segunda-feira, 3 de junho de 2013

EDitoriais FolhaSp - Charge

folha de são paulo
Futebol tipo exportação
A transferência do jogador Neymar da Silva Santos Júnior para a Espanha reitera o padrão que caracterizou o futebol brasileiro por décadas. Clubes endividados, mal administrados e submetidos a torneios e calendário bizantinos, se desfazem de talentos que poderiam gerar ganhos capazes de elevar o esporte todo ao nível de excelência alcançado pelos jogadores.
O processo é análogo ao que se observa em economias subdesenvolvidas. Vende-se matéria-prima para ser transformada e ganhar valor em centros mais avançados.
É verdade que, no caso de Neymar, sua agremiação, o Santos, moveu esforços e usou de criatividade para alongar por tempo inusual a permanência do atleta no país. Criou-se um projeto financeiro, com o concurso de marcas e patrocinadores, para permitir que o principal jogador brasileiro seguisse no clube paulista até a Copa do Mundo de 2014.
Não foi, porém, o que aconteceu. Com apenas 21 anos, o craque da seleção brasileira tornou-se atleta do Barcelona. A tentativa dos dirigentes santistas, apesar de apenas parcialmente bem-sucedida, não deixa de ser um sinal de que algo se move para modificar o quadro atual. O momento, de fato, é propício.
Sede do próximo Mundial, o Brasil, com todos os atrasos e problemas, passa a contar com infraestrutura atualizada --estádios do melhor nível internacional-- para o futebol. Se a Copa, ao que tudo indica, vai falhar em parte considerável do legado urbanístico prometido, não há dúvida que deixará arenas de qualidade --uma das condições indispensáveis para a exploração econômica eficiente do fenômeno popular do futebol.
Além disso, o fato de estar no centro das atenções do mundo esportivo envolve o país num ambiente mais propício ao investimento e à modernização.
Alguns de nossos dirigentes têm demonstrado, ademais, que estão atentos às novas oportunidades que se oferecerão. O quadro, no entanto, ainda é marcado por anacronismos --a começar pela direção da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), na figura de seu atual presidente, José Maria Marin.
Os clubes obtiveram considerável aumento de receitas (de R$ 2,24 bilhões, em 2011, para R$ 3 bilhões, em 2012), mas continuam a depender em demasia da TV. Paralelamente, apenas os compromissos dos cinco maiores devedores atingem mais de R$ 2 bilhões.
A Copa representa uma oportunidade para subir de patamar. É cedo, porém, para saber se ganharemos esse jogo de profissionais.

    Tigres latinos
    Chile, Colômbia, México e Peru aprofundam integração comercial, enquanto Brasil marca passo com Argentina no emperrado Mercosul
    Causam apreensão os avanços na integração comercial de países da América Latina que não comungam de ideologias "bolivarianas". Enquanto isso, do lado de cá dos Andes, o Brasil perde tempo.
    Reunidos na Colômbia, os líderes de Chile, Colômbia, México e Peru reforçaram acordos de liberalização comercial. O grupo, que forma a Aliança para o Pacífico, decidiu pela isenção total de tarifas para 90% dos produtos comercializados entre si. Resta discutir detalhes, mas as novas regras devem vigorar a partir de 30 de junho.
    Não é pouca coisa. A Aliança soma 209 milhões de habitantes e PIB próximo de US$ 2 trilhões. Não fica longe, assim, do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela), que tem 279 milhões e PIB de US$ 3,3 trilhões.
    Se a Aliança avança para se tornar uma área de livre comércio, o Mercosul patina, tolhido pelo lastro de problemas econômicos dos protagonistas (Brasil e Argentina), além do caos venezuelano.
    Noticia-se que a Aliança pode também atrair novos países. Dois membros do próprio Mercosul --Paraguai e Uruguai-- são observadores. Além disso, o bloco se alinha naturalmente com a estratégia para o Pacífico lançada pelos EUA.
    É fato que o Brasil errou em sua estratégia comercial ao privilegiar o multilateralismo --que não teve avanços na última década, por conta da paralisia da Rodada Doha-- e negligenciar acordos regionais ou bilaterais de liberalização. Mas tais diretrizes não são excludentes. O problema principal do Brasil deriva da falta de visão estratégica e de barreiras ideológicas ao conceito de livre comércio.
    Na última década, o país permaneceu preso a uma visão antiquada e ineficaz de protecionismo, ainda pautada pela substituição de importações.
    O governo não se dá conta de que o comércio internacional --e a própria conquista da competitividade-- se pauta pela integração nas cadeias produtivas globais, para ganhar escala e incorporar tecnologia, nem de que a integração ocorre mais entre firmas, isto é, cada empresa com suas próprias redes. Isso pressupõe abertura tarifária e menos barreiras técnicas.
    Tal é a agenda perseguida pelos membros da Aliança, cujo avanço conta com o apoio entusiasmado de suas lideranças empresariais. É flagrante o contraste com o desânimo do setor privado brasileiro diante do Mercosul.
    Está mais que na hora de o Brasil reavaliar seu modelo de inserção global, hoje incompatível com sua dimensões e sua estrutura econômica diversificada. No entanto, como na política econômica, esse tipo de pensamento estratégico não parece vicejar no governo.

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