sábado, 7 de setembro de 2013

Fernando Reinach

Novo órgão envolvido no controle da obesidade

Não entre em pânico. O novo órgão não é uma agência federal encarregada de monitorar seu peso ou controlar sua dieta. O novo órgão é sua microbiota. Um novo estudo demonstrou que o transplante de microbiota não só é possível, mas pode ajudar a controlar a obesidade.
Provavelmente você não sabia que tem um órgão chamado microbiota, mas isso não é motivo de vergonha. Faz pouco tempo que os cientistas passaram a acreditar que a coleção de microrganismos que habitam nosso intestino (a flora intestinal) pode ser considerada uma espécie de órgão, necessário para o bom funcionamento de nosso corpo.
Bilhões de microrganismos vivem no nosso intestino. São milhares de espécies distintas. A população de microrganismos que habitam nosso intestino é maior que o número de células que compõem nosso corpo. Durante muito tempo se acreditou que a flora intestinal era uma mera consequência da ingestão de alimentos contendo outros seres vivos. Acreditávamos que eles viviam em nosso intestino aproveitando os restos de alimentos, vez por outra provocando uma diarreia. Em meados do século 20, muitos consideravam a flora intestinal perniciosa e se submetiam a lavagens intestinais periódicas, para eliminar parte desses microrganismos, se mantendo "limpos" por dentro.
Nas últimas décadas, o verdadeiro papel desses microrganismos começou a ser compreendido. Foi descoberto que muitos deles degradam parte dos alimentos que ingerimos e produzem moléculas importantes que são absorvidas por nosso intestino, inclusive algumas vitaminas que nós próprios não somos capazes de produzir. Também se descobriu que a manutenção desses bichinhos é importante para nosso processo digestivo e que, quando nossa flora intestinal é alterada pela ingestão de antibióticos, é necessário repor a coleção. Surgiram produtos alimentares, como iogurtes, que contêm microrganismos que ajudam na reposição da flora intestinal, entre eles os famosos "lactobacilos vivos".
Com o desenvolvimento do sequenciamento de DNA, essa população de microrganismos pode ser estudada em detalhe. Hoje sabemos que a composição da microbiota varia entre populações, é parcialmente estável, pode ser influenciada pela dieta, e é diferente em pessoas magras e obesas.
Foi essa observação que levou os cientistas a suspeitar que talvez a composição da microbiota possa ser um dos fatores que determinam se uma pessoa é magra ou obesa. Mas como testar essa hipótese? O mais simples seria eliminar a flora intestinal de uma pessoa magra e recolonizar seu intestino com a microbiota de uma pessoa obesa. Usei recolonizar como um eufemismo para evitar dizer que o receptor teria de receber (eufemismo para ingerir) conteúdo intestinal (eufemismo para fezes) do doador. Um experimento no mínimo desagradável. A solução foi usar camundongos.
Foram identificados pares de pessoas gêmeas em que um membro do par era obeso e o outro, magro. Essas pessoas doaram amostras de suas fezes. Os microrganismos presentes nas fezes foram transferidos para camundongos geneticamente idênticos, criados em condições estéreis, e que, portanto, não possuíam microrganismos em seus intestinos. Após receberem os microrganismos, os dois grupos de camundongos foram mantidos com a mesma dieta. Para surpresa dos cientistas, os camundongos que receberam microrganismos de pessoas obesas se tornaram obesos e os que receberam amostras de pessoas magras permaneceram magros. Esse experimento simples demonstra que a microbiota de pessoas obesas é capaz de alterar de tal forma o metabolismo dos camundongos que eles se tornam obesos mesmo consumindo a mesma dieta.
Esse novo modelo experimental vai permitir um estudo detalhado do papel da microbiota na obesidade humana. Usando esse modelo, os cientistas já descobriram que, se colocarem camundongos gordos na mesma gaiola dos magros, os gordos emagrecem, pois, como eles comem as fezes um dos outros (são coprófagos), a microbiota dos magros é transmitida para os gordos, fazendo com que eles emagreçam. Já o caminho inverso não foi observado, a microbiota dos gordos não passa para os magros. Analisando quais microrganismos estavam presentes nas duas microbiotas, os cientistas identificaram 39 espécies que poderiam ser responsáveis pela obesidade. Mas, quando somente esse grupo foi inoculado, não foi possível tornar os camundongos obesos. Também foi descoberto que a dieta dos camundongos afeta o resultado dos experimentos. Uma dieta mais rica em fibra é necessária para que os camundongos obesos sejam colonizados pela microbiota dos camundongos magros.
A demonstração de que é possível transplantar microbiotas e que elas carregam parte determinante da obesidade humana abre um enorme campo de investigação. Nos próximos anos provavelmente serão isolados os microrganismos responsáveis pela obesidade e, talvez, no futuro tenhamos métodos capazes de regular nossa microbiota, reduzindo a incidência da obesidade.
Já imagino a receita: "Para Fernando Reinach, ingerir duas colheres de microrganismos emagrecedores ao dia, durante 10 dias". Prometo que vou tentar engolir o remédio me esforçando para esquecer a origem.   * MAIS INFORMAÇÕES: GUT MICROBIOTA FROM TWINS DISCORDANT FOR OBESITY MODULATES METABOLISM IN MICE. SCIENCE VOL 341 PAG. 1241214 2013

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