domingo, 25 de agosto de 2013

Marcelo Leite

folha de são paulo

Simples monarcas


 
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Todos os anos, algo entre 60 milhões e 1 bilhão de borboletas monarcas (Danaus plexippus) migra de Ontário (Canadá), para Michoacán (México). Uma jornada de 3.500 km, que dura até dois meses. Podem ser necessárias quatro gerações para chegar ao destino final.
As monarcas deixam o Canadá no outono do hemisfério Norte, quando o frio aperta. Partem atrás de temperaturas mais estáveis, que não caiam abaixo de 0°C, no planalto central do México. Para recebê-las, e aos milhares de turistas que atraem, existe a Reserva da Biosfera Borboleta Monarca ("mariposa monarca", em espanhol).
Na primavera, elas fazem a viagem de volta. Alguns desses insetos, que pesam 1 g, foram rastreados. Descobriu-se que vários retornam para as mesmas árvores de que haviam partido seus antepassados.
Essa pequena maravilha da natureza serviu de mote para um bom romance sobre a mudança global do clima: "Flight Behavior" (comportamento de fuga, ou de voo), da americana Barbara Kingsolver --uma resenha sobre ela se encontra hoje no caderno "Ilustríssima".
Como tantas migrações periódicas (pássaros, baleias, tartarugas marinhas), a das monarcas intriga os humanos. Como é possível que seres tão menos aparelhados do que nós consigam ser tão precisos, tendo apenas o instinto por guia?
Por algum tempo, acreditou-se que as monarcas tinham uma espécie de mapa gravado nos genes (embora ninguém tenha sido capaz de imaginar como se pode inscrever um mapa numa sequência de DNA). Bastaria seguir os grandes marcos da paisagem nele registrados para orientar o voo e achar o rumo certo.
Parece que a coisa é bem mais simples. Henrik Mouritsen, um dinamarquês que faz pesquisa na Universidade de Oldenburg (Alemanha), teve a ideia maliciosa de deslocar um grupo de borboletas 2.500 km para oeste, de Ontário para Alberta, e depois soltá-las para voar.
Mouritsen verificou que as monarcas transferidas jamais alcançariam as montanhas de Michoacán. Elas não se davam ao trabalho de fazer ajustes na longa rota. Simplesmente continuavam a voar para o sudoeste, como se o México tivesse sido transferido 2.500 km para oeste, como elas.
Tudo indica que a única programação inscrita em seus minúsculos sistemas nervosos manda rumar para o sudoeste quando começa a fazer frio. O resto fica por conta de um funil geográfico, concluiu o dinamarquês em artigo na revista "PNAS". Sua teoria é tão elegante quanto a navegação lepidóptera.
"É bem esperto: as borboletas não gostam de voar sobre água ou sobre montanhas", explica Mouritsen. "Isso quer dizer que, enquanto sua direção estiver correta --isto é, sudoeste no outono-- elas vão seguir ou a Costa Leste dos EUA ou as Montanhas Rochosas [a oeste] até atingir seu destino invernal nas montanhas Transmexicanas, que atravessam todo o México."
Para dar apoio empírico à explicação, Mouritsen precisava provar que as monarcas voam sempre para sudoeste no outono. Buscou a ajuda do canadense Barrie Frost, da Universidade Queens, que inventou um simulador de voo sob medida para as monarcas.
Sim, elas voam só para sudoeste.
O leitor pode achar uma grande bobagem essa história de ficar medindo voo de borboleta. Por sorte ainda há quem ache isso bonito.
marcelo leite
MARCELO LEITE é repórter especial da Folha, autor dos livros "Folha Explica Darwin" (Publifolha) e "Ciência - Use com Cuidado" (Unicamp). Escreve aos domingos.

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