sexta-feira, 12 de julho de 2013

Cidades pequenas mudam hábitos com vida digital

O GLOBO - 12/07/2013


Disseminação do acesso à internet altera até usos de praças e lan houses


FLÁVIO TABAK
flavio.tabak@oglobo.com.br


Os velhos carros de som de cidades pequenas,
que anunciam de shows à propaganda
da farmácia da esquina, estão
seriamente ameaçados. Com conexões
cada vez mais velozes e estáveis, moradores
não precisam mais deles para saber
das novidades. Mudaram seus hábitos.
A partir de dados da última Pesquisa
de Informações Básicas Municipais
(Munic), do IBGE, as cidades de
Carmo e Guapimirim, no Rio, mostram
bons exemplos desses novos tempos,
com o nascimento ou amadurecimento
da vida digital de cidadãos que, até
pouco tempo, viviam desconectados.

Os números do IBGE revelaram que,
de 1999 a 2012, subiu em 250% a proporção
de cidades que têm provedor de
internet. Hoje são 57,4% dos municípios,
fora os atendidos por empresas instaladas
nas vizinhanças. Grande parte
(80,7%) já tem lan houses (agora com
novos usos), e os serviços grátis de Wi-
Fi começam a se espalhar nos grotões.

Graças a uma empresa de Sumidouro
que resolveu fazer em Carmo seu projeto
piloto, quase todas as ruas da cidade
já têm fibra ótica disponível, com
conexão banda larga, algo que poucos
na cidade imaginariam num passado
recente do município de 17 mil habitantes,
a 200 km do Rio, na divisa com
Minas. Lá, nem o prefeito Odir Ribeiro
tem computador no gabinete. Ele diz
que é “caipira” e, por isso, não sabe mexer.
Mas a população está conectadíssima
e até entrou na onda dos protestos
de junho. Tudo combinado via Facebook.
Até a filha do prefeito participou.

Assim, conectada, Carmo convive bem
com o fato de não ter livraria. Afinal, sites
de grandes empresas entregam seus títulos
pelos Correios. Bancas de jornal, papelarias
e lojas de variedades comercializam
livros. Os dados do IBGE mostram
esse fenômeno: desde 1999, caiu em 29%
a proporção de municípios com livraria.
Esse comércio existe, atualmente, em
apenas 25,2% das cidades. O que não representa,
atestam moradores e o próprio
IBGE, que menos livros circulem.

— Quando preciso de livros para a faculdade,
uso emprestado ou compro
pela internet mesmo. Problema aqui,
de verdade, é a falta do que fazer — diz
a estudante de nutrição Fernanda Erbiste,
de 23 anos, que vive na cidade
mineira vizinha de Além Paraíba.

Outra mudança oculta nos números
do IBGE é a forma como os moradores
usam lan houses, que, até meados da década
passada, representavam um importante
e às vezes único ponto de acesso à
internet. Pela primeira vez, o IBGE perguntou
às prefeituras se havia lan house:
80,7% responderam “sim”. Mas, como as
conexões residenciais também melhoraram,
o uso mudou. Passou a ser, em alguns
casos, simples ponto de encontro.
O jovem Copérnico Abreu, de 25 anos, é
prova disso. Desempregado, frequenta
diariamente a única lan house da cidade
(as outras fecharam recentemente), a
Nitro Cyber Games. Mais do que acesso
à internet, ele quer encontrar os amigos.

— Procuro emprego de manhã e, como
não acho, venho direto para cá. Fazemos
campeonato de fliperama —
conta ele, que tem internet em casa.

No pé da Região Serrana, a 120 quilômetros
de Carmo, Guapimirim, de 52 mil
habitantes, se conecta de outra maneira.
É uma das 744 cidades brasileiras (13,3%)
que oferecem serviço de Wi-Fi gratuito
em local público. Outras 51 prefeituras do
país cobram pelo acesso. A novidade mudou
radicalmente o uso da Praça Paulo
Terra, no Centro, uma das três atendidas
pelo programa da prefeitura.

Durante o dia e principalmente à noite
— quando não chove, claro —, outras
luzes, que não a dos postes, iluminam a
praça. Os bancos são ocupados por
moradores com seus notebooks no colo
e tablets nas mãos. Bastante individualizado
nos grandes centros, o uso
da internet em Guapimirim se transforma
num evento social cotidiano. Na
manhã da última sexta-feira, a babá
Elaine Duarte, de 23 anos, usava seu tablet
enquanto cuidava de uma criança.
O sol brilhava forte no pé da Serra dos
Órgãos, e os tablets também.

— Trouxe hoje pela primeira vez. Geralmente
uso mais o Facebook — conta
a babá, com o aparelho nas mãos.

Gerente da IBGE, Vânia Maria Pacheco
ressalta que as redes Wi-Fi têm impacto
na autoestima dos moradores.

— A população, antes intimidada,
passa a se sentir parte do processo de
inclusão digital

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