terça-feira, 4 de junho de 2013

Autonomia individual e bem-estar social e Autoengano [Tendências/Debates]

folha de são paulo
MARIA ALICE SETUBAL
Autonomia individual e bem-estar social
Como diz Marina Silva, precisamos democratizar a democracia por meio de processos que contribuam para a formação de valores
Na área da educação, as diferentes crises da sociedade contemporânea se expressam por duas contradições básicas.
De um lado, a necessidade de um conhecimento complexo e multidimensional aliado a uma urgência por valores pautados pela preservação de bens naturais, materiais e imateriais, ao mesmo tempo em que orientem para o futuro.
De outro lado, ainda vivemos a exaltação do superficialismo, pasteurização e espetacularização dos modos de vida, agravados pelo imediatismo, individualismo e consumismo exacerbado incentivado pelos próprios governos.
Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, afirma que a realidade social não pode ser reduzida a um agregado de indivíduos guiados por normas e desejos privados, pois a soma dos êxitos individuais não necessariamente se transforma em promoção coletiva.
A sociedade estabelece um padrão de felicidade baseado no consumo que, embora teoricamente esteja ao alcance de todos, a maioria é incapaz de obter.
Assim, as desigualdades de renda aumentam e geram desigualdades --tanto regionais como em relação a grupos étnicos, mulheres e jovens. Ou ainda desigualdades educacionais como as diferenças no acesso à produção e fruição cultural e a falta de condições adequadas dos ambientes domésticos, que impactam em piores resultados na aprendizagem dos alunos.
A dominância de um modelo baseado na igualdade de oportunidades em função do mérito sem combater as desigualdades sociais daí decorrentes pressupõe que as desigualdades de renda, hereditárias, culturais e educacionais têm pouco peso na organização da sociedade. E pressupõe que as iniquidades são justas, uma vez que as oportunidades estão abertas a todos numa competição equitativa.
As desigualdades acabam por corroer a confiança e o tecido social e geram relações tensas, agressivas, maiores taxas de criminalidade e piores índices sociais e educacionais. Criam-se guetos segregados tanto das populações de alta renda encasteladas em condomínios fechados, como das populações de alta vulnerabilidade social apartadas em periferias ou favelas. Como escreveu André Lara Resende, as pessoas são mais felizes em uma sociedade mais equânime, pois altas taxas de desigualdade reduz o bem-estar de todos.
A educação tem um papel fundamental na reversão desse cenário, não só como uma saída da pobreza, mas, sobretudo, para formar nossas crianças e jovens dentro dos novos parâmetros e valores da sustentabilidade. Parâmetros que priorizem o bem-estar social de indivíduos e grupos aliado à preservação e cuidado com o ambiente e com uma ética de responsabilidade pessoal e social em relação ao futuro sustentável das próximas gerações.
A escola como o primeiro espaço público de socialização das crianças pode dar as condições para construção de valores e conhecimentos contextualizados que possibilitem a participação exigida pela sociedade contemporânea.
Como diz Marina Silva, precisamos democratizar a democracia por meio de processos participativos que contribuam para formação de valores e troca de informações. Assim poderemos construir uma massa crítica capaz de tomar decisões mais reflexivas e conscientes.
A sociedade contemporânea exige a construção de um espaço público em que se respeite a singularidade e a potencialidade das pessoas para se alcançar o bem-estar individual e coletivo. Tornar a vida uma obra de arte, como enfatiza Bauman, é reconhecer a dignidade de todos os seres humanos numa contínua interação entre interesses, direitos e deveres individuais e coletivos, privados e comunais.
    MARCOS DE BARROS LISBOA E ZEINA ABDEL LATIF
    Autoengano
    Parece que alguns políticos anteciparam melhor do que os economistas a vulnerabilidade e os riscos do cenário econômico
    As surpresas frequentes com os indicadores da economia brasileira exibem uma regularidade: a persistente frustração das expectativas.
    A maior inflação se soma a um crescimento decepcionante. A cada novo ciclo de resultados, uma reação comum tem sido atribuí-los a causas transitórias e ajustar as projeções prevendo melhora no futuro. No entanto, os ajustes têm se revelado insuficientes e o diagnóstico, equivocado.
    O governo optou por uma política de estímulos à expansão da demanda, quando o maior crescimento requer melhoria das condições de oferta e ganhos de produtividade. O uso excessivo de estímulos fiscais e as intervenções em diversos mercados, como câmbio e crédito, resultaram em desequilíbrios macroeconômicos, pressões inflacionárias e maior incerteza, tendo efeito inverso ao pretendido sobre o crescimento.
    Os estímulos à demanda se somam à deterioração da oferta. Os desequilíbrios macroeconômicos, a incerteza sobre a política pública e as distorções causadas por benefícios concedidos a grupos escolhidos resultaram em pior evolução da produtividade. Estímulos e privilégios têm como contrapartida seu financiamento por impostos ou custos adicionais para o resto da sociedade, o que significa a concessão de benefícios para alguns às custas dos demais.
    O menor crescimento da produtividade desestimula o investimento. Além disso, passou a dominar a percepção de que ganhos privados podem ser obtidos por meio de favores do governo, como benefícios fiscais e proteção à competição, e não pelo sucesso na gestão em um ambiente meritocrático.
    Desde meados da década passada, a atividade econômica vinha sendo sustentada por ganhos de produtividade e pelo crescimento de alguns setores, especialmente agronegócio e diversos serviços, sendo os últimos responsáveis pela maioria dos empregos no país.
    Esses ganhos têm declinado acentuadamente. As dificuldades da indústria se disseminam progressivamente para os setores até então mais dinâmicos, piorando as perspectivas de crescimento sustentável.
    A maior taxa de inflação e a pior evolução da produtividade fragilizam o ambiente de negócios e aumentam a possibilidade de uma contaminação do mercado de trabalho, até agora preservado, o que tende a afetar os cálculos políticos.
    A frustração com os indicadores tem resultado em alguns ajustes da política econômica, porém ainda tímidos frente às dificuldades para garantir uma estratégia de crescimento. O aumento sustentável da capacidade de crescimento requer sólidos fundamentos macroeconômicos e uma agenda de ganhos de eficiência, em vez de privilégios para os escolhidos.
    A reversão de expectativas e a reconquista da confiança, infelizmente, demoram, mesmo no caso de uma mudança da política econômica.
    A deterioração do ambiente político tem sido simultânea à frustração com os resultados da economia. O governo enfrenta dificuldades com a agenda legislativa e uma base aliada mais frágil e cada vez mais atenta a opções para 2014.
    Parece que alguns políticos anteciparam melhor do que os economistas a vulnerabilidade e os riscos do cenário econômico, assim como as suas implicações eleitorais.

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