quinta-feira, 25 de julho de 2013

Em feira no Rio, peregrinos se dividem entre fé e badalação e Igor Gielow

folha de são paulo
FOCO
DO RIO
Fé e agitação se misturam na feira vocacional na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão (zona norte). Estandes de ordens e comunidades católicas de diversos países oferecem aos peregrinos informações sobre sua atuação.
Mas os jovens que circulam por lá não se preocupam apenas com as vocações. "As brasileiras são muito bonitas", disse o norte-americano Samuel Mankan, 16. Ele e outros cinco amigos, alunos de um colégio jesuíta do Arizona (EUA), estão hospedados em uma paróquia em Niterói.
"Não beijamos nenhuma ainda. Até o final do dia, quem sabe, damos sorte", disse Charlie Kamps, 16. Questionados sobre se iriam a um dos 50 confessionários espalhados pela Quinta, eles responderam: "Primeiro o beijo, depois a confissão".
Pelo parque estão espalhadas tendas de música --uma para que as ordens se apresentem ao vivo, outra de música eletrônica católica.
Após assistir ao show de uma banda católica, um animado grupo de 40 peregrinos da Nicarágua cantava para uma rede de TV de seu país: "Aqui está a juventude do papa", repetiam para a câmera.
A estudante Tamara Cerda, 23, disse que, além do contato com pessoas interessantes, ela aprendeu nos estandes como é a vida de uma freira: "Tenho vontade [de ser freira], mas tenho dúvidas com relação ao dia a dia. Pude tirar algumas dúvidas aqui".
Duas freiras da Congregação das Irmãs de São João Batista distribuíam raspadinhas --os prêmios iam de uma garrafinha até a possibilidade de participar do curso para virar freira. Receberam 35 pedidos de peregrinas interessadas nessa possibilidade.
ANÁLISE - DISCURSO DO PAPA
Francisco aceita diálogo, mas reafirma ortodoxia
Pontífice pode promover nova rodada de adaptações da igreja ao mundo moderno, mas não romperá com dogmas
SE BERGOGLIO NÃO É RATZINGER, ISSO NÃO MUDA O FATO DE QUE ASCENDEU SOB A REAÇÃO CONSERVADORA
IGOR GIELOWDIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIAA crítica à legalização das drogas feita por Francisco pode ter enchido de tristeza corações "progressistas" brasileiros, que identificam no novidadeiro papa a possibilidade de ruptura com tudo o que consideram "careta" e ortodoxo na Igreja Católica.
Notar as aspas. O progresso e a modernidade para um pode ser a estagnação e a caretice para outro. Isso dito, o discurso de Francisco não deveria impressionar ninguém.
Em Buenos Aires, a questão das drogas sempre teve no cardeal Bergoglio um expoente do combate à liberalização. Assim como ele vociferou contra outras bandeiras comportamentais atuais, como o casamento gay ou a legalização do aborto.
Ao criticar um projeto de liberação de drogas leves na Argentina ano passado, ele usou o mesmo termo empregado ontem, "mercadores da morte", para se referir a traficantes. Na região, o Uruguai descriminalizou a maconha, mas o tema é debatido em vários países, como Brasil.
Francisco segue a doutrina católica vigente. João Paulo 2° sempre rejeitou a legalização. Em mensagem à ONU em 1992, também criticava os "mercadores" e, como seu sucessor ontem, disse que "na raiz deste mal está a perda de valores éticos e morais".
Sem fazer a defesa aberta da "guerra às drogas", alvo preferencial dos que argumentam pela legalização dos entorpecentes, Francisco cobra valores e educação, além de individualizar o drama do dependente químico.
Assim, se enfrenta natural resistência laica sobre a ética em questão, ele dá uma dimensão humana ao problema. E também não é uma posição quase indefensável, do ponto de vista de saúde pública, como a da condenação ao uso de preservativos.
A fala reafirmou algo que as viúvas da Teologia da Libertação parecem ter esquecido no meio do frenesi de mídia provocado por Francisco.
Se Bergoglio não é Joseph Ratzinger, e parece muito mais aberto ao diálogo, isso não muda o fato de que ele ascendeu na hierarquia já sob a reação conservadora às liberalidades inspiradas pelo espírito do Concílio Vaticano 2º --que flexibilizou normas da igreja entre 1962 e 1965.
É factível pensar numa nova rodada de adaptações ao mundo moderno com Francisco, como quando ele disse que ateus podem ser salvos se forem bons, e é esperada uma reforma na Cúria Romana.
Daí a crer numa ruptura com dogmas e conceitos cristalizados há uma distância.
Bento 16 vocalizou isso de forma hermética e algo antipática, mas um dos pontos do catolicismo (e de qualquer sistema tradicional de crenças) é apresentar-se como porto seguro às inconstâncias da vida secular. Francisco poderá até vir a surpreender além da forma e tocar em conteúdos, mas não é um padre de passeata. Nesse sentido, o papa é pop, "ma non troppo".

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