terça-feira, 6 de agosto de 2013

Japonesa faz arte de sua mania por bolas; exposição chega ao Brasil em outubro - Ligia Mesquita

folha de são paulo


 
LÍGIA MESQUITA
DE BUENOS AIRES
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Sobre a mesa com cartazes de mostras de Yayoi Kusama, um convite de 1968 se destaca. Nele, Kusama se diz "a moderna Alice" e chama a tomar chá no Central Park, junto à estátua da personagem de Lewis Carroll, "a avó dos hippies", que, "quando estava triste, foi a primeira a tomar pílulas para ficar para cima". "Estrelando: Eu, Kusama, louca enraivecida, e minha trupe de dançarinos nus".
A convocação para uma das várias performances que a artista japonesa realizou em Nova York nos anos 1960 está entre as mais de cem peças que integram Obsessão Infinita, em cartaz até 16/9 no Malba (Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires). Em um mês, a primeira grande retrospectiva de Kusama na América Latina contabilizou 70 mil visitantes.
No dia 12 de outubro, a exposição chega ao Brasil, na sede carioca do Centro Cultural Banco do Brasil. Em fevereiro de 2014, segue para o CCBB de Brasília e, em maio, para o Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo.

Yayoi Kusama

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Natacha Pisarenko/Associated Press
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Visitantes curtem sala com lâmpadas e espelhos, que faz parte da exposição Obsessão Infinita, em cartaz em Buenos Aires
Segundo um dos curadores da mostra, o canadense Philip Larratt-Smith, Kusama não era conhecida do público em geral na Argentina. "Sabia que seria popular, mas não a esse ponto. Por ser uma artista pop, é acessível a todas as idades, e o caráter lúdico faz a exposição ser divertida para todos", diz à Folha.
BOLINHAS NO ROSTO
Na entrada, o museu oferece uma cartela com adesivos de bolas coloridas. Logo os visitantes cobrem o rosto com os pontinhos coloridos --que servem, como se descobre ao final, para decorar o espaço em branco da instalação "Sala da Obliteração".
O nome da exposição remete à vida e à carreira de Kusama, que sofre de transtorno obsessivo compulsivo e escolheu viver em uma clínica psiquiátrica em Tóquio.
Na obra, a obsessão se manifesta na repetição de elementos, caso das bolas, em telas, vídeos, instalações e fotos, e das esculturas fálicas.
A retrospectiva também apresenta uma fase menos conhecida de Kusama, com pinturas de estilo clássico japonês, o "nihonga". Também estão lá os quadros monocromáticos da série "Redes Infinitas", que lhe dariam reconhecimento internacional.
Mas são as instalações que causam as maiores comoções --e filas. Em "Cheia do Brilho da Vida", lâmpadas se apagam e se acendem com cores diferentes num corredor escuro. Em "Campo de Falos", um jardim de esculturas com bolas vermelhas e brancas floresce num quarto espelhado.
Aos 83, Kusama segue produzindo, como atestam, ao fim do percurso, 36 telas pintadas entre 2012 e 2013. E quer mais. Em entrevista ao curador Larratt-Smith, diz que o que mais teme são "os críticos de arte e a imprensa mundial, que vêm me visitar e isso me priva do tempo para criar".

Sentimento de perda de identidade atrai público a obra de Kusama


 
FABIO CYPRIANO
CRÍTICO DA FOLHA
Em 2011, no Centro Pompidou (Paris) e Reina Sofia (Madri), em 2012 na Tate Modern (Londres) e no Whitney (Nova York), uma retrospectiva de Kusama levou milhares de visitantes a esses museus, extasiados especialmente com suas instalações. Testemunhei as filas e as reações favoráveis na edição espanhola da exposição.
Kusama conquistou o público por conta dos ambientes espelhados, que contêm pequenas lâmpadas coloridas ("Fireflies on the water" - Vagalumes sobre a água) ou espumas em formato fálico recobertas com bolas vermelhas, que podem ser manipuladas ("Infinity Mirror Room" - Sala do espelho infinito). Neles, o acumulo de objetos aliado à imensidão provocada pelos espelhos transporta o público a situações psicodélicas, que no caso da artista está relacionado às suas experiências de desordem psicológica. Hospitalizada várias vezes por conta dessas crises, na Nova York dos anos 60, ela descrevia os sentimentos que acompanhavam a internação como "dissolução e acumulação. Proliferação e fragmentação. O sentimento de destruição de mim mesmo".
Pois o que, possivelmente, atrai e agrada o público é exatamente esse sentimento de perda de identidade que suas instalações propiciam, algo muito parecido a quando se observa um céu estrelado e brilhante, que, em geral, é acompanhado do sentimento da diminuta dimensão humana no universo.
Enquanto a arte contemporânea muitas vezes afasta o grande público, com dificuldade de compreender obras excessivamente discursivas, as instalações de Kusama lidam com os sentidos de forma completa, algo que o brasileiro Hélio Oiticica buscava em seus penetráveis como os da série "Cosmococas". Tanto em Oiticica como em Kusama e experiência dispensa explicações.
No caso da obra da artista japonesa, ela mesmo admite ainda um caráter terapêutico: "ao continuamente reproduzir as formas de coisas que me assustam, eu sou capaz de acabar com o medo. Eu faço uma pilha de esculturas de pênis maleáveis e me deito sobre eles. Isso transforma coisas aterradoras em engraçadas, algo divertido".
São obras como as de Kusama que mantém a atualidade da arte, em seu poder de surpreender e levar o espectador a novas experiências, independente de todo o embasamento intelectual que ela contenha.

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