terça-feira, 4 de junho de 2013

Índios protestam contra mudança na política de terras

folha de são paulo
Manifestantes reagem contra decisão do governo de reduzir o poder da Funai em processos de demarcação
Invasores de diretório do PT no Paraná afirmam que ministra da Casa Civil é aliada de produtores rurais
DE SÃO PAULO DE PORTO ALEGRE DE CURITIBA
Com bloqueios de rodovias e até invasão de um diretório do PT, os índios reagiram ontem contra a decisão do governo Dilma Rousseff de alterar a política de demarcação de terras indígenas no país.
Na região Sul, em protestos articulados, índios invadiram a sede do PT em Curitiba, enquanto outros grupos bloquearam quatro rodovias no Rio Grande do Sul.
Em Mato Grosso do Sul, onde um índio foi morto na semana passada em confronto com a Polícia Federal, indígenas iniciaram uma marcha de 60 km para denunciar a tensão fundiária no Estado.
O estopim da reação é a decisão do Planalto de ampliar, até o fim do mês, o poder de órgãos ligados à agricultura na demarcação de terras indígenas, reduzindo o poder da Funai (Fundação Nacional do Índio) nesses processos.
A ideia é que laudos da Funai, usados para subsidiar o reconhecimento oficial de terras indígenas, sejam confrontados com informações de outros órgãos, como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o que atualmente não ocorre.
"É importante que a gente tenha o procedimento claro", afirmou ontem em Brasília a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, que já havia dito que a Funai "não tem capacidade" de mediar conflitos entre índios e ruralistas.
Porta-voz das medidas que deverão alterar toda a lógica das demarcações, Gleisi foi o alvo principal dos 30 caingangues que invadiram a sede do PT em Curitiba. Os índios associaram a ministra ao agronegócio num cartaz e só saíram após receber a promessa de uma reunião com ela em Brasília.
REAÇÃO EM CADEIA
Paraná e Rio Grande do Sul foram uma espécie de laboratório para as mudanças em discussão. Nas últimas semanas, o governo suspendeu por tempo indeterminado as demarcações de terras indígenas nos dois Estados, alegando que era preciso reavaliar estudos e diminuir tensões.
A reação veio com os protestos, coordenados pela Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul). "A fala da Gleisi piorou [a situação]. Já tinha alguns conflitos e se tornaram piores", disse o cacique Deoclides de Paula, de Faxinalzinho (RS).
Em carta divulgada ontem, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja Católica, disse que ruralistas e Dilma promovem um "ataque" contra os índios.
Em Mato Grosso do Sul, os terenas rasgaram decisão judicial que deu 48 horas para a Funai negociar a saída de representantes da etnia da fazenda Buriti, em Sidrolândia (a 72 km de Campo Grande), onde o índio Oziel Gabriel, 35, foi morto. A decisão acabou anulada pela Justiça Federal na noite de ontem.
Os terenas voltaram a invadir a área um dia após serem retirados na ação que resultou na morte do índio, na última quinta-feira. Segundo a Famasul, que representa os produtores rurais do Estado, 65 propriedades foram invadidas por índios na área.
Ruralistas do Estado irão a Brasília hoje pedir a deputados e senadores que encaminhem pedido à Presidência da República para que o Exército ou a Força Nacional impeçam novas invasões e garantam a reintegração de posse das áreas já ocupadas.
Governo apressa revisão de demarcações
Sob pressão, Casa Civil tenta implantar novo modelo para delimitação das terras indígenas até o final deste mês
Processos envolverão órgãos oficiais ligados à agricultura, afirma ministra; CNBB teme esvaziamento da Funai
DE BRASÍLIAO governo federal planeja estabelecer novo modelo de demarcação de terras indígenas até o fim deste mês.
Segundo a ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil), a meta é oficializar a participação de órgãos ligados à agricultura nas delimitações. Hoje, a prerrogativa legal para emitir laudos é da Funai (Fundação Nacional do Índio).
A decisão sobre o prazo ocorre quatro dias depois de um índio ter sido morto durante a reintegração de posse de uma fazenda no MS.
A atuação da Funai nas demarcações é criticada no Palácio do Planalto. Em audiência na Câmara, em maio, Gleisi afirmou que "a Funai não está preparada" e "não tem critérios claros para gestão de conflito" quando se trata de novas delimitações.
Ontem, a ministra disse que envolver os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário nas tratativas evitaria "judicialização" das concessões de terras, "como nós estamos tendo ultimamente". O objetivo do governo é que o Incra e a Embrapa também participem.
Gleisi negou, contudo, que esteja em curso processo de esvaziamento da Funai. Para ela, o órgão "tem, claro, a sua palavra no laudo antropológico", que, em suas palavras, "não vai ser desconsiderada de maneira nenhuma".
"Nós queremos apenas ter instrução de outros órgãos para que a gente possa basear as decisões. Porque a decisão de demarcações não é uma decisão só da Funai. Ela sobe para o ministro da Justiça e para a presidenta", disse.
Gleisi esteve ontem com o secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), dom Leonardo Steiner, para pedir ajuda no diálogo com os índios.
A ministra ouviu, porém, apelo da CNBB para que a Funai não seja esvaziada.
"Se nós buscamos outros elementos para ajudar no discernimento, contribuir, esperamos que os índios também sejam chamados", disse Steiner, após o encontro com a ministra-chefe da Casa Civil.
'PROBLEMA DE ESTADO'
Ontem, depois de participar em reunião no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) afirmou que a "questão indígena" será, a partir de agora, tratada como um problema de Estado, com atenção especial dos Poderes Executivo e Judiciário.
"A nossa ideia é estarmos juntos. Ministério da Justiça, Advocacia-Geral da União, Poder Judiciário e Ministério Público, para que possamos debater", disse Cardozo.
Nova reunião com líderes indígenas em Mato Grosso do Sul será convocada para quinta-feira, para tratar dos conflitos na região.
    Governador fez alerta à Casa Civil antes de conflito
    ANDREZA MATAISDE BRASÍLIAO governador André Puccinelli (PMDB-MS) enviou ofício à Casa Civil um dia antes da morte de um índio em Sidrolândia, no qual relata "clima de iminente conflito no campo" e alerta para o risco de "confrontos violentos".
    O documento cita Sidrolândia como um dos "focos de conflito" e aponta para um "cenário de insegurança jurídica" que se espalha por toda a região sul do Estado, bem como clima de "iminente conflito no campo".
    O governador sugere a "imediata paralisação de identificação e demarcação de terras" no Estado.
    Na quarta-feira passada, deputados federais, estaduais e senadores se reuniram com os ministros da Casa Civil, da Justiça, do Desenvolvimento Agrário e da Advocacia-Geral da União para fazer relato da situação.
    A Casa Civil informou que recebeu o ofício do governador "no fim da tarde" do dia 29 de maio e que, no dia seguinte, o encaminhou para o Ministério da Justiça com pedidos de providência.
    "Importante ressaltar que, independentemente de qualquer pedido, o governo já vem acompanhando todos os casos atentamente, inclusive o da Fazenda Buriti, em Sidrolândia, e buscando aprimorar os mecanismos que servem de base para as demarcações."

      Nenhum comentário:

      Postar um comentário