terça-feira, 9 de julho de 2013

Tendências e Debates

folha de são paulo
CARL MEACHAM
Brasil: a paixão pode esperar?
Acostumados com o Brasil como história de sucesso, os norte-americanos estão confusos. Parece que o país é vítima do próprio crescimento
Quando pensam no Brasil, os norte-americanos não costumam associá-lo a protestos. Futebol e Carnaval dominam. Imagine, portanto, a surpresa diante das imagens de manifestações maciças, algumas das quais violentas, realizadas no Brasil nos últimos 30 dias.
Os norte-americanos contemplaram chocados o desenrolar dos atos. Nos momentos mais intensos, viram policiais lançando armas nas fogueiras dos manifestantes e aderindo ao movimento e o vídeo de uma jovem pedindo a atenção dos norte-americanos às suas demandas.
A ampla dispersão dos protestos e a diversidade demográfica dos participantes despertaram a atenção dos norte-americanos para as preocupações dos brasileiros. Provaram ser muito mais amplas que apenas o custo do transporte público.
Tendo contemplado um Brasil alardeado como história de sucesso sul-americana, destinado a exibir suas realizações ao mundo em sua função de anfitrião das próximas Copa e Olimpíada, os norte-americanos estão confusos.
Hoje, o Brasil se parece mais com o Chile, cuja ascensão fiscal e econômica na década passada ocorreu à sombra de um movimento de protestos --e eles continuam, apesar de períodos de pausa.
O que o movimento de protestos chileno nos ensinou é que o crescimento não é uma panaceia para os problemas de um país. Embora o sucesso econômico de um Estado permita que seu governo enfrente desafios domésticos, esse mesmo sucesso intensifica as pressões para que líderes realizem bem seu trabalho.
No Brasil, essa pressão se traduziu em demanda por serviços de boa qualidade para todos. Como no Chile, o sucesso econômico despertou expectativas quanto à capacidade do governo para servir os cidadãos.
E porque o governo canalizou bilhões de dólares às instalações para a Copa do Mundo e a Olimpíada, a indignação pela lentidão do governo em usar esses recursos para melhorar as escolas e expandir seus programas sociais se multiplicou. Em certo sentido, portanto, o Brasil é vítima de seu sucesso.
Mesmo com a perda de ímpeto, porém, resta pouca dúvida de que os brasileiros continuarão a exigir que as necessidades expressas nesses protestos sejam atendidas.
Desde o início da mobilização, o índice de aprovação de Dilma caiu de 51% para 30%. Enquanto isso, um movimento no seio do PT pede o retorno de Lula --ainda que ele dificilmente possa ser visto como solução. E a despeito de seu esforço por promover mudanças em resposta à demanda dos manifestantes, a inquietação social tornou menos seguro o caminho de Dilma para um segundo mandato.
O jogo apaixonado da seleção contra a Espanha na final da Copa das Confederações serviu de símbolo à poderosa transformação no Brasil. Enquanto os jogadores cantavam entusiasticamente o hino nacional e corriam à beira do campo para abraçar a torcida a cada gol, o mundo pode ver um time orgulhosamente unido à torcida. A solidariedade era palpável.
O que Dilma sem dúvida sabe --e os manifestantes muitas vezes esquecem-- é que mudança política e social é inevitavelmente um processo gradual. Mas será que as demandas dos brasileiros podem esperar?
MAURÍCIO LOPES
O resgate da pequena produção
Grandes produtores adotam modelos de negócio para lidar com as imperfeições do mercado. É mais caro distribuir pequenos volumes
Estudos da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) com os dados do censo agrícola de 2006 não deixam dúvidas: pouco mais de 11% dos produtores rurais brasileiros amealham 87% do valor bruto da produção agrícola.
Recém-chegado ao grupo das potências agrícolas, em pouco tempo o Brasil criou enorme concentração de produção e de renda bruta. Semelhante à dos Estados Unidos, maior que a da Europa.
Tal concentração se deve à rapidez do processo de modernização agrícola, que não deu tempo aos pequenos de se adaptarem. A continuar dessa maneira, ao sabor da urgência do mercado, há a possibilidade de que a safra brasileira venha a ter como responsáveis pouco mais de 50 mil produtores.
Não é um cenário desejável. Seja à luz da justiça social, da segurança alimentar e até mesmo ante as concepções mais modernas de segurança nacional, é essencial que a produção de alimentos, fibras e energia esteja distribuída por um número bem maior de produtores. Isso exige a ação sinérgica do setor público e do setor privado.
Os grandes produtores conseguiram organizar modelos de negócios que os ajudaram a lidar com as imperfeições do mercado. É mais caro distribuir pequenos volumes de insumos ou coletar pequenos volumes de produção do que distribuir e coletar grandes volumes. Por isso, o pequeno produtor paga mais pelo insumo ou crédito e recebe menos por sua produção. Muitos pequenos não conseguiram escapar dessa lógica.
Terra, crédito e tecnologia são essenciais, mas o terceiro item hoje tem maior peso no sucesso dos empreendimentos. Afinal, tem o poder de aumentar o volume de produção. Os estudos mostram que, de cada R$ 100 de incremento na renda bruta agrícola, o uso de mais tecnologia explica R$ 68 e a posse da terra, apenas R$ 10. Os R$ 22 restantes são fruto de trabalho.
O crédito pode proporcionar mais terra, trabalho e tecnologia. Mas sem um arranjo negocial que lide bem com as imperfeições do mercado, tudo isso pode significar apenas mais despesas e dívidas. Mesmo entre os 11% que concentram a renda bruta, há 145 mil que vivem com as contas no vermelho. Também eles penam com as imperfeições do mercado.
É essa realidade que confere absoluta relevância e urgência à iniciativa do governo de criar uma agência nacional com o propósito de ampliar o acesso dos produtores à assistência técnica e extensão rural. A desigualdade de acesso impede o produtor de buscar meios de superar as dificuldades.
Muitos prefeitos procuram a Embrapa, imaginando que um centro de pesquisas em seu município resolverá o problema. O diagnóstico é incorreto. Não falta tecnologia. O que falta são condições de usar de forma eficiente as tecnologias já existentes de maneira a superar as limitações do mercado.
A agência anunciada pelo governo federal tem o desafio de emular a multiplicação de equipes de assistência técnica em todas as comunidades agrícolas, preparadas para ajudar os produtores a lidar com os problemas crônicos de administração da propriedade, de gestão da evolução tecnológica e de práticas de associativismo, em busca de escala de produção necessária para superar as imperfeições de mercado.
Esse esforço precisará ser amparado por políticas públicas específicas para lidar com os problemas dos custos de distribuição de insumos e coleta da pequena produção, incluindo-se a prática de subsídios, como se faz nos países avançados.
Abraçando o projeto do governo, os prefeitos têm a oportunidade de criar empregos para sua juventude rural e de alavancar a geração de renda no município, conforme já se comprovou em outros polos de desenvolvimento agrícola. Se alcançar dimensões nacionais, nutrido na verdadeira essência do pacto federativo, tal projeto tem chances reais de promover o resgate histórico da pequena produção no Brasil.

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário