domingo, 29 de setembro de 2013

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Onde estavas em 1973?‏

Estado de Minas: 29/09/2013 



As pessoas se divertem perguntando: “Onde estava você em 1964, quando ocorreu a derrubada de Jango?”. (Estava em Belo Horizonte, atônito, na redação do Correio de Minas, dirigido por Fernando Gabeira.)

Outros, em reuniões sociais, se põem a lembrar: “O que você fazia quando os terroristas derrubaram o World Trade Center em 2001?”. (Estava num avião indo fazer uma palestra para jovens vestibulandos no Mato Grosso.)

Pessoas mais velhas se indagam: “Onde estava você quando mataram John Kennedy ou John Lennon? Uma vez, no romance A maçã no escuro, de Clarice, encontrei uma declaração surpreendente: um personagem diz que o dia mais importante de sua vida foi quando as tropas de Napoleão entraram em Paris. Como o personagem não havia nascido naquela época, é de se crer que a gente não precisa estar vivo para determinada data ter importância ou ter modificado a vida da gente. Por exemplo: eu não estava lá quando alguém inventou a roda ou Gutenberg a imprensa. E no entanto…

Vinha pensando nisso e no fato de que 1973 foi um ano muito significativo para mim e algumas pessoas. Vejam só: havia a guerrilha no Araguaia, Allende foi derrubado no Chile, a famigerada guerra do Vietnã chegou ao fim com a derrota americana, o World Trade Center foi erguido, fizeram conexão por um celular e foi aí que inventaram a ethernet (que eu nem sei o que é).

Para mim, foi o ano em que trouxe Michel Foucault para conferências na PUC, o ano das Expoesias (em várias cidades) e da publicação do Jornal de Poesia no Jornal do Brasil. Mas volta e meia, conversando com motoristas que me levam daqui para ali, me dou conta que eles nem existiam em 1973 ou quando coisas importantes aconteceram na história do Brasil. Por exemplo, me divirto contando aos motoristas de Brasília que eu estava ali em 1960, em Brasília, participando da festa da inauguração da cidade. O chofer, de cabelos brancos, me olha desconfiado…

Outro dia, porque havia visto esse filme sobre a vida de Elizabeth Bishop e Lota Macedo (Flores raras ), comecei a conversar com um motorista sobre a construção do Aterro do Flamengo (coisa da Lota) e sobre Carlos Lacerda. Ele não tinha a menor noção de quem era Carlos Lacerda. E, no entanto, Lacerda infernizou a nossa juventude e o país.

O fato é que num dia qualquer dos anos 1960 ia subindo a Rua Tupis, em Belo Horizonte, e vi estampado e aberto um exemplar da revista Life em espanhol. Havia uma reportagem sobre a Ilíada e a Odisseia de Homero. Uma espécie de súmula do que ocorria na epopeia e uma frase ficou cravada em mim para sempre. E era em espanhol: “Al pie de las hogueras acesas, mientras comiamos pan dulce y bebiamos vino no preguntávamos: que edad tenías tu mi querido amigo cuando vinieram los persas?”.

Outro dia (não sei por que, ou será que sei?), comecei uma conferência comemorativa dos 50 anos do histórico Congresso de Crítica e História Literária em Assis, São Paulo, com essa pergunta de Homero. E juntei outras questões pertinentes, como aquela canção dos anos 60 que indagava: “Where have all the flowers gone?”(Para onde foram aquelas flores ?). E, claro, a frase daquela canção dos negros americanos: “Onde estava você quando crucificaram my Lord?”.

Vocês estão vendo que uma pergunta leva à outra. E isto é uma sucessão de abismos. E, a propósito, dessa crucificação de Cristo, lembro-me que um pregador contava algo patético: um missionário, depois de ter convertido ao cristianismo o chefe de uma tribo africana, ouviu esta reprimenda: “Então esse Cristo morreu há 2 mil anos e só agora o senhor vem me contar?”.

Falei de 1973. Mas poderia falar de 1963 ou antes. Outro dia, disse a uns adolescentes que tinha 110 anos e eles acreditaram. E, para finalizar, lhes digo: me encontrei com as escritoras Vilma Areas e Elvira Vigna num seminário em Curitiba. E como elas falassem de suas idades, lembrei um fato verdadeiro: um amigo de 86 anos encontrou-se com outro de 96 e conversaram longamente. Ao final, o que tinha 96 disse: “Ah, que bom foi te encontrar! Até que enfim pude conversar com alguém sobre a década de 30…”.

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