segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Gregorio Duvivier

folha de são paulo
Se eu morresse...
Aqui morreu Gregorio Duvivier, que fazia vídeos pra internet e escreveu um livro de poemas
Se eu atravessasse a rua agora, eu morria atropelado por aquele carro preto. Era bom que eu não precisava entregar o texto dessa semana. Mas ia ser um drama fodido.
O dono do carro preto ia ficar bem puto. Depois ia ficar bem mal. Depois ia ficar bem puto, de novo, porque o sinal tava aberto pra ele. E o carro preto ia ficar bem estraçalhado. Dei uma engordada que ia ser fatal pro carro preto. O dono do carro preto ia sair me xingando, só depois ia perceber que eu já morri.
Aí ele ia ficar mal de novo. As pessoas iam ficar putas com ele, porque ninguém fica puto com quem já morreu. Mas o sinal tava aberto pra mim, ele ia dizer. Talvez alguém me reconhecesse: esse cara faz uns vídeos pra internet. Talvez virasse uma comoção.
Folha ia publicar uma homenagem no lugar onde é a coluna, o Porta dos Fundos talvez lançasse um vídeo-homenagem, com meus melhores momentos editados, uma música emocionante. Fora que 27 anos é uma idade ótima pra morrer, tem um monte de gente legal que morreu com 27 anos e as pessoas iam me botar no meio dessa lista. Ia parecer que eu faço parte de um grupo: "Nós, que morremos com 27". Ia parecer que eu tinha levado uma vida muito mais maldita e muito mais interessante.
Talvez eu virasse nome de rua. A rua em que eu morri. A própria Marquês de São Vicente talvez passasse a se chamar rua Gregorio Duvivier, com a legenda: mártir dos atropelados. Se bem que o sinal tava vermelho pra mim. Nunca iam homenagear um cara que atravessou no sinal fechado. E a Marquês é uma rua muito grande.
Talvez valesse mais a pena eu ser atropelado numa rua menor. Na rua das Acácias, por exemplo, eu tinha mais chance. Aí sim, rolava meu nome. Ou não. Rua das Acácias é um nome bonito, os moradores iam preferir manter. E ninguém atropela ninguém por ali. As pessoas iam achar suspeito. Iam pensar: esse daí se jogou na frente do carro só pra virar nome de rua. Talvez aqui na Marquês seja mais fácil. Talvez aqui eu consiga emplacar um canteiro. Canteiro Gregorio Duvivier. Não. Canteiro não costuma ter nome.
Talvez, no máximo, uma plaquinha: aqui morreu Gregorio Duvivier, que fazia vídeos pra internet e escreveu um livro de poemas. Que ninguém leu. Não. Melhor não atravessar, não. Por enquanto, morrer não tá valendo muito a pena pra mim. Nota mental: fazer alguma coisa que preste. Puta que o pariu, tenho que entregar o texto dessa semana.

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