segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Quem quer ser um milionário? - Leão Serva - Tendências/debates

folha de são paulo
LEÃO SERVA
Quem quer ser um milionário?
O empreendedor que oferecer alternativa aos pais que levam os filhos de carro à escola terá recompensa proporcional à demanda
Na década de 1950, diante do congestionamento causado pelos ônibus intermunicipais ao deixarem seus passageiros na avenida Ipiranga, o jovem empreendedor Octavio Frias de Oliveira (1912-2007) lembrou o ditado norte-americano: "If you want to make money, find a need and fill it" --se você quer fazer dinheiro, encontre uma demanda e atenda.
Ele respondeu à necessidade criando a rodoviária de São Paulo; ganhou dinheiro, comprou a Folha e fez história como seu publisher.
Pois atenção, empreendedores do século 21: a demanda está colocada. Seu nome é mobilidade urbana. Na nossa São Paulo, imensa e fraturada pelo próprio crescimento, o mês de agosto, ano a ano, mostra tudo: as crianças voltam às aulas, os congestionamentos crescem nas ruas.
É verdade que centenas de milhares de paulistanos já começam a fugir do carro para se livrar da armadilha diária dos congestionamentos. Os donos de automóvel que, de alguma forma, mudaram a forma de utilizar o veículo chegam a 57%, segundo pesquisa do instituto Ipespe feita para a edição 2013 do guia "Como Viver em São Paulo sem Carro".
Esse índice inclui os que mantêm o uso do automóvel no fim de semana e para ir ao trabalho utilizam transporte coletivo, bicicleta ou mesmo as solas dos sapatos. O ex-dependente do carro é "multimodal", para usar o termo apreciado por consultores de transporte.
Mas há uma demanda que segue intocada: a dos pais motorizados que levam seus filhos à porta da escola. São eles que, duas vezes por ano, em março e em agosto, fazem o trânsito da cidade aumentar até 40% em relação ao mês anterior. São milhões de carros cuja circulação se deve primordialmente à função de levar crianças à escola e buscar crianças na escola.
Já há empreendedores faturando com a mitigação dos efeitos do trânsito de São Paulo. Um criou uma moeda virtual e um site para facilitar a carona. Outro implantou o sistema de aluguel de bicicletas, patrocinado por um grande banco. Outro ainda implantou o compartilhamento de carros (ou seja, o aluguel dos veículos por hora). Em poucos anos, praticamente toda a frota de táxis da capital será acessível pela internet.
Recentemente, o criador do site Caronetas.com.br me disse que, enquanto o governo brasileiro insistir em subsidiar a indústria automobilística e o preço da gasolina, inflando os congestionamentos em todo o país, seu negócio com certeza seguirá prosperando.
Quem então vai achar a solução que substitua os carros dos pais e mães, garantindo segurança, acolhimento, pontualidade, enfim, a mesma qualidade (e quase o mesmo afeto) para o transporte dos pequenos?
Há experiências bem-sucedidas em outras grandes cidades do mundo. Em Tóquio, por exemplo, ajudar as crianças a chegar em segurança à escola é atribuição compartilhada por todos os cidadãos. Os Estados Unidos nos inundam de filmes em que os ônibus amarelos, cheios de estudantes de todas as idades, são coadjuvantes frequentes das tramas das sessões da tarde.
Atenção, empreendedor: a terceira metrópole do planeta tem uma demanda premente, procurando alguém que a atenda. A recompensa, seja financeira ou de outra natureza, tem tudo para ser proporcional. Alguém se habilita?
    SERGIO FAUSTO
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    A altivez não tem dono
    É preciso muita viseira ideológica para qualificar a política externa do governo Fernando Henrique Cardoso como "submissa e passiva"
    Em sua resposta ao artigo "Palpite infeliz", que publiquei neste espaço há duas semanas, Matias Spektor alertou-me para a disponibilidade de vídeos e textos referentes à conferência 2003-2013: Uma Nova Política Externa, organizada pela Prefeitura de São Bernardo e pela Universidade Federal do ABC, entre outras entidades. Fui ao site do evento para conferir o material.
    A visita confirmou a minha expectativa de que o tom e o espírito da conferência haviam sido fundamentalmente de celebração da assim chamada política externa "altiva e ativa", em que pesem a boa qualidade de algumas das contribuições e o objetivo, meritório, de pensar o futuro e propor novas formas de participação da sociedade na formulação da política externa.
    Aberto pelo prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, e encerrado pelo ex-presidente Lula, o evento contou com intervenções de ministros, dirigentes partidários e líderes sindicais ligados ao PT. Os especialistas que participaram são todos simpáticos à política externa dos últimos dez anos.
    Respeito a biografia e o trabalho de todos os ali presentes. E não teria objeção alguma ao fato de se reunirem para promover e aguçar uma certa visão sobre a política externa brasileira, não fosse a utilização de recursos públicos para esse fim. Isso não é novo nem é bom.
    Do que li, vi e ouvi, a sinfonia executada em São Bernardo reiterou, com poucas exceções e sem nenhuma nota realmente dissonante, o slogan autocongratulatório da política externa "altiva e ativa".
    O slogan supõe que a política externa que a antecedeu foi "submissa e passiva". É preciso muita viseira ideológica para assim qualificar a política externa do governo Fernando Henrique Cardoso.
    Esta buscou inserir o Brasil no sistema internacional e na economia global preservando o mais possível, nas circunstâncias internas e externas de então, o espaço de escolha autônoma do país. Vínhamos de um processo crescente de isolamento e desprestígio internacional nas duas décadas anteriores. Com o Plano Real, criaram-se as condições necessárias, embora insuficientes, para mudar esse quadro.
    A assinatura do acordo da dívida externa, em 1994, ainda no governo Itamar Franco, pôs fim a um capítulo aberto em 1982 e agravado em 1987, com a moratória.
    Com a aprovação da Lei de Propriedade Intelectual, em 1996, e a assinatura do Tratado de Não Proliferação Nuclear, em 1998, o Brasil aderiu a normas internacionais regulando essas duas cruciais matérias à paz e ao desenvolvimento.
    No primeiro caso, ao fazê-lo, não abdicou da prerrogativa de lutar pela quebra de patentes de medicamentos, quando em risco a saúde pública, como ficou demonstrado com êxito na abertura da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio, em 2001.
    No segundo, não abriu mão de seu direito a desenvolver um programa nuclear para fins pacíficos. Ao contrário, protegeu-o de suspeitas e pressões externas indevidas.
    Ao engajar-se no processo negociador da Alca, o Brasil impediu, já em 1997, que o eventual acordo pudesse ser implementado em fatias, como queriam os EUA, e estabeleceu com clareza, na Cúpula de Quebec, em 2001, quando nos aproximávamos da fase mais substantiva da negociação, as pré-condições para a adesão a um eventual acordo.
    Gelson Fonseca, diplomata e um dos nossos melhores pensadores na área de relações internacionais, cunhou as expressões "autonomia pela inserção" e "autonomia pela diversificação" para caracterizar, nas suas diferenças e continuidades, as políticas externas dos governos FHC e Lula, respectivamente.
    Uma eventual "nova política externa" poderá resultar do confronto intelectualmente honesto entre essas duas estratégias, devidamente considerados os novos ventos do mundo. Isso, infelizmente, não aconteceu em São Bernardo.

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