quarta-feira, 19 de junho de 2013

Taleban aceita iniciar negociações de paz

folha de são paulo
Grupo fundamentalista islâmico baseado no Afeganistão diz que iniciará diálogo com EUA e o governo Karzai
Conversas se darão no Qatar, onde a organização, que já apoiou a rede Al Qaeda, manterá um escritório
DO "NEW YORK TIMES" EM CABUL
O Taleban disse ontem estar preparado para dar o primeiro passo rumo a negociações de paz com o governo afegão e os EUA, após 18 meses de impasse.
Representantes dos EUA anunciaram que vão se reunir com representantes do grupo no Qatar em breve para dar início ao processo.
Se as negociações engrenarem, será a primeira vez que os antagonistas na guerra do Afeganistão conversarão para encerrar o conflito, iniciado após o ingresso das forças americanas no país em 2001.
O anúncio veio no dia em que os EUA divulgaram que a responsabilidade pela segurança no país é agora totalmente do governo local.
Em discurso pela TV anunciando a abertura do escritório político do Taleban em Doha, Mohammed Naim, porta-voz do grupo, disse que os objetivos políticos e militares "estão limitados ao Afeganistão" e que o Taleban "não deseja mal a outros países".
Integrantes do governo Obama disseram que a declaração contém dois compromissos cruciais: o de que os insurgentes acreditam que o território afegão não seria usado para ameaçar outros países --uma referência indireta ao abrigo dado à Al Qaeda sob o regime do Taleban, antes dos ataques do 11 de Setembro; e o de que o movimento está em busca de uma solução pacífica para a guerra.
O presidente Barack Obama definiu o anúncio do Taleban como "um importante primeiro passo para a reconciliação".
Mas "é só um primeiro passo", disse, durante reunião com o presidente francês François Hollande na conferência do G8, na Irlanda do Norte. "Antecipamos que haverá muitos solavancos ao longo do caminho."
As primeiras reuniões provavelmente envolverão pouco mais que uma troca inicial de posições de negociação, disse um importante funcionário americano, acautelando contra expectativas de que as conversas ofereçam resultados substantivos em curto prazo.
Um grande obstáculo ao processo de paz vem sendo a recusa dos negociadores do Taleban a falar diretamente com o presidente afegão, Hamid Karzai.
Embora tenha sinalizado aceitar a abertura do escritório, Karzai disse repetidamente que o Afeganistão precisa liderar as negociações, implicando que nem os EUA e nem o Paquistão serão interlocutores. Ele também deseja que as negociações aconteçam no Afeganistão.

ANÁLISE AFEGANISTÃO
Grupo busca legitimidade como ator político
Imagem de mulás falando à mídia em sala climatizada, não em cavernas, explicita caminho trilhado por talebans
IGOR GIELOWDIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIAA cautela apresentada por Barack Obama ao comentar a abertura do escritório para negociações de paz do Taleban em Doha é necessária.
Para o grupo fundamentalista, o gosto de vitória é indiscutível. O paralelo com britânicos no século 19 e soviéticos no século 20 é irresistível, ainda que os contextos sejam muito diferentes: invasores de início triunfantes acabam abandonando o país após anos de resistência.
A imagem de mulás com turbantes negros falando para a mídia internacional numa sala climatizada, não em cavernas, diz muito sobre o caminho trilhado pelo grupo apeado do poder pelos EUA em 2001.
Embora nunca tenha sido parte da rede Al Qaeda, o fato de ter escondido suas lideranças na preparação dos ataques do 11 de Setembro selou o destino do Taleban.
Só que o grupo nunca desapareceu de fato, apenas transmutou-se em associações locais com outros "senhores da guerra", virando uma espécie de "franquia".
Com os custos abusivos da guerra, explicitados pela crise global a partir de 2008, o Ocidente começou a preparar sua retirada.
Desde então, o Taleban também se reestruturou para voltar como ator político central que é no país. O escritório não deixa de ser uma janela para o mundo que o legitima novamente.
Não se espera, contudo, uma volta ao fanatismo fundamentalista cego dos seus anos no poder: o Afeganistão está muito interligado a parceiros internacionais hoje.
A chave de tudo está na eleição para suceder Hamid Karzai, um interlocutor nunca confiável para americanos ou talebans, prevista para o ano que vem --coincidindo com a retirada oficial dos EUA e seus aliados.
Haverá tempo para o Taleban mostrar-se político o suficiente nas negociações, a ponto de cerrar fileiras com algum grupo no pleito?
No passado, os mulás mostraram-se mais propensos a ganhar tempo e a ocupar espaço por gravidade.
O fato de Cabul ser representada pelo Alto Conselho da Paz, um órgão consultivo enfraquecido, tem a vantagem de não gerar grandes animosidades. Mas o principal membro do conselho ligado ao Taleban foi morto no ano passado, o que não ajuda muito igualmente. As cartas do outro lado da mesa serão dos Estados Unidos.
Também falta definir o ânimo do novo governo paquistanês, de Nawaz Sharif, no processo: o país vizinho fomentou a ascensão do Taleban e ajudou na subsistência pós-2001, visando uma posição regional forte em sua disputa com a Índia.
Com essas e outras variáveis, é possível dizer que ontem foi um dia histórico na narrativa deste longo conflito. Mas só o tempo dirá se algo realmente promissor irá ocorrer, justificando a prudência de Obama.

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