quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Nos EUA, peças criadas por estilistas se espalham das vitrines para os museus

folha de são paulo
JOANA CUNHA
DE NOVA YORK
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Cenários que lembram as semanas de moda, iluminação baixa, som alto e manequins vestidos por estilistas aclamados compõem o clima das exposições que consolidam uma tendência entre museus norte-americanos.
Pelo menos 17 mostras com foco em roupas e acessórios estão em cartaz ou sendo montadas em instituições no país, segundo um levantamento feito pela Folha.

Sem nunca antes ter realizado uma grande exposição voltada para o assunto, o Seattle Art Museum aderiu à moda e registrou público 50% superior ao estimado em uma exibição inaugurada recentemente mostrando três décadas de influência fashion japonesa (e vários looks dos estilistas Rei Kawakubo e Yohji Yamamoto, é claro).

Moda de museu

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Reprodução
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John Galliano para inverno 2004/2005, que ilustra o livro da mostra do Metropolitan
Em Nova York, o museu Metropolitan vai abrir em novembro uma retrospectiva do designer de joias francês Joel A. Rosenthal, e isso logo depois da exposição "Punk: Chaos to Couture", que termina agora. Essa, sobre a influência do movimento punk nas passarelas, foi aberta em maio último sob forte expectativa de sucesso de público, característica que se repete na maior parte dos eventos, seja qual for o estilo exibido.
O repertório hippie de uma mostra apresentada no Museum of Fine Arts de Boston, que desde os anos 1960 despe seu acervo para eventos de moda, sinalizou que neste ano o assunto ganhou mais popularidade, segundo a curadora, Lauren Whitley: "'Hippie Chic' nos fez perceber um novo público não familiarizado com os eventos anteriores do museu", diz.
Algumas instituições, entretanto, negam que a escolha de temas relacionados à moda seja orientada pelo apelo à audiência.
"Moda é também um trabalho de arte e tem significados e representações culturais tão importantes quanto a pintura", responde um porta-voz do Norton Museum of Art, de West Palm Beach, instituição que vai abrir em janeiro sua mostra de joias.
Público de estilista é igual ao de Mona Lisa
Visitação da mostra sobre Alexander McQueen no Metropolitan ficou entre as dez maiores já registradas pela instituição
Até o museu de história natural de Chicago faz exposição 'fashion', com roupas de peles de foca e crocodilo
DE NOVA YORK
Um projeto montado no Metropolitan há dois anos mostrava a tendência dos museus de aumentarem seu público com temas frívolos.
Com 661,5 mil visitantes em três meses, a mostra sobre o estilista britânico Alexander McQueen (1969-2010) ficou entre as dez maiores visitações já registradas pela instituição, ao lado de "Treasures of Tutankhamun", a exposição mais popular do British Museum (1978), e "Mona Lisa" (1963). Os números da mostra sobre moda punk ainda não estão fechados.
"O sucesso de McQueen em 2011 e o interesse do público jovem pesaram sobre a nossa decisão de realizar o trabalho", explica Cara Egan, diretora do museu de Seattle.
"As pessoas se atraem porque moda faz parte da vida delas. Quando compramos, olhamos o material, o estilo e a forma", afirma Sarah Schleuning, curadora do High Museum of Art, de Atlanta, que abriu uma série com a meta de alcançar quatro mostras de joias até 2014.
Outra exposição do tipo está no Museum of Arts and Design de Nova York. O museu De Young, de San Francisco, também anunciou a sua para a próxima temporada.
No Jewish Museum, de Nova York, um coletivo de artistas reunirá costura, arquitetura e vídeo em setembro.
Mesmo instituições fora do circuito das artes seguiram a moda, como o Field Museum, de história natural, em Chicago, que trouxe modelos criados com peles de crocodilo ou foca. "Tem havido uma pesquisa mais apurada sobre a história e a antropologia do vestuário, diz Janet Hong, gestora das exibições.
O Museum of Chinese in America reconta até setembro como Anna Sui e Vera Wang, entre outros estilistas, participaram da ascensão de Nova York a uma das capitais da moda, enquanto a manufatura do vestuário avançava na China nos anos 1980. A mostra explora o glamour das mulheres de Xangai, a Paris do Leste, a serviço da sedução no início do século 20.

CRÍTICA
Mostras de moda têm sido usadas para ajudar na manutenção dos museus
FABIO CYPRIANOCRÍTICO DA FOLHA
Usar moda ou outros temas espetaculares para ampliar a visitação de museus não é um fenômeno recente. Seu marco inicial pode ser considerada a mostra "A Arte da Motocicleta", organizada, em 1998, no Museu Guggenheim de Nova York. Concebida pelo seu então diretor Thomas Krens, a exposição aumentou a visitação do museu em 45% acima do normal, alcançando 301 mil visitantes, um recorde até então.
Krens, aliás, foi uma figura central no reposicionamento com viés populista dos museus no final do século 20 e início do 21. Foi durante sua gestão, de 1988 a 2008, que o Guggenheim buscou abrir filiais pelo mundo, incluindo o Brasil, o que acabou não tendo sucesso.
Seu feito com maior repercussão foi a construção do Guggenheim em Bilbao, na Espanha, planejado por Frank Gehry. Marco arquitetônico que atrai turistas de todo o planeta, o museu tornou-se um caso exemplar do uso de um equipamento cultural para a requalificação de uma região.
Krens também explorou a moda como chamariz para o grande público com a mostra sobre o estilista italiano Giorgio Armani, organizada no Guggenheim, em 2000, alcançando 319 mil visitantes, superando, assim, as motocicletas. Não foi a primeira vez que um estilista teve retrospectiva em um museu de prestígio, já que, em 1983, o Metropolitan de Nova York (Met) abriu suas portas para Yves Saint Laurent.
Contudo, a exposição de Armani provocou grande polêmica quando se tornou público que Armani havia doado US$ 15 milhões à instituição. Críticos norte-americanos acusaram o museu de estar sendo alugado por um estilista que estava perdendo terreno para marcas como Gucci e Prada, além de questionarem se o próprio Armani merecia uma exposição em um museu.
E aí está, afinal, a questão essencial: Por que apresentar um estilista em museu?
Criadores radicais, que questionaram a linguagem da moda e transformaram a cultura não faltam, e aí sua presença no museu é compreensível. Um caso recente de sucesso de público e crítica foi a mostra dedicada a Alexander McQueen, "Savage Beauty", no Met, que em 2011 recebeu um público de 661 mil pessoas.
No entanto, frente à diminuição de recursos públicos e privados para grandes museus, a estratégia tem sido mesmo apelar. Exposições com caráter espetacular, é fato, ajudam na bilheteria e, portanto, na manutenção dos museus. Se isso for uma estratégia para manter a qualidade em outras mostras, elas até podem se justificar.

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