina de aparência frágil, de classe média alta”, salienta acerca da visão que muitos tinham da cantora. A iniciativa de fazer a caixa partiu de Alice Soares, da gerência de projetos especiais da gravadora, que convidou o pesquisador para comandar o projeto.

O samba de raiz de Cartola, Zé Keti, Nelson Cavaquinho e Elton Medeiros; a canção de protesto de Chico Buarque, Sidney Miller e João do Vale; o tropicalismo de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto e Rogério Duprat; além, claro, da bossa nova, integraram-se à trajetória de Nara. Em 1966, a cantora ficou em primeiro lugar no 2º Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record, com a canção A banda, de Chico Buarque. No ano seguinte, com A estrada e o violeiro, que ela defendeu ao lado do autor, Sidney Miller, no mesmo evento, ganhava o prêmio de melhor letra.

Segundo volume
O mesmo material que está sendo lançado foi editado em 2002 (sem o álbum de raridades) por Marcelo Fróes, para a mesma gravadora, seguida de outra caixa com os álbuns dos anos 1970 e 1980 da cantora. Rodrigo Faour não descarta a possibilidade de uma segunda caixa para a Universal, mas, por enquanto, centra atenção em Samba, festivais e tropicália. Detentor de acervo de mais de 80 mil músicas catalogadas, cujos discos ele próprio faz questão de limpar com lustra-móveis, como revela, Rodrigo acredita que se estivesse viva Nara Leão hoje talvez gravasse mais espaçadamente.

“Mas com certeza ela continuaria sempre na vanguarda”, aposta o pesquisador, lembrando que, a exemplo de Caetano Veloso, Nara sempre teve um olhar diferenciado sobre a MPB. “Ela, com certeza, conseguiria driblar a vulgaridade atual, o que poucos têm conseguido”, diz, em tom de crítica. De acordo com Rodrigo Faour, se na época de Nara os cantores em geral davam mais importância à letra, sob o argumento de que “tinham o que dizer”, hoje o ritmo tem mais importância na cena musical. “Os intérpretes querem mais entreter o público”, salienta o pesquisador. “Até os anos 1980, o que imperava eram melodias e letras de bom nível. Hoje, para se fazer um bom disco é preciso suar a camisa”, conclui Rodrigo Faour.

• NARA LEÃO SAMBA, FESTIVAIS E TROPICÁLIA

» Nara, 1964
» Opinião de Nara, 1964
» 5 na bossa, com Edu Lobo e Tamba Trio, 1965
» O canto livre de Nara, 1965
» Show Opinião, 1965
» Liberdade, liberdade, 1966
» Nara pede passagem, 1966
» Manhã de liberdade, 1966
» Vento de maio, 1967
» Nara, 1967
» Nara Leão, 1968
» Coisas do mundo, 1969
» Nara rara (álbum duplo com raridades)

Palavra de especialista

Marcelo Fróes
Produtor e pesquisador musical

Acervo precioso

Fico feliz de esses CDs voltarem ao mercado. Em 1999, quando lancei o primeiro box de Gilberto Gil, comecei o projeto da Nara Leão, que levou um bom tempo para sair. Sua filha, Isabel Diegues, foi muito atenciosa, sua sobrinha Pinky fez o projeto gráfico. Tudo em família. Encontrei muitas raridades no acervo da gravadora, incluindo gravação inédita de Taí. Os discos têm uma sonoridade espetacular, foram remasterizados diretamente das fitas dos anos 1960, que rodam maravilhosamente bem. 

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