quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A energia que vem do milho‏

Pesquisadores americanos desenvolvem técnica que utiliza os talos e as cascas da planta para produzir biocombustível de forma mais barata 


Vilhena Soares

Estado de Minas: 04/09/2013



Plantação de milho: técnica desenvolvida pode ser aplicada também em outras culturas, como a da cana (Heinz-Peter Bader/Reuters - 7/8/13 )
Plantação de milho: técnica desenvolvida pode ser aplicada também em outras culturas, como a da cana

Alimento nutritivo e saboroso, presente na culinária de todo o mundo, o milho acaba de ter sua lista de benefícios à humanidade ampliada. Especialistas americanos utilizaram cascas e talos da planta para desenvolver um método mais barato de produzir biocombustível, mais especificamente o isobutanol. A conquista se soma aos esforços para encontrar fontes de energia que sirvam de alternativa ao petróleo e, ao mesmo tempo, não retirem recursos da alimentação.


Realizado por um grupo de pesquisadores das universidades da Califórnia e de Michigan, o estudo foi divulgado recentemente na revista científica Proceedings of the National Academy of Science (Pnas). Como em outras iniciativas do gênero, os cientistas buscavam uma forma de transformar a chamada biomassa lignocelulósica em um combustível pouco poluente. “A biomassa lignocelulósica é a parte não alimentar de plantas, como caules, folhas etc. Ela deverá ser a matéria-prima mais sustentável de combustíveis, porque é muito abundante, barata e pode ser adquirida sem competir com a produção de alimentos, por ser coletada”, afirma o bioengenheiro Jeremy Minty, um dos autores do artigo. 


O especialista está convencido do potencial desse tipo de material. “Só nos Estados Unidos, poderíamos produzir até 1 bilhão de toneladas de biomassa por ano. Isso seria suficiente para fabricar uma quantidade de biocombustível que reduziria em 30% ou mais nosso uso de petróleo atual”, destaca. Ele afirma que o uso do milho no estudo se deveu ao fato de os Estados Unidos serem um dos maiores produtores do grão no mundo, mas há possibilidade de utilizar outras espécies vegetais. “A nossa tecnologia poderia ser usada para produzir biocombustíveis a partir de vários tipos de biomassa lignocelulósica, incluindo o bagaço da cana-de-açúcar”, garante.


Redução de custos A grande novidade da pesquisa é a redução de etapas do processo de produção para tornar a fabricação mais barata. “A conversão de biomassa lignocelulósica em biocombustíveis requer vários passos biológicos, como produção de enzimas que promovem a degradação da biomassa em açúcares solúveis e a fermentação desses açúcares no produto desejado”, explica Minty. “A abordagem tradicional realiza esses passos em sequência, em biorreatores diferentes. Nossa metodologia consolida essas fases em um único biorreator”, completa.
Silvia Belém, pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), concorda que a união de etapas é o progresso mais importante alcançado pelo estudo. “Realizar essa quebra de açúcar é algo complicado. Os organismos que quebram a celulose são os fungos e as bactérias, mas eles precisam ficar em temperaturas diferentes. Os autores do estudo realizam esse processo com essas substâncias no mesmo recipiente, um processo muito complexo”, aponta.


Para unir os dois tipos de micro-organismos, os cientistas norte-americanos lançaram mão da engenharia genética. Eles modificaram a bactéria Escherichia coli para torná-la capaz de sobreviver no mesmo ambiente dos fungos e ajudar na quebra do açúcar. “Isso pode levar a uma substancial redução de custos em um processo em escala comercial”, avalia Minty. 


Aperfeiçoamentos Na opinião de Edmar das Mercês Penha, professor do ciclo profissional das engenharias da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), a pesquisa pode gerar impacto na indústria. “Num futuro próximo, um processo com tais conceitos pode ser viabilizado comercialmente, embora esse trabalho ainda não apresente um estudo de viabilidade técnico-econômica, e seria fundamental um parecer mais conclusivo”, diz.


O professor ressalta, contudo, que, para se tornar realidade, a técnica precisará passar por aperfeiçoamentos. Isso porque, apesar de ter reduzido a quantidade de etapas necessárias, a equipe norte-americana ainda não conseguiu obter uma boa quantidade de combustível. “Mesmo nesse sistema, a quantidade de isobutanol gerada no processo ainda pode ser considerada um pouco baixa (1,88g/L), frente ao que já foi obtido por outros modelos (3,5g/L). Ou seja, praticamente metade. Isso implica um elevado custo de produção face ao grande volume que seria necessário processar para satisfazer uma possível demanda”, analisa Penha. 


O objetivo dos autores do estudo é justamente aperfeiçoar o método, diz Minty: “Estamos buscando parceiros de comercialização para nos ajudar a trazer essa tecnologia para o mercado. Nosso trabalho fornece ferramentas e uma base útil para a compreensão e consórcios de engenharia em estudos futuros”. 

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