sábado, 20 de julho de 2013

Indulgência na rede social respeita preceitos religiosos? [tendências/debates]

folha de são paulo
RODRIGO COPPE CALDEIRA
TENDÊNCIAS/DEBATES
Indulgência na rede social respeita preceitos religiosos?
SIM
Os jovens de Francisco
A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) é uma criação do papa João Paulo 2º. Atento aos "sinais dos tempos", chave interpretativa para a Igreja Católica contemporânea, criou um evento, que, de dois em dois ou três em três anos, repete-se em algum lugar do mundo.
Assinaladas por partilhas e testemunhos de fé, atividades culturais, missas e catequeses, a JMJ é o momento em que a igreja vira seus olhos e ouvidos aos jovens, peça indispensável para a construção e manutenção das comunidades cristãs.
Quem são os jovens católicos brasileiros que ouvirão a voz do papa Francisco? Quais são seus questionamentos, dramas e esperanças? Se situamos esses jovens no arco temporal do início dos anos 1980 para cá, podemos afirmar que são nascidos num Brasil em transformação.
Perpassaram a crise das "grandes narrativas" e as incertezas de um sistema econômico contraditório, baseado no hiperconsumo estridente. Conheceram um Estado-nação em decadência, de identidades dilaceradas, no qual vige a sedução dos radicalismos. Vivem uma realidade em rede "full time". Convivem, enfim, com uma insegurança ontológica frente a uma sociedade cujo objetivo é a maximização do prazer, o bem-estar e o desempenho ótimo.
"Pari passu", observa-se a emergência de um "mercado de sentido", ao qual as religiões tradicionais, especialmente o catolicismo, se veem obrigadas a se adequar. Seus discursos devem responder aos desafios lançados pelo aprofundamento da destradicionalização da vida. O passado é compreendido como nada mais do que um museu de doutrinas e práticas fossilizadas.
Francisco, nos seus quatro meses de pontificado, apresentou ao mundo, com palavras e gestos, uma forma de pensar o "ser cristão" destacada dessa perspectiva cultural dominante, na qual os jovens estão mergulhados. Deixou a cadeira vazia num concerto preparado para ele, ambiente para "ver e ser visto".
Criticou os carros luxuosos do Vaticano, pediu que retirassem da Catedral Metropolitana de Buenos Aires uma estátua sua. Deseja simplicidade e equilíbrio num mundo de excessos, exclusão e marginalidade.
Se é preciso uma renovação da igreja romana a fim de que o Evangelho seja fermento no mundo --e com isso o papa concorda-- não será se ajoelhando às exigências imediatas das sensibilidades contemporâneas que se obterá tal resultado.
Isso não quer dizer que se deve deixar de fazer uso dos instrumentos mais modernos de comunicação. Ao contrário, possibilitar o recebimento de indulgência plenária àqueles impedidos de estarem fisicamente na JMJ, mas acompanham "com o coração" o seu desenrolar pela web demonstra a atenção de Francisco aos hábitos dos jovens que ele intenta atingir.
A JMJ é a oportunidade de Francisco encontrá-los, escutá-los e compreender as dinâmicas em que vivem, a fim de encontrar caminhos para construir pontes entre a igreja e a juventude. O papa parece observar esse que é o maior desafio da igreja ao permitir o acesso à indulgência pelas redes sociais.
O interesse dos jovens pelas várias dimensões da espiritualidade e da mística é uma constante. A busca de experiências totalizantes de sentido permanece como um dado antropológico. Temos sede de absoluto. Mas o abismo entre crença, pertença e prática, fruto de um longo processo histórico, é inegável entre os jovens e os não tão jovens do nosso país.
A frase "Jesus sim, igreja não", que ressoa por todos os cantos, pode ser considerada protótipo dessa geração sedenta por sentido, mas que não vê nas instituições religiosas um lugar de acolhimento para vivê-lo. Eis o nó górdio que Francisco começa a tentar desatar.
    EDSON LUIZ SAMPEL
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    Indulgência na rede social respeita preceitos religiosos?
    NÃO
    Um meio inidôneo
    O vocábulo indulgência vem do latim, "indulgere", que significa perdoar benignamente. Quando alguém comete um pecado grave, mortal (uma ação ou omissão contrária aos dez mandamentos), dois são os meios de restabelecimento da harmonia com Deus: a confissão sacramental, instituída por Jesus (Jo 20,23), ou então um ato de contrição perfeita por parte do pecador, com o propósito de se confessar a um padre tão logo quanto possível.
    Jesus, por intermédio do sacerdote-confessor, absolve o penitente arrependido. Desta feita, a culpa, elemento subjetivo, é totalmente remitida pelo sacramento. No entanto, a perpetração de um pecado mortal deixa sequelas, isto é, produz, de certo modo, uma perturbação da ordem universal.
    Assim, por um imperativo de justiça, é mister uma reparação que restaure os bens vulnerados pelo pecado. Conforme o Concílio de Trento, as penitências que nos impomos voluntariamente, bem como os males que nos sobrevêm e são aceitos com espírito cristão constituem meios de quitarmos esse débito com Deus. Sem embargo, se as boas obras forem insuficientes, Deus, na sua infinita bondade, faculta-nos uma purificação depois da morte, no estado de purgatório (2 Mc 12,42; 43-46).
    Eis, com efeito, a tradução do cânon 992 do código canônico: "Indulgência é a remissão diante de Deus da pena temporal devida pelos pecados já perdoados quanto à culpa, que o fiel, devidamente disposto e em certas e determinadas condições, alcança por meio da igreja, a qual, como dispensadora da redenção, distribui e aplica com autoridade, o tesouro da satisfação de Cristo e dos santos".
    Existem, portanto, certos atos indicados pela autoridade eclesiástica chamados de "obras indulgenciadas", que, se praticados nas condições exigidas, abrandam a purificação póstuma.
    No decreto da cúria romana, o santo padre estipula que as liturgias e os ritos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) correspondem a obras indulgenciadas e, portanto, sua prática pelos jovens no Rio de Janeiro proporciona-lhes a obtenção de indulgências. A participação pode se dar "per nova communicationum socialium instrumenta", ou seja, pelos novos meios de comunicação social.
    O Twitter, no entanto, me parece um meio inidôneo para se lucrar indulgências. A mencionada mídia, conhecida como o SMS da internet, expede no máximo 140 caracteres por vez, o que inviabilizaria, por exemplo, a transmissão de todas as partes de uma missa.
    Todavia, a principal objeção ao Twitter repousa no fato de que o usuário recebe concomitantemente diversas mensagens. Assim, o tuiteiro sintonizado no sermão do papa pode ser distraído por um recado de um amigo ou por uma postagem inadequada para a concentração piedosa que o momento requer.
    Essa engenhoca, tão aprazível aos jovens, é decerto utilíssima na evangelização, porquanto o papa envia ou tuíta a boa notícia do evangelho várias vezes por dia. Nada obstante, levando-se em conta as características próprias da recepção das indulgências, o Twitter se afigura um recurso perigoso.
    A propósito, dom Cláudio Celli, presidente do Pontifício Conselho de Comunicação Social, advertiu que indulgência não pode ser recebida com a mesma facilidade com que se obtém um café de máquina.

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