segunda-feira, 3 de junho de 2013

Missão cumprida - Carlos Herculano Lopes‏

Ávido por boas histórias, o público prestigiou o Fórum das Letras, realizado durante quatro dias em Ouro Preto. A próxima edição do evento literário mineiro discutirá escritas em transe 


Carlos Herculano Lopes

Estado de Minas: 03/06/2013 


Na bela e fria manhã de domingo, choveram versos em Ouro Preto. Desde quinta-feira, leitores, autores e editores participaram da nona edição do Fórum das Letras, encerrada ontem. Das torres da Basílica de Nossa Senhora do Pilar caíram centenas de folhetos coloridos com versos do poeta mineiro Affonso Ávila (1928 – 2012), extraídos do livro Cantaria barroca (1975).
 
Organizada pelo escritor ouro-pretano Guilherme Mansur, a tempestade poética fez a alegria da criançada e encantou os adultos. “Que coisa linda! Vou levar meu papelzinho para casa”, comemorou a pequena Tainá, que mora em Mariana. A paulista Andreia Bizzuti, que visitava Ouro Preto pela primeira vez, já decidiu: no ano que vem, voltará à cidade. Ao lado do marido, que fotografava tudo, Andreia queria saber onde encontrar os livros de Affonso Ávila. É justamente este o objetivo do fórum mineiro: despertar o interesse das pessoas pela literatura.

Por quatro dias, a antiga capital de Minas Gerais ofereceu eventos gratuitos a moradores e turistas – vários deles ficaram lotados. Sábado, no Grêmio Literário Tristão de Ataíde, jornalistas contaram ao público alguns segredos da boa reportagem. Audálio Dantas, Danilo Venticinque e Ivan Marsiglia defenderam a presença das boas histórias em jornais, revistas, TVs e demais veículos de imprensa.

“Às vezes, podemos contar uma boa história com concisão, em poucas palavras, mas isso não quer dizer que não possamos escrever matérias extensas e que demandam tempo, como fiz ao longo da minha carreira”, disse o veterano Audálio Dantas, citando a reportagem que escreveu, há mais de 40 anos, sobre o Rio São Francisco. O jornalista percorreu todo o trajeto do Velho Chico – da nascente, na Serra da Canastra (MG), à foz, em Alagoas. “Alugamos um barco e até uma cozinha levamos”, lembrou.

Marsiglia, que aproveitou para autografar seu livro A poeira dos outros (Arquipélago), garante: ao contrário do que pode parecer, as pessoas querem, cada vez mais, ler boas histórias de não ficção. “Entretanto, por falta de espaço nos jornais, essas histórias têm se refugiado nos livros”, disse. O jornalista é autor de reportagem premiada, publicada em seu livro, sobre a casa em Petrópolis (RJ) onde a militante de esquerda Inês Etiene Romeu foi torturada durante vários dias por agentes da ditadura militar, no início década de 1970.

Outra palestra concorrida foi a do jornalista Mino Carta, no Cine Vila Rica, com mediação de Maurício Dias. Muito aplaudido ao chegar, Carta autografou o livro Brasil (Record) e falou sobre sua trajetória. Italiano, chegou ao país “menino de calças curtas” e testemunhou importantes momentos da história política do país.

Para o veterano repórter, o Brasil ainda padece das consequências da ditadura militar. Mino Carta advertiu: “Não foi só uma ditadura militar, mas também civil, pois teve amplo apoio das elites brasileiras, os chamados donos do poder.” Com a chegada do PT ao poder, muita coisa mudou para melhor no Brasil, na opinião dele. Para Mino, Lula conseguiu criar uma política internacional independente, “que tirou o país do quintal dos Estados Unidos”, e Dilma, apesar da crise, está conseguindo levar essa política adiante.

PREÇO O pequeno acesso do cidadão brasileiro ao livro foi tema de debate no Espaço Sesc, montado no anexo do Museu da Inconfidência. Os editores Ivan Pinheiro Machado (L&PM), Sílvia Leitão e Ivo Enoc (Record), com mediação de Sérgio França, discutiram as formas de baratear o produto. Para Machado, um dos caminhos é investir no formato de bolso. “Infelizmente, ainda há grande preconceito por parte da elite e da imprensa em relação a esse segmento”, lamentou.

Silvia Leitão argumentou: independentemente do formato, o que vem em primeiro lugar é o livro ser benfeito. “Uma boa produção, com texto integral e capa bem trabalhada, ajuda muito a despertar o interesse das pessoas pela leitura”, garante ela.

Outro bate-papo reuniu a agente literária Lúcia Riff e o romancista Flávio Carneiro, que conversaram com o público sobre o interesse dos estrangeiros em relação a escritores brasileiros. Representante de 70 autores, muitos deles com obras publicadas no exterior, Lúcia afirmou que a demanda atual se volta para clássicos nacionais e histórias exóticas. “De uns tempos para cá, estamos dando um grande azar. A crise econômica dificulta muito a venda de autores brasileiros na Europa”, lamentou.

2014 na mira

Coordenadora do Fórum das Letras, Guiomar de Grammont, professora da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e editora de autores nacionais da Editora Record, informou que a 10ª edição do evento terá o tema “Escritas em transe”. O evento já foi marcado para setembro de 2014. Para Guiomar, o fórum reforçou sua importância no calendário cultural brasileiro. O encerramento oficial foi marcado para quarta-feira, às 20h, com o espetáculo Recital à brasileira, com Elisa Lucinda e Geovana Pires, no Teatro de Bolso Júlio Mackenzie, no Sesc Palladium, em BH.


Nasce um talento

Carlos Herculano Lopes


Laura Novaes, de 15 anos, é aluna do Colégio Santo Agostinho, em Belo Horizonte. O Fórum das Letras, contou a adolescente, foi um grande acontecimento em sua vida. Desde pequena, ela sonha ser escritora, e o encontro ouro-pretano só veio reforçar essa convicção.

“Com uma história policial, já ganhei um concurso internacional promovido pela escritora americana Meg Cabot”, orgulha-se Laura, que circulava entre eventos do fórum com dois livros debaixo do braço, devidamente autografados: Longe de Manaus, de Francisco Viegas, e Ler o mundo, de Affonso Romano de Sant’Anna.

O casal Daniela Fonseca, jornalista, e Márcio Liberato, administrador de empresas, foi de Divinópolis para Ouro Preto com o objetivo de participar do fórum. “Estou aqui não só porque adoro literatura, mas para conseguir boas notícias para o meu blog. Apesar de terem vindo poucas estrelas a esta edição, com exceção de Adélia Prado, as discussões foram melhores do que as do ano passado”, garantiu Daniela. 


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