domingo, 11 de agosto de 2013

Portugal vive sua maior crise demográfica - Patricia Campos Mello

folha de são paulo
Queda na taxa de fecundidade e emigração podem tirar cerca de 1 milhão de habitantes do país em 10 a 20 anos
'Primeira, segunda e terceira opção de nossos melhores alunos é emigrar', diz diretor de incubadora de Lisboa
PATRÍCIA CAMPOS MELLOENVIADA ESPECIAL A LISBOAPortugal vive a crise demográfica mais grave de sua história. O país pode perder 1 milhão de habitantes em 10 a 20 anos --quase 10% de sua população de 10,6 milhões.
"É catastrófico", diz João Peixoto, professor da Universidade de Lisboa. "A crise demográfica em Portugal é muito grave, porque junta motivos estruturais, como a queda da taxa de fecundidade, e conjunturais, as emigrações por causa da crise."
Cerca de 100 mil portugueses emigram por ano desde 2010, segundo o governo.
São os mais qualificados e mais jovens que deixam o país. Gente como o economista Alexandre Abreu, 34, que vai trabalhar em Timor Leste por dois anos.
Ele fez faculdade e mestrado na Universidade de Lisboa e doutorado na Universidade de Londres, estudando migrações e a crise do euro. Grande parte dos seus estudos foi custeada por bolsas do governo português.
Há dois anos voltou da Inglaterra, mas não consegue emprego fixo em Portugal, porque as vagas foram congeladas no plano de austeridade. Com contrato de meio período, ganhava € 1.000 por mês (cerca de R$ 3.000).
"Tentei ficar, mas, com esse contexto de crise, não consegui. Fomos subsidiados pelo governo para atingir essa formação avançada e agora não há empregos aqui."
O declínio da natalidade é antigo na Europa, mas era parcialmente compensado pelos imigrantes, que têm número maior de filhos.
Portugal teve queda forte na taxa de fecundidade, hoje em 1,28 filho por mulher. E a crise demográfica do país é mais grave que a de outras nações europeias porque se alia à onda de emigração de mão de obra qualificada.
"A crise agravou a queda de fecundidade, porque, quanto maior a instabilidade na vida profissional, menor a vontade de ter filhos", diz o demógrafo Jorge Malheiros, da Universidade de Lisboa.
Os nascimentos vêm caindo. Foram 96.856 em 2011, 89.841 em 2012 e a estimativa para este ano é de 80 mil.
Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas, o número de mortes em Portugal foi 11.868 superior ao de nascimentos entre janeiro e abril deste ano. Associado às emigrações, o país encolhe a taxas aceleradas.
"Só não emigram mais portugueses porque outros países também estão em crise", diz o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário.
A maioria emigra para outros países da Europa, aproveitando-se do espaço Schengen. França, Reino Unido, Luxemburgo e Alemanha são os principais destinos.
Em 2012, calcula-se que Angola tenha recebido 30 mil portugueses, Moçambique, 5.000, e o Brasil, 2.171.
Além de Portugal, também Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Hungria e Romênia encolheram em 2011.
"A longo prazo, nenhum país consegue ter crescimento econômico forte com regressão demográfica; um país que perde população não tem dinamismo", diz Jorge Malheiros.
Segundo dados do Eurostat, Portugal tem a quarta maior porcentagem de população com 65 anos ou mais da UE ""19,4%. Perde apenas para Alemanha, Itália e Grécia.
"E os jovens são mais capazes de assumir riscos, de empreender, então, ao se perder jovens, perde-se capacidade de inovação no país", diz o demógrafo.
"A mobilidade de quadros é positiva, desde que eles voltem. Hoje não temos forma de atraí-los de volta", acrescenta José Cesário.
A taxa de desemprego de Portugal foi de 17,4% em junho. Mas entre os jovens (abaixo dos 25 anos) é bem mais grave --está em 41%.
"Portugal sempre foi um país de emigrantes --emigrar não dói, não aleija, e todos têm um emigrante na família", diz João Vasconcelos, diretor da Startup Lisboa, que reúne 40 empresas de alta tecnologia e estimula o empreendedorismo. "Mas agora é diferente: todos os melhores alunos, nossa elite, têm como primeira, segunda e terceira opção emigrar".
    Visto de trabalho a portugueses dobra no Brasil
    DA ENVIADA A LISBOAO número de portugueses que receberam visto de trabalho no Brasil aumentou 101% no primeiro trimestre deste ano em relação a igual período de 2012. Segundo o Ministério do Trabalho, foram 704 diante de 349 em 2012. Em 2010, foram 757 vistos; em 2011, 1.547; em 2012, 2.171.
    Mas, segundo autoridades dos dois países, o número de portugueses que chegam ao Brasil é bem maior do que os vistos concedidos, pois a maioria entra de forma irregular. A concessão de vistos é burocrática, e o processo chega a levar mais de seis meses.
    "A equivalência de diplomas de arquitetos e de engenheiros portugueses no Brasil, país que precisa muito desses profissionais para as suas obras de infraestrutura, evolui muito lentamente", conta o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário.
    "Visto de trabalho para o Brasil é muito difícil, burocrático, por isso alguns optam por outros países europeus ou por Angola e Moçambique", diz ele. (PCM)
      Apesar de iniciativas do governo, interior passa por 'desertificação'
      PATRÍCIA CAMPOS MELLODA ENVIADA A FELGAR (PORTUGAL)
      A última escola primária de Felgar, aldeia em Trás-os-Montes, fechou no início deste ano. Tinham sobrado só 12 alunos. Felgar, como o resto do interior do país, vive um processo de esvaziamento.
      A aldeia, cercada de oliveiras e amendoeiras, faz parte do município de Torre de Moncorvo, que tem 8.572 mil pessoas (Censo de 2011). Em 1960, eram 18 mil.
      Não se veem jovens nas ruas de pedra de Felgar. São quatro idosos com mais de 65 anos para cada jovem no município.
      Toda a família de Antonia Maria Salgado, 88, foi embora dali. "Só sobramos eu e minha prima Conceição", diz. Conceição tem 83 anos.
      Dois dos três filhos de Antonia morreram. Um não vive mais na aldeia. De seus netos, nenhum ficou em Felgar. Um foi para Angola e outra está na França.
      Felgar é um retrato da chamada desertificação do interior de Portugal. No interior, o número de municípios que perdeu população aumentou de 173 (entre 1991 e 2001) para 198 entre 2001 e 2011.
      Também aumentou o número de municípios com decréscimos populacionais superiores a 10% no interior.
      "Teremos cada vez mais aldeias vazias; isso resulta em um país muito desequilibrado", diz Jorge Malheiros.
      Na onda de emigração dos anos 60 e 70, os trasmontanos foram para Lisboa, Porto, França e Alemanha. Muitos agora se aposentaram e voltaram para as aldeias. Mas seus filhos, mais qualificados que a geração anterior, estão quase todos no exterior ou em cidades grandes.
      O governo fez iniciativas para repovoar o interior. "O turismo rural e a profissionalização da agricultura não foram suficientes para reverter o esvaziamento do interior, principalmente em algumas aldeias em Trás-os-Montes e no Alentejo", diz o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário.

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