sexta-feira, 28 de junho de 2013

Sem censura, regime cairia em 1 dia, diz 'Assange chinês'

folha de são paulo
Conhecido por divulgar um esquema de corrupção do governo, jornalista Zhu Ruifeng diz que Snowden errou ao ir para Hong Kong
MARCELO NINIODE PEQUIMO local escolhido por Zhu Ruifeng para o encontro com a Folha no centro de Pequim, um café com mesas separadas por grossas cortinas, lembra o cenário de um filme de espionagem.
"Eu costumava marcar em outro lugar, mas o governo descobriu e passou a vigiar meus encontros", conta o jornalista independente.
Há poucos meses, Zhu, 43, virou celebridade na China --e uma pedra no sapato do governo-- após divulgar o vídeo de um chefão do Partido Comunista fazendo sexo com uma amante de 18 anos.
O vídeo --e outros divulgados na sequência-- acabou revelando um esquema de suborno na cidade de Chongqing (sul) e levaram à demissão de 12 autoridades.
A fama rendeu a Zhu várias visitas da polícia, bloqueios constantes de seu site e mais de um milhão de seguidores no popular microblog Weibo, versão chinesa do Twitter.
Alguns jornais estrangeiros chegaram a chamá-lo de "Julian Assange chinês", numa referência ao fundador do site WikiLeaks.
Zhu rejeita a comparação. "Sou apenas um jornalista. Talvez eu pareça diferente porque toda a imprensa serve de porta-voz do governo."
Ele vê com ironia o fato de o americano Edward Snowden ter buscado refúgio justamente em Hong Kong, território sob domínio da China, após revelar um programa secreto de espionagem do governo dos EUA.
"Para mim Snowden é um herói", diz Zhu. "Mas foi um erro ele achar que estaria protegido em Hong Kong."
Embora funcione sob forte restrição, a internet na China permite um fluxo de informação que seria impossível há alguns anos.
Com o auxílio de tecnologias capazes de driblar a censura, os "netizens" (cidadãos da rede, na expressão em inglês), como Zhu, tornaram-se uma alternativa à imprensa oficialista do país.
Para Zhu, a censura é medida de sobrevivência. "Se a internet e a imprensa fossem livres, o governo não duraria nem um dia", acredita. "Para ser franco, o Partido (Comunista) provavelmente seria destruído."
Para monitorar um universo de quase 560 milhões de internautas, o governo mobiliza um verdadeiro Exército. Só para vigiar o Weibo, a estimativa é de 4 mil censores.
Os usuários de internet criaram uma linguagem própria para evitar cair na vigilância do governo. Palavras sensíveis, que acionam o radar eletrônico da censura, são substituídas, diz o estudante de jornalismo e blogueiro Zhang Zhongdi, 23.
"Em vez de escrever 4 de junho (início dos protestos antigoverno na praça da Paz Celestial, em 1989), coloco 35 de maio. Jiang Zemin (ex-presidente) vira imperador aposentado", conta. "Aos poucos os truques vão sendo descobertos e criamos outros".
Mas há quem defenda o controle da internet. Li Hong, presidente da Associação de Controle de Armas e Desarmamento da China, acha que há um exagero nas críticas à censura. "Trata-se de uma nova mídia, e é preciso regulação para evitar o caos", diz. Para Li, o caso Snowden comprova que a China, frequentemente acusada pelos EUA de patrocinar ataques cibernéticos, é, na verdade, uma vítima da prática.
Com o controle restrito do Estado, quem ousa pular a muralha da censura sabe que corre riscos. Zhu diz não se importar: "Quarenta e nove funcionários corruptos foram punidos graças ao que fiz. Mesmo que me matem, minha vida já valeu a pena."

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário