sábado, 7 de setembro de 2013

A rica Bahia de duas orquestras - JC Teixeira Gomes


A TARDE/BA - 07/09/2013



Para um articulista que se acostumou a fazer jornalismo de combate, a vida pública do Brasil é sempre um prato cheio: à minha disposição, por exemplo, estão aí mais uma vergonha do Congresso Nacional, preservando o mandato do deputado-prisioneiro Donadon, e o apagão da última semana.

Apesar da fartura de temas desagradáveis, prefiro hoje analisar o que considero uma surpresa em nossa vida cultural: a excelência dos programas de música clássica em Salvador com os padrões de qualidade revelados pelas orquestras do Neojibá e a Sinfônica da Bahia, respectivamente sob a responsabilidade do pianista-regente Ricardo Castro e do maestro Carlos Prazeres. À frente de músicos notavelmente competentes e talentosos, ambos estão mostrando que a Bahia reúne todas as condições para manter uma vida musical de excepcional depuração sinfônica, relevância artística e refinamento interpretativo. Há muito tempo que isto não acontecia em Salvador.


Há um público
emergente nas salas
de concerto que
precisa ser educado,
para evitar que
nossas magníficas
orquestras de hoje
continuem a sofrer
constrangimentos


Um leitor mais rigoroso poderá indagar-me: - “E que competência possui o jornalista para tais avaliações?”. Modestamente, responderei: a competência do “consentimento da orelha”, ou seja, o hábito de ouvir música
sinfônica nas maiores salas de concerto, em minhas inúmeras viagens, e de possuir uma das maiores discotecas do Brasil, hábito de colecionador obsessivo que herdei na prolongada convivência com meu mestre nessa matéria, o doutor Augusto Sampaio. É muito título. De raspão, devo explicar que a curiosa expressão “consentimento da orelha” foi criada por um historiador quinhentista português, para designar poetas e músicos que sabem ouvir e avaliar devidamente os sons. É baseado nessas prerrogativas que
devo repetir, e com enorme alegria: pelo magnífico trabalho de Ricardo Castro e Carlos Prazeres, a Bahia possui, hoje, duas orquestras sinfônicas de altíssimo nível, capazes de brilhar em qualquer grande centro musical.

Tendo acompanhado o trabalho da Neojibá desde os primeiros passos, não vejo a excelência dessa orquestra de jovens baianos como um milagre, mas sim como o coroamento de um trabalho sério, contínuo e obstinado de um devotado músico, o pianista Ricardo Castro. Poderia ele estar desenvolvendo vitoriosa carreira de intérprete internacional. Preferiu, ao contrário, ficar na Bahia para iniciar um trabalho pioneiro de preparação de adolescentes que se revelaram músicos de surpreendente categoria, longe dos estereótipos da vida musical baiana subjugada pela percussão ou pelo frenesi carnavalesco.

Quando ouvi essa meninada há poucos dias interpretando a 7ª sinfonia de Beethoven, obra de soberba arquitetura musical e dificílima execução, admiti, extasiado, que tinha sido preservada a tradição iniciada na década de 50 pelos Seminários Livres de Koellreutter, na Universidade da Bahia. A música está no sangue dos baianos! O doutor Hugo Maia, melômano egrégio, ouvindo a Neojibá, arrebatado, gritou- me: “Estamos em Berlim!” Bem, para quem não sabe, os alemães são os músicos mais competentes do mundo.

Quanto à Orquestra Sinfônica da Bahia, que vinha de uma fase de indefinição, ganhou novo impulso com a presença do maestro Carlos Prazeres. De regência elegante e batuta vigorosa, sua última interpretação do concerto para violino de Tchaikovsky, com o pianista norte-americano Gil Shahan, que encantou os baianos, permanecerá nos anais dos concertos sinfônicos da Bahia como uma das suas noites mais memoráveis. Não foi acaso ou exceção, pois muitos têm sido os concertos da Osba que empolgam.

Para terminar, apenas uma sugestão a Ricardo Castro e Carlos Prazeres: que iniciem uma pedagogia junto ao público baiano para que aprenda a aplaudir nas horas certas. É da tradição da música internacional que intérpretes e orquestras não sejam aplaudidos nos intervalos das peças, mas apenas no final das execuções, para não perderem a concentração. Podemos achar justa ou não essa prática, mas é universal e fora de discussões. Há um público emergente nas salas de concerto que precisa ser educado, para evitar que nossas magníficas orquestras de hoje continuem a sofrer constrangimentos.

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