terça-feira, 11 de junho de 2013

Sabores e aromas de veneno e O FGTS é do trabalhador [tendências/debates]

folha de são paulo
ALDO PEREIRA
TENDÊNCIAS/DEBATES
Sabores e aromas de veneno
O governo distribui remédios gratuitos para diabetes e hipertensão. Quanto não pouparia com proteção contra rotulagem enganosa?
A canela que você polvilha sobre seu cappuccino contém cumarina, ingrediente básico de certo veneno para ratos. Não, não se precipite em jogar fora sua canela. Nem há risco de ela matar você como um rato nem você estaria contribuindo para reduzir a população deles no lixão.
Nos raticidas, sim, cumarina em alta dose atrai, apetece e mata o bicho. A propriedade anticoagulante da cumarina causa nele sangramentos internos fatais. Já médicos usam a mesma substância para prevenir e dissolver coágulos capazes de causar invalidez e morte por entupimento de veia. Questão de dose.
Questão que neste ponto se complica: qual seria o teor de cumarina na canela? Varia. Canela provém da casca de certas árvores. Nas da espécie "Cinnamomum cassia" (canela-da-china) pode haver dez vezes ou mais cumarina do que em "C. verum" (ou "C. zeylanicum", a "canela verdadeira"). Qual delas você consome?
Dificilmente será "C. verum", que no Brasil custaria umas cinco vezes mais do que "C. cassia". Mas como saber? A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não exige que rótulos indiquem a procedência taxonômica e geográfica do produto. Muito menos qual o seu teor de cumarina, reconhecível pelo "aroma de baunilha" em doces, sorvetes e também cosméticos vários. (Ela passa ao sangue absorvida pela pele. Questão de dose.)
Na rica Alemanha, prevalece "C. verum". Você pode compulsar os motivos dessa preferência neste relatório (em alemão) do acreditado Instituto Federal de Avaliação de Risco da Alemanha (BfR): http://www.bfr.bund.de/cm/343/neue-erkenntnisse-zu-cumarin-in-zimt.pdf.
O descaso das autoridades sanitárias do Brasil na regulamentação de rótulos vai muito além da marginal canela. Diabéticos deveriam moderar consumo de açúcar, hipertensos, o de sal. Mas, por exemplo, açúcar nos "refrigerantes" e sal nos pães são disfarçados, respectivamente, com expressões tipo "carboidratos" e "sódio".
De fato, sacarose (açúcar de mesa obtido da cana) é carboidrato. Isto é, sua estrutura química corresponde a certa combinação de carbono com água. Mas, de tão vagos, em certos contextos, os termos "açúcar" e "carboidrato" chegam a ser sinônimos. Até madeira e carapaça de siri são "açúcares" (no sentido de "carboidratos"). Toda essa ambiguidade sonega a você a informação que mais interessa: com o "refrigerante", você ingere umas dez colheres de chá de sacarose.
E que seria o misterioso "sódio"? Decerto o elemento que, combinado com cloro, dá cloreto de sódio, o sal de todos os mares e cozinhas. Em certo sentido, portanto, os rótulos não omitem o teor de sal do conteúdo. Mas sódio não é sinônimo daquilo que você entende por sal. Quantos consumidores estudaram química ou se lembram da que aprenderam na escola? Quantos diabéticos e hipertensos não sofrem de alguma deficiência visual que, própria da idade, dificulta a leitura nas letras miúdas que a Anvisa tolera nesses rótulos solertes?
O governo distribui medicamentos gratuitos para diabetes e hipertensão. Quanto não pouparia aí com proteção eficaz contra rotulagem enganosa e outras espertezas?
Brasileiro consome umas dez vezes mais sal do que precisa. Tal excesso agrava estatísticas de hipertensão, enfarte e derrame, encurta a vida útil do consumidor. Mas sal estende a vida útil de embutidos, queijos, margarina, congelados. Melhora vendas, aumenta lucro e, ah, segura o pibinho.
    ABRAM SZAJMAN
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    O FGTS é do trabalhador
    O FGTS é um dinheiro pago pelas empresas aos trabalhadores. Ele não serve para permitir gastos ineficazes do setor público
    Nas últimas décadas, o Brasil tem recebido intrigantes lições da história que, se bem assimiladas, seriam as alavancas que o lançariam aos níveis mais altos do desenvolvimento.
    Quando deixou de buscar soluções mágicas e procurou no mundo real as ferramentas adequadas para enfrentar suas dificuldades, conseguiu vencer a maior delas, a inflação, razão de todos os males econômicos e sociais por décadas e de reclamações ouvidas à exaustão.
    Com o feito, sepultou uma doença endêmica, vinda de erros estruturais de seu modelo de desenvolvimento. Assim, tirou da pobreza e da miséria milhões de pessoas, criou uma nova classe média, incorporando-as aos mercados de trabalho e de consumo, voltando a crescer.
    Mas, mesmo ainda em lua de mel com a jovem maturidade econômica, a má gestão dos gastos públicos e a complacente convivência com vícios do passado, como a indexação persistente, por exemplo, têm atiçado o tigre inflacionário.
    No momento, mais exatamente desde 27 de maio, uma nova oportunidade se apresenta para que, mediante o voto dos deputados, o país tome --como fez lá atrás, com o Plano Real-- uma atitude correta em favor do seu desenvolvimento. Ou, em outra hipótese, atenda aos interesses malsinados dos que preferem a vida mansa dos descomprometidos com as necessidades nacionais.
    Trata-se da votação, ou não, do projeto de lei complementar e outras propostas (PLP 200/2012) que extingue a multa adicional de 10% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS, nos casos de demissão sem justa causa --coisa que já deveria ter sido feita há muitos anos.
    A história é conhecida, mas vale a pena rememorá-la e constatar como decisões meritórias podem se tornar, com o tempo, verdadeiramente onerosas e indesejáveis.
    A contribuição foi criada em 2001 para cobrir o rombo decorrente de decisão judicial que obrigou o governo a compensar os expurgos do FGTS --ou seja, quando os índices reais de inflação não foram considerados na correção dos depósitos correspondentes aos planos Verão (1989, governo José Sarney) e Collor I (1990, Fernando Collor). A contribuição seria devida pelos empregadores até que as contas se ajustassem.
    O ajuste, que importou em cerca de R$ 55 bilhões, aconteceu já em 2006, com a última parcela do acordo firmado entre empregados e a Caixa Econômica Federal sendo paga em janeiro de 2007. Mas a "multa provisória", tal qual a CPMF, de triste memória, continuou a ser cobrada. Assim, não é de se estranhar que o patrimônio do fundo tenha crescido exponencialmente, e que as estimativas para 2015 são de superavit da ordem de R$ 20 bilhões.
    Esses números atestam, com propriedade, que o adicional de 10% não vai para o empregado --ao contrário do que muitos creem, ele foi além de seu objetivo precípuo. E é por essa razão que, desde 2006, as comissões técnicas tanto do Senado quanto da Câmara vêm aprovando, sistematicamente, a extinção da multa, embora, até agora, a matéria não tenha ido à votação.
    Não é difícil imaginar por que isto acontece. Trata-se de uma bolada de respeitáveis R$ 3 bilhões por ano, que vão diretamente para o cofre do governo para compensar parte de desequilíbrio orçamentário. Por causa disso, sua votação tem sido sistematicamente trancada.
    Afinal, por que abrir mão de um montante precioso para a composição do superavit primário? Seria desejável que todos entendessem que o FGTS é um dinheiro pago pelas empresas aos trabalhadores, pertencendo, pois, a estes, e não para permitir gastos ineficazes do setor público.
    Por acordo de lideranças partidárias, o tema voltou à pauta. Será votado? Acredito piamente que a votação dependa de nós, todos os brasileiros. Vamos exigi-la, para o nosso bem, como já fizemos anteriormente, reduzindo o peso do Estado sobre os nossos custos.

      Nenhum comentário:

      Postar um comentário