sexta-feira, 12 de julho de 2013

Mudança da arrecadação de direitos autorais provoca "racha" entre compositores brasileiros-Eduardo Tristão Girão‏

Guerra na MPB 

Mudança da arrecadação de direitos autorais provoca "racha" entre compositores brasileiros
 



Eduardo Tristão Girão

Estado de Minas: 12/07/2013 

Na ressaca das manifestações registradas no Brasil, em que a ineficiência da gestão pública foi duramente atacada, veio um tsunami na MPB. Artistas se dividem em relação ao projeto aprovado pelo Congresso que recorre à ação do Estado para regulamentar a remuneração de direitos autorais no país.

A matéria aguarda sanção da presidente Dilma Rousseff. Se não for vetada, mudará a relação do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) com cantores, compositores e emissoras de rádio e TV. Ano passado, a entidade arrecadou R$ 625 milhões.

“Não sou contra o Ecad, ele é uma conquista nossa. Queremos transparência e fiscalização ferrenha. Não vamos voltar atrás”, resume a cantora e compositora Roberta Miranda. Autora do hit A majestade, o sabiá e de mais cerca de 200 canções, ela conta que recebe pouco mais de R$ 5 mil por mês em direitos autorais. “Um absurdo. Isso é baseado no quê? Nenhum de nós entende. Se A majestade... tivesse estourado fora do Brasil, estaria lindo, mas aqui não consigo sobreviver”, desabafa.

Ciente das críticas de colegas à ação de um órgão fiscalizador ligado ao governo federal para atuar junto ao Ecad – sociedade civil de natureza privada –, Roberta defende esse modelo. Ao lado dela estão medalhões como Caetano Veloso, Erasmo Carlos e Lenine. Do outro lado do front esbravejam, entre outros, compositores que não vivem de cachê, como Paulo César Pinheiro, autor do hit Canto das três raças.

“Quem faz show por R$ 150 mil não precisa de direito autoral. As sociedades musicais que compõem o Ecad são casas de cada um de nós. Se há problema, que seja discutido internamente e levado para a assembleia geral. Estão brigando no lugar errado. Não quero ser fiscalizado pelo Estado, quero distância dele. Há muitos inadimplentes, como rádios e TVs. O Ecad, muitas vezes, só consegue receber depois de anos na Justiça. Quando recebe, é por acordo e nunca o que é devido”, diz Pinheiro.

Michael Sullivan, que compôs Me dê motivo e Um dia de domingo, está a favor das mudanças e da fiscalização do Ecad, mas com ressalvas: “Esta lei não vai assegurar a vida e a herança dos autores. Essa briga não é a favor do compositor, mas de certos compositores e políticos. Não posso me sentir seguro com um projeto que deixa alguém dizer quando tocar minha música e quanto pagar por ela, enquanto sou apenas a parte que aceita. Gostaria de saber: qual foi o quórum representativo da classe de 200 mil autores que foi a Brasília a favor desse projeto?”.

Presidente da União Brasileira de Compositores (UBC), que integra o Ecad, o compositor Fernando Brant vê insconstitucionalidade na matéria aprovada. “O governo não tem cumprido sua função na educação, na saúde, no transporte, e o povo foi para as ruas. Como ele vai interferir no direito privado? Estão mexendo em cláusula pétrea. Vamos ao Supremo Tribunal Federal”, avisa.

Para o cantor e compositor Jorge Vercillo, o Ecad e as principais associações ligadas a ele ainda estão fechados para o debate. “Estamos completamente abertos ao diálogo construtivo para formar, juntos, uma nova lei de direito autoral. O Brasil é um dos quatro países que mantêm um sistema arcaico de arrecadação. O Ecad tem uma das taxas mais caras de administração do planeta, de 25%, enquanto a média mundial é de 15% a 16%. A nova proposta é para o bem de todos os autores, inclusive daqueles que há muito não recebem dinheiro algum por ter suas canções executadas fora dos horários desse sistema obsoleto de arrecadação por amostragem”, critica.

O compositor Sergio Santos aprova a substituição do sistema de amostragem pela relação completa de músicas utilizadas, mas desconfia da participação do governo. “Cabe a nós resolver os problemas do Ecad. Temos de entender a quem interessam as mudanças. Acho muito estranho não se mencionar os inadimplentes. Essa é uma briga entre quem deve e quem tem de receber. Está tudo muito nebuloso”, conclui.

AS BATALHAS

2010
» Encaminhado projeto à Casa Civil prevendo a fiscalização do Escritório Central de Arrecadação de Direitos (Ecad), formado por associações que reúnem intépretes e compositores. Rádios, TVs, organizadores de eventos e comerciantes que usam o trabalho dos artistas devem pagar ao Ecad.

2011
» A imprensa denuncia que cerca de R$ 127 mil foram pagos pelo Ecad a falsos autores. Empresas questionam na Justiça valores cobrados pelo Ecad – entre elas estão grupos de exibidores de cinema e a Rede Globo. Em junho, começa a funcionar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado para investigar o Ecad.

2012
» CPI do Ecad pede indiciamento de 15 pessoas por crimes de apropriação indébita de valores, formação de cartel e enriquecimento ilícito. A comissão dá origem ao Projeto de lei do Senado
129/2012, modificando o funcionamento do escritório.

» Ecad questiona o relatório da CPI, argumentando que parlamentares desconsideraram depoimentos técnicos apresentados pela entidade.

2013
» Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) multa o Ecad e outras associações em R$ 37,1 milhões pela prática de cartel e questiona os 25% cobrados pelo escritório para administrar direitos dos músicos. Ação partiu de associação que reúne TVs por assinatura, que contestou o valor cobrado pelo uso de músicas (2,55% da receita bruta). O Ecad recorre e alega que autores têm direito de cobrar o que consideram justo por seu trabalho. Também tramita no Superior Tribunal de Justiça ação da Rede Globo contra o Ecad.

» Em 17 de junho, artistas se reuniram para discutir o projeto 129/2012, em tramitação no Congresso. O mineiro Fernando Brant defende a fiscalização do Ecad por parte dos associados, mas questiona a interferência do Estado no funcionamento de entidades privadas como o Ecad. Os argumentos não foram considerados. Alegou-se que o escritório é uma caixa-preta.

» Em 3 de julho, Caetano Veloso, Lenine, Roberto Carlos e Fafá de Belém, entre outros, reuniram-se com a presidente Dilma Rousseff (foto) e parlamentares. Com estrelas da MPB em plenário, o projeto do Ecad foi aprovado pelo Senado. Ao chegar à Câmara, a matéria passaria por debate nas comissões. A pedido dos líderes, deputados aprovam a tramitação em regime de urgência.

» A proposta divide artistas. O compositor Lobão reconhece a falta de transparência do Ecad, mas critica a precipitação do encontro dos colegas com o governo. Lembra que abaixo-assinado com 14 mil nomes – entre eles Aldir Blanc, Beth Carvalho, Monarco e Nei Lopes – questiona as novas regras. Autores chamam a atenção para o fato de vários parlamentares serem donos de emissoras de rádio e TV e contrários ao pagamento de diretos autorais.

» Em 10 de julho, o projeto é aprovado e enviado à sanção da presidente Dilma Rousseff. Quando virar lei, o Ecad continuará a ser formado por associações de compositores e intérpretes, mas as entidades serão obrigadas a se credenciar junto ao Ministério da Cultura e provar sua aptidão para administrar direitos autorais. A definição do preço pela execução das obras será exclusiva dessas associações.

» Emissoras de rádio e TV terão que tornar pública a relação completa das obras utilizadas. Litígios entre emissoras e o escritório de arrecadação poderão ser decididos pelo Ministério da Cultura

» A parcela destinada a titulares de direitos não poderá ser inferior a 75% dos valores arrecadados pelo escritório, descontadas as despesas de administração. A taxa de administração cobrada pelo Ecad não poderá ultrapassar 15%. O escritório terá quatro anos para se adaptar a essa modificação.

» O Ecad questiona critério “novo e subjetivo” de cobrança que será definido pelo Ministério da Cultura em regulamento próprio. A promulgação da lei e a instituição dessa norma, argumenta o órgão, causarão instabilidade no sistema de cobrança, afetando rendimentos dos autores.


Briga vai parar na Justiça

Eduardo Tristão Girão


Caso o Projeto do Ecad seja sancionado sem vetos pela presidente Dilma Roussef, o cenário não será dos melhores para os autores brasileiros. A opinião é da advogada e diretora-executiva da União Brasileira de Compositores (UBC), Marisa Gandelman, vice-presidente do conselho consultivo da Confederação Internacional de Sociedades de Autores e Compositores.

A advogada se diz surpresa com o fato de o projeto ter passado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania no Senado. Na opinião dela, o Poder Judiciário será o “último recurso” que resta aos compositores brasileiros. “O projeto fere a Constituição. Há um direito exclusivo do autor e agora aparece essa lei estabelecendo limitações conforme vontades de um órgão de fiscalização federal. Se a Justiça vai ouvir ou não, não sei. Estou descrente de tudo”, diz.

A redução da arrecadação de direitos autorais e a dificuldade de fiscalização serão alguns dos reflexos da nova legislação, prevê Marisa Gandelman. “Os políticos que escreveram essa lei pediram sugestões a artistas e à Rede Globo, mas não conhecem a atividade de gestão coletiva, complexa e onerosa. Vamos precisar trazer dinheiro indo para a rua atrás do pequeno usuário, cadastrando, fazendo cobrança. Seria uma distribuição muito fragmentada. No Brasil, a relação com radiodifusores não é boa, pois muitos desses veículos pertencem a parlamentares, péssimos pagadores de direitos autorais, além daquela empresa poderosa que não gosta de pagar”, adverte ela.

Marisa diz que não foi suficientemente discutido o imbróglio em torno de valores que emissoras de TV e rádio devem ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). “Nunca moveram uma palha para dizer que a renovação de concessões só poderia ser feita mediante pagamento dos direitos autorais devidos”, observa.

Responsabilidades
De acordo com a advogada, as formas de fiscalização à luz da nova lei podem reduzir a arrecadação do Ecad. Para ela, compositores “que não estão na mídia” receberão ainda menos dinheiro do que ganham hoje. “Artistas podem falar, mas não sei por que todos os autores não podem falar. Os políticos são irresponsáveis e não pararam para pensar no impacto que isso terá na vida de milhares de compositores. É uma vergonha”, dispara.

O aumento de arrecadação do Ecad na última década, exemplifica a advogada, deve-se mais a shows do que à radiodifusão. “Aliás, isso vem caindo graças aos altos custos do país”, observa. “Que haja fiscalização, mas que fiscalização? Nos Estados Unidos, por exemplo, vive-se 80% de radiodifusão. Ninguém vai para a rua cobrar nada. Não tenho nada contra a fiscalização, só acho que os próprios compositores podem resolver isso entre eles”, conclui.

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