sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Eduardo Almeida Reis - Síndicos‏

Há casos de edifícios nos quais nenhum condômino escapa: não há eleição, mas mandatos anuais rotativos


Eduardo Almeida Reis

Estado de Minas: 27/09/2013

Na revista Piauí, matéria sobre síndicos me deixou na mesma: continuo sem entender que alguém se candidate a síndico de um prédio somente pela isenção condominial, que muitas vezes oscila de R$ 150 a R$ 400. É vender-se por uma ninharia, salvo quando a bagunça é tão grande que pede intervenção de um abnegado. Há casos de edifícios nos quais nenhum condômino escapa: não há eleição, mas mandatos anuais rotativos. Ainda assim, o síndico da vez pode inventar qualquer desculpa e empurrar a chatura para o próximo. Em rigor, bom mesmo é o síndico profissional, que tem estrutura emocional e contábil para viver da administração de prédios alheios. No Rio de Janeiro da década de 1950 havia um assim, cavalheiro tão feio que levou o médico-legista Thales de Oliveira Dias a constatar: “Aquele sujeito não foi parido, foi obrado”. Acabo de descobrir que médico-legista tem hífen e de me lembrar da nota máxima que obtive no vestibular do Catete, prova oral, quando o professor Hélio Gomes perguntou se o sujeito, querendo, pode ficar maluco? Respondi que sim e vi que tinha dito uma besteira, diante da reação do mestre: “Ah é? Como?” Expliquei: 

“Comprando um carro velho”. Hélio Gomes soltou uma gargalhada, que atraiu o diretor da faculdade, que passava pelo corredor. A partir de então, falamos de tudo menos de medicina legal: tirei 10. No terreno dos síndicos tenho visto e sabido de casos espantosos, de gente que disputa o cargo aparentemente pela isenção condominial. Deve ter mutreta escondida. Não é possível que um sujeito lute por um cargo chatíssimo em troco de R$ 400 mensais – e há quem lute. De repente, sobra um agradinho da conservadora de elevadores, da empresa que limpa as caixas de água, da firma que pinta as fachadas do prédio. Só pode ser.


Escrever

Atribuída ao jornalista J. B. Oliveira, circula na internet uma lista com 20 dicas para escrever bem. Fui pesquisar no Google e descobri que J. B. Oliveira existe, escreve livros, preside a Sociedade Amigos da Cidade (de São Paulo), ministra cursos de oratória, de neurolinguística prática, faz palestras, é risonho vice-presidente de Assuntos Jurídicos do SINCMC, Sindicato dos Cerimonialistas e Mestres de Cerimônias, tem programas de rádio e pode ser acompanhado nas redes sociais. Penitencio-me de ter alcançado idade provecta sem conhecer o ilustre patrício. Até pesquisar no Google, só sabia da existência de J. B.


 Oliveira Sobrinho, o Boni da Rede Globo. Serão parentes? Estabelecido o fato de que o cavalheiro existe julgo desonesta a transcrição de suas 20 dicas, pelo seguinte: ao transcrevê-las, sevandijo J. B. Oliveira. E o substantivo sevandija, de dois gêneros, significa parasito, pessoa que vive à custa alheia. Sabandija, em castelhano, é pessoa desprezível, verme, réptil ou inseto imundo. Para não perder o trabalho que tive encaminhando o e-mail de um amigo e leitor com as 20 dicas de J. B. Oliveira, trabalho que consiste em remeter o e-mail recebido para outro endereço eletrônico, em que consigo copiar para colar aqui neste arquivo, limito-me à dica 12: “Não abuse das exclamações! Nunca!!! Jamais!!! Seu texto ficará intragável!!! Não se esqueça!!!”


Palavras

Roldão Simas Filho continua sendo o grande ombudsman da imprensa brasileira, sem limitar sua análise crítica aos jornais e revistas. No conto “O colocador de pronomes, de Monteiro Lobato, acho que publicado em 1924, Roldão pescou uma porção de palavras que talvez tivessem curso há 90 anos e hoje são ininteligíveis para todos nós. Da lista, ponho em itálico as palavras que conheço e entendi. Alcaçar, alfeites, apóstrofe, arreveso, avariose, bofé!, bordalenga, caraminholas, cartel (desafio?), chalaça, chatinar, chusma, cinca (erro), Colubrina, costaneiras, empós, escabichar, esfalfa, esfoguetear, esguelar, espapaçar, espúrcia, expungir, férula, filia-los-eis, flamivomos, gafaria, gálica, galicigrafo, garabulha, glicígrafos, gorja, ingranzéu, ingresia, lazeria, logratório, lucilação, maráus, mirífico, morrinha, moxinifada, paredro, patranha, pitecofonema, podriqueira, pronominuria, pronomorreia, rezingar, rezinguento, rumas (pilhas?), sarrafaçal, séca, sarrafaçal, sesquipedalice, severizar, soporosa, sordice, tarelo, Trabuco, vassuncê, vulgacho. Séca no sentido de maçada, chatice, é muito comum em Portugal. Cevado no Eça e noutros escritores lusitanos identifiquei o lexema. Acabei acertando honestamente 22 das 63 palavras, sem recorrer aos dicionários, porque vivo delas, mas estou com Roldão: atualmente, a esmagadora maioria é desconhecida. Na primeira leitura, entendi expungir, mas deixei passar sem itálico, mesmo tendo a quase certeza de que o verbo significa apagar, eliminar, livrar, como acabo de confirmar.


O mundo é uma bola
27 de setembro de 489: Odoacro ataca Teodorico na Batalha de Verona e volta a levar uma coça, sem que nos interesse saber quem foram Teodorico e Odoacro. Em 1066, Guilherme e seus exércitos partem da foz do Rio Somme na conquista normanda da Inglaterra. Com eles seguiram os conquistadores que se anglicizaram como Dayrell, séculos antes da vinda para o Brasil. Em 1480, a Inquisição começa a atuar em Sevilha, Espanha. Em 1540, autorizado pelo papa Paulo III, o basco Inácio de Loyola funda a ordem religiosa Companhia de Jesus. Em 1950, invenção da secretária-eletrônica. Em 1998, repito, há 15 aninhos, fundação do Google. Hoje é o Dia do Cantor, do Idoso, da Doação de Órgãos e das Festividades de Cosme e Damião.


Ruminanças

“O boteco é ressoante como uma concha marinha. Todas as vozes brasileiras passam por ele” (Nelson Rodrigues, 1912-1980).


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Síndico padrão FIFA - Renato Terra (Revista Piauí)

Sua reunião de condomínio nunca mais será a mesma

A denúncia veio pelo interfone: “Sérgio, meu vizinho está fumando maconha.” “Pois não. Pode me passar seu RG, dona Maria?”, respondeu o síndico. Diante da estupefação da moradora, justificou-se: “Para ligar para a Polícia Federal, tenho que identificar o autor da denúncia. Não vi nenhum consumo de drogas, não posso dar meu RG. Pode me passar o seu?”, insistiu. O caso foi deixado de lado.

Sérgio Craveiro citou esse exemplo para mostrar à plateia que os problemas pessoais dos moradores não devem ser assumidos pelo síndico. “Cansei de ficar sem dormir por causa de problemas que não eram meus”, prosseguiu. “Nesses casos, temos que ser apenas mediadores.”

Craveiro falava para uma audiência de dez pessoas reunidas numa sala comercial no Centro de São Paulo. Elas haviam desembolsado 650 reais para participar do Curso de Síndico Profissional e Administração de Condomínios. Tinham abdicado de um fim de semana em julho para assistir às aulas das oito da manhã às seis da tarde de sábado e domingo.

Mas era por um bom motivo. Assim que todos se acomodaram na sala de aula, após ganhar um bloquinho, uma caneta e um pacote de Club Social, o professor explicou que havia criado o curso para ensinar como ganhar dinheiro com o ofício de síndico. Um bom síndico profissional, prosseguiu, pode faturar até 9 mil reais por condomínio que administra – basta que cada morador contribua com uma taxa de 25 a 40 reais. Craveiro é atualmente síndico de onze condomínios.

 Na plateia, metade dos alunos já atuava como síndico e recebia apenas isenção da taxa condominial – que variava de 100 a 500 reais. “Eu apenas assino cheques”, brincou Paulo Henrique Corrêa, um analista autônomo do mercado financeiro. Como muitos ali, assumiu a função de síndico porque ninguém mais quis.
 
s principais problemas do síndico, ensinou Craveiro, podem se resumir na fórmula dos “quatro cês”: cachorro, cano, criança e carro. O segredo da gestão eficiente está na boa relação com o zelador e com a administradora terceirizada, que lida com contratos, notas fiscais e outras questões operacionais fora do condomínio.

Craveiro frisou a importância de todosconhecerem a convenção do condomínio e as leis federais que regulamentam a função do síndico. “Todo mundo que faz obra no apartamento, por exemplo, tem que ter o laudo de um engenheiro responsável, inclusive se for pintar a parede”, afirmou, para pasmo da audiência. “Mas ninguém faz isso”, protestou um aluno. “O prédio pode cair por causa de uma obra malfeita, e o síndico é responsabilizado civil e criminalmente”, ressaltou. “Se todo mundo colocar mármore no piso, acaba comprometendo a estrutura do prédio”, atestou Leandro Cabrelli, um jovem de 26 anos que veio de Ribeirão Preto especialmente para o curso.

O professor causou espécie quando contou que as reuniões de condomínio comandadas por ele – ou assembleias gerais ordinárias, como ele prefere chamar – duram no máximo quarenta minutos. E ensinou a receita da concisão: é preciso enviar com antecedência a todos os moradores um edital de convocação com os temas da pauta. “A cada reunião devem ser tratados no máximo quatro assuntos, e tópicos de fora da pauta devem ser barrados.”
 
érgio Craveiro tem 39 anos, sobrancelhas espessas e cabelos levemente grisalhos cortados bem rentes. Fala alto e é direto e pragmático, o que já lhe rendeu fama de grosseiro. Cita de cabeça uma penca de leis, códigos e procedimentos jurídicos de uso prático para os síndicos. “Quando um morador vem gritando, eu não respondo, espero que ele se acalme. Em seguida, pergunto se leu a convenção do condomínio. Eu não invento regra nenhuma, apenas sigo”, explicou. “Mas quando a pessoa fala baixo, chega a arrepiar. É nesses que vocês têm que prestar atenção.”

Aos 15 anos, por causa de uma briga com o pai, Craveiro decidiu correr atrás de independência financeira e foi trabalhar como office boy. Em 1992, aos 18 anos, numa reunião de condomínio, deparou-se com um dilema que definiria o rumo de sua vida: ninguém queria ser síndico. Seu pai pediu a palavra e lançou seu nome. Craveiro lembra a reação dos presentes: “Mas o Serginho? Ele é muito jovem!” Como ninguém mais se apresentasse, o rapaz começou a administrar seu primeiro prédio, recebendo três salários mínimos pela função. Nos meses seguintes, já acumulava a gestão de mais dois prédios vizinhos. Formou-se em administração de empresas e fez mestrado em Chicago.
Craveiro não é o síndico do prédio onde mora, em Santos, mas administra as despesas domésticas e adora conversar sobre questões condominiais em família. Suas filhas, de 8 e 6 anos, entendem do assunto e estão prestes a se tornar síndicas mirins. Ele atende telefonemas e responde a e-mails de manhã, de noite e de madrugada. “Mas se alguém me liga na hora da novela, dou uma desculpa”, confessou.

O celular de Craveiro não tocou nem uma vez sequer durante o curso. Quando alguém liga com algum pedido, ele pede que a solicitação seja encaminhada por escrito. “É sempre bom deixar tudo registrado. A pessoa que te pede ajuda hoje pode te processar lá na frente.” Fez uma pausa e completou com um bordão que repetiu várias vezes no fim de semana: “O mundo é mau.”  
  
Presidente da Confederação Nacional dos Síndicos, Craveiro briga pela regulamentação da profissão, ainda não reconhecida. Isso não impediu que ele conferisse aos alunos um diploma e uma carteirinha de síndico profissional. Quem levou um pen drive também voltou para casa com modelos de contratos, atas de reunião, respostas-padrão para e-mails indesejados e planilhas para calcular a folha de pagamento dos funcionários. O professor ficaria à disposição para resolver dúvidas dos alunos nos dois meses seguintes. E se alguém ligar depois disso? “Não tem problema”, disse, com um sorriso. “Minha vida é falar de condomínio.”

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