quarta-feira, 19 de junho de 2013

DIREITOS HUMANOS » Feliciano aprova 'cura gay'-Adriana Caitano‏

Depois de mais de um mês de tentativas, o deputado consegue passar na comissão projeto que autoriza psicólogos a "curar" pessoas em conflito com a própria homossexualidade 


Adriana Caitano

Estado de Minas: 19/06/2013 


Brasília – A menção — repetidas vezes — de seu nome como um dos alvos do protesto que culminou na ocupação do teto do Congresso Nacional na noite anterior não impediu o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara, Marco Feliciano (PSC-SP), de dar mais motivos para os que gostariam de vê-lo fora do cargo. Após mais de um mês de tentativas, foi aprovado ontem, sob comando do pastor, o projeto que legaliza a chamada “cura gay” em consultórios de psicologia. O texto teve apenas um voto contrário e só dois manifestantes acompanharam a sessão para protestar.

O projeto de decreto legislativo aprovado ontem suspende a validade de uma resolução de 1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que impede psicólogos de atenderem homossexuais na tentativa de “curá-los” de uma suposta “desordem psíquica”. O texto tramita na Casa desde 2011 e ainda vai passar pelas comissões de Seguridade Social e Família e de Constituição e Justiça antes de seguir para o Senado. Em 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças mentais. No entanto, o autor do texto, deputado João Campos (PSDB-GO), considera que essa orientação sexual pode ser revertida. “Essa resolução (do CFP) é uma ofensa, na medida em que tira a liberdade do cidadão homossexual que deseja buscar uma ajuda, uma orientação. Subtrair essa autonomia do cidadão é uma violência aos direitos humanos”, defende o tucano.

O incômodo de um só deputado, Simplício Araújo (MD-MA), foi suficiente para adiar a votação na CDH por um mês. O parlamentar usou artifícios regimentais para derrubar sessões, mas ontem o esforço não adiantou. Irritado, Araújo votou contra a proposta e retirou-se da reunião. “A Casa deve acordar para o que aconteceu ontem nas ruas, ao que está acontecendo neste país. Esta aqui é uma prova de que nós estamos muito longe de entender o que a sociedade realmente quer discutir aqui”, reclamou o deputado, chamando o projeto de eleitoreiro. Ele promete recorrer para anular a votação.

Todos os demais integrantes da comissão apoiaram o projeto. Ao fim da votação, Marco Feliciano justificou a medida: “As pessoas buscam um psicólogo porque estão com uma crise, uma angústia interior. O que as leva a isso é o que vai ser tratado à luz da pseudociência da psicologia.” Sobre o Conselho Federal de Psicologia, que adotou a orientação da OMS, Feliciano disse que é “o único conselho de psicologia no mundo que toma o direito do profissional de poder atuar”.

Patologia A conselheira do CFP Cynthia Ciarallo considerou a aprovação do texto um retrocesso e disse ser inconstitucional o Congresso deliberar sobre a resolução de um conselho profissional. “Não há impedimento de o profissional atender pessoas que busquem os serviços por conta da orientação (sexual). O que está impedido é o profissional entender essa demanda como uma patologia”, argumentou.

A ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, também criticou a aprovação do projeto. “Nós não reconhecemos legitimidade em estabelecer-se que a condição de diversidade sexual signifique uma doença. Ao contrário, a orientação sexual das pessoas significa uma identidade, que é um direito a ser preservado no Brasil”, afirmou. “Essa aprovação faz com que a gente fique temerosa, triste, parece que estamos retornando a uma era antiga”, completou a vice-presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Maria Guilhermina Cunha Salasário. (Colaboraram Juliana Braga e Grasielle Castro )

A vez da pena para heterofobia

Ao contrário do que se viu nas primeiras semanas após a eleição de Marco Feliciano para comandar a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, quando sessões foram canceladas por causa de barulhentos protestos contra o deputado pastor, apenas dois manifestantes acompanharam a sessão de ontem, quando o projeto da “cura gay” foi aprovado. Os estudantes Alice Vieira, de 17 anos, e Jeferson Oliveira, de 19 anos, seguravam cartazes com os dizeres: “Não há cura pra quem não está doente” e “O que precisa de cura é a homofobia”.

Há pelo menos um mês as dezenas de ativistas que costumavam travar os corredores da Câmara pela destituição de Feliciano não aparecem mais nas reuniões da CDHM. Na manifestação de anteontem na Esplanada dos Ministérios, porém, a frase “Fora Feliciano” foi repetida diversas vezes pelos cerca de 10 mil jovens que participaram do ato. Ontem, o pastor disse não ter conhecimento de que é um dos alvos da onda de protestos e não temer que a aprovação do projeto seja utilizada como bandeira nas novas passeatas. “É um direito deles, democracia é democracia”, se limitou a comentar.

Quando pautou o projeto da “cura gay” na CDH, no fim de abril, Feliciano incluiu na lista de votação outro texto polêmico, que poderá voltar a ser discutido nas próximas reuniões. A matéria propõe pena de cadeia de até três anos para quem discriminar heterossexuais. O texto, de autoria do líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), defende que, mesmo sendo maioria, os heterossexuais também são vítimas de preconceito. (AC)

Nenhum comentário:

Postar um comentário