quarta-feira, 14 de agosto de 2013

A voz do Supremo e Mais médicos não bastam [tendências/debates]

folha de são paulo
ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO
A voz do Supremo
A voz do Supremo é que será ouvida nas ruas, não o contrário. O povo sempre clama pela mais dura "justiça" --contra o outro, claro
"Para ser grande, sê inteiro. Nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes". (Fernando Pessoa)
O país volta as suas atenções para o julgamento do apelidado mensalão. Nos anúncios de TV, é como se fosse a continuação de uma novela. Parte da imprensa começa a criar um clima para as sessões midiáticas. Grupos discutem o tema atentos ao que dizem ser o "chamado das ruas".
Diante da comoção, nós, operadores do direito, perguntamos: É possível julgar um processo criminal com o olhar voltado para a chamada voz das ruas? É possível a interpretação da Constituição ser feita com os olhos fechados e os ouvidos abertos aos ecos populares?
A resposta é simplesmente não! Vendados os olhos, aguçam-se os ouvidos e, não raro, o volume das vozes perturba a compreensão, turba a isenção, fulmina a imparcialidade.
Seria um atentado ao Estado democrático de Direito. É estarrecedora a hipótese. Numa consulta popular, seriam aprovadas a pena de morte, a castração química, o direito à tortura. O povo sempre clama pela mais dura e pesada "justiça" --contra o outro, claro.
Os movimentos de rua são um alento e um alerta. Existe uma consciência cívica que se difunde pelo país. Essa é a beleza da democracia.
O que antes era uma apatia tornou-se uma arma de mudança. A fadiga não levou, felizmente, ao esgarçamento da consciência nacional. Antes a despertou.
O Congresso Nacional tem que ouvir a voz da rua. O Executivo, redirecionar a sua agenda. E o Judiciário há que tornar-se mais célere e mais aberto.
Não cabe, porém, a este Poder escrever a Constituição, mas interpretá-la. No processo penal, o Judiciário não pode rasgar as provas e julgar de acordo com a tal vontade popular, que não conhece o processo nem o que foi ou não provado nos autos. A população conhece os processos rumorosos a partir das lentes e páginas que os retratam. E que nem sempre são isentas.
O devido processo legal é o parâmetro que garante a todos a certeza de que não seremos injustiçados, nem nós nem nossos adversários.
Todo cidadão tem que ouvir e respeitar o sentimento que brota de maneira tão intensa da população. Uma sociedade mais justa, plúrima e igual é o sonho que acalenta os homens desde sempre.
O que se espera neste momento de reflexão é que cada Poder, cada grupo social, cada um de nós cumpra seu papel de sujeito e não de objeto do sistema. Há que se exigir, gritar, reivindicar, mas também há que se respeitar institutos que foram arduamente consolidados em nossa ainda tênue democracia, tais como o devido processo legal, a presunção de inocência, a ampla defesa, a não condenação no processo penal por responsabilidade objetiva.
O pior juiz é o covarde, aquele que não tem coragem de julgar de acordo com sua consciência. É o que cede às pressões e não honra a toga que veste.
Do Supremo Tribunal Federal, espera-se que se faça ouvir e tenha voz própria, pautada na análise isenta e justa dos casos, corporificada nas linhas e letras da sentença. Seja ela qual for, terá nosso respeito.
A voz do Supremo é que será ouvida nas ruas, não o contrário. Nesse julgamento, espera-se antes a isenção da toga, a responsabilidade de honrar as tradições da Corte e o compromisso com os princípios constitucionais e humanísticos do que a tal voz das ruas.
Essa voz, embora deva sempre nos levar à reflexão, não pode pautar nossas consciências nem subverter a verdade. Porque, quando ela se calar, o silêncio será insuportável. Que os donos das vozes, aqueles que se manifestam nas ruas, saibam que, como no caso do moleiro alemão, há juízes em Brasília.
    CIRO CORREIA E LUIS G. DA CUNHA SOARES
    Mais médicos não bastam
    A valorização da odontologia e das demais áreas da saúde é imprescindível para que haja melhora efetiva na assistência aos cidadãos
    Nos últimos dois anos, o Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (Crosp) recebeu 134 denúncias de suspeita de exercício ilegal da profissão na Grande São Paulo e 63 no interior.
    Relatório recente da Prefeitura de São Paulo demonstra que faltam 33% de profissionais de saúde bucal na rede municipal.
    Se na maior metrópole brasileira o descalabro é tamanho, podemos dimensionar que nas regiões mais carentes o caos esteja instaurado.
    Temos cobrado ações contundentes das autoridades para que os riscos à população não sejam negligenciados. Mas não basta reduzir nossas ações a apagar incêndios.
    A valorização da odontologia e das demais áreas da saúde é imprescindível, para que haja uma melhora efetiva na assistência aos cidadãos brasileiros.
    O cirurgião-dentista deve ter condições dignas de trabalho para prestar serviço no Sistema Único de Saúde, a começar por uma remuneração condizente com sua função.
    Há mais de duas décadas, o SUS implantou a Estratégia de Saúde da Família e o Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Ambos os programas trazem como referência de prática em saúde um modelo multidisciplinar que amplia o foco do cuidado e envolve diversos profissionais.
    É incontestável a dificuldade de consolidação do Sistema Único de Saúde. O subfinanciamento crônico, problemas na gestão dos parcos recursos públicos e a insuficiência do controle público resultam em obstáculos diários enfrentados pelo usuário e pelo profissional.
    As últimas propostas do governo federal para o setor da saúde geraram polêmica --particularmente, em torno do programa Mais Médicos. No entanto, dois aspectos fundamentais foram pouco valorizados nesse debate público: o papel do conjunto dos profissionais de saúde e o modelo de cuidado adotado no Sistema Único de Saúde.
    Falha capital do Mais Médicos é o olhar vesgo para a saúde. O sistema não é formado somente por profissionais de medicina. Ao reforçar o conceito de que saúde é sinônimo de acesso à assistência médica, reduz-se a questão e reforça-se o modelo hegemônico no país, que não atribui valor às práticas de promoção de saúde e prevenção de doenças.
    O bem-estar de um indivíduo é resultado do cuidado de todo o seu organismo. Inclui, por exemplo, a saúde bucal. Quando pensamos em políticas públicas, pouco se fala da falta de acesso ao atendimento odontológico, problema facilmente explicado pelas condições trabalhistas insatisfatórias oferecidas pelas três esferas de governo aos cirurgiões-dentistas.
    Muitas vezes, diante dessa dificuldade, a população acaba buscando o autoatendimento ou até é enganada por pessoas leigas que oferecem falsos serviços.
    É fundamental qualificar a saúde pública. Nossos representantes nos três Poderes têm de abrir diálogo com as entidades odontológicas e demais áreas da saúde.
    Juntos, podemos desenhar um projeto funcional capaz de promover o exercício digno das profissões da saúde e estabelecer os necessários investimentos estruturais.
    Não é com medidas paliativas que vamos mudar o Brasil.

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