quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Artistas na berlinda - Ana Clara Brant

Artistas na berlinda 

Movimento a favor da censura a biografias publicadas no Brasil causa polêmica na Feira do Livro de Frankfurt. Laurentino Gomes critica a postura de Caetano Veloso e Chico Buarque



Ana Clara Brant

Estado de Minas: 10/10/2013 


Visitantes admiram totens instalados no pavilhão brasileiro na Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, que será encerrada no domingo (Daniel Roland/AFP)
Visitantes admiram totens instalados no pavilhão brasileiro na Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, que será encerrada no domingo

Frankfurt – A Feira do Livro de Frankfurt começou debaixo de muita polêmica envolvendo a censura no Brasil, o homenageado desta edição do evento literário. Ontem, um assunto fervilhava no pavilhão verde-amarelo: a articulação de artistas brasileiros para impedir a publicação de biografias não autorizadas no país.

O escritor e jornalista Laurentino Gomes, um dos palestrantes do dia, criticou severamente o grupo Procure Saber, comandado pela produtora Paula Lavigne, ex-mulher e empresária de Caetano Veloso. “Fiquei espantado em saber que artistas que admiro tanto e que sempre lutaram contra a ditadura, como Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil, são favoráveis à exigência de autorização prévia para a comercialização de livros. Achava que todos eles fossem a favor da liberdade de expressão. A coisa está tão séria que o Ruy Castro chegou a declarar que nem quer mais escrever biografias por conta disso”, afirmou Laurentino, autor da trilogia 1808, 1822 e 1889 – best-sellers sobre a história do Brasil.

O jornalista afirmou entender o direito dos biografados à privacidade e à intimidade, mas destacou que a riqueza da história depende da pluralidade de visões a respeito de personagens e acontecimentos. “Proibir a produção de biografias é engessar a história. Um país que incentiva a biografia chapa-branca está condenado a não se reconhecer no espelho do futuro”, resumiu.

Outro convidado da feira de Frankfurt é o mineiro Fernando Morais, autor de best-sellers sobre as trajetórias de Olga Benário, Paulo Coelho e de Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados. “Estou fazendo lobby para que não mudem a legislação. Tenho ligado para os deputados e senadores que conheço. Vida de personalidade pública é pública. Se você não quer ter sua intimidade exposta, então não se torne artista. A questão é simples, resolvida pelo Código Penal. Se publicar fatos mentirosas, aí sim, estarei cometendo infração penal”, reagiu Morais.

Familiares e herdeiros têm conseguido inviabilizar biografias de figuras importantes para a cultura brasileira, como Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Cecília Meireles e Lupicínio Rodrigues. Autores que se arriscam a escrever sobre eles recuam diante da ameaça de processo. O elogiado livro sobre Noel Rosa lançado por João Máximo e Carlos Didier, em 1990, não foi reeditado devido à ação de herdeiros do compositor. Em 2007, Roberto Carlos, parceiro do Procure Saber, foi vitorioso em ação judicial para impedir a venda de sua biografia, escrita por Paulo César Araújo.

Carta aberta Ontem, o americano Benjamin Moser, autor de elogiado livro sobre Clarice Lispector, veio a público criticar a postura de Caetano Veloso e de Paula Lavigne. A empresária defendeu também a remuneração para os biografados, acusando escritores de vasculhar a vida alheia por amor ao lucro. Em carta aberta ao compositor baiano, publicada no jornal Folha de S. Paulo, Moser escreveu: “Você já parou para pensar em quantas biografias o Brasil não tem? Só para falarmos da área literária, as biografias de Mário de Andrade, de João Guimarães Rosa, de Cecília Meirelles, cadê? Onde é que ficou Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre? Você nunca se perguntou por que nunca foram feitas?”.

De acordo com Moser, há leis contra a difamação no Brasil. “Um biógrafo, quando cita uma obra ainda com copyright, tem obrigação de pagar para tal uso. Não é diferente de você cantar uma música de Roberto Carlos. Essas proteções já existem, podem ser melhoradas, talvez. Mas estamos falando de uma coisa bem diferente da que você está defendendo”, escreveu.

De acordo com o biógrafo da autora de Laços de família, não se trata de discussão sobre dinheiro nem de fortunas amealhadas por biógrafos. “A questão é: que tipo de país você quer deixar para os seus filhos?. Minha biografia foi elogiosa, porque acredito na grandeza de Clarice. Mas liberdade de expressão não existe para proteger elogios”, advertiu Benjamin Moser, para concluir: “Não seja um velho coronel, Caetano. Volte para o lado do bem. Um abraçaço do seu amigo”.

A repórter viajou a convite do Governo de Minas


Nas malhas da lei

• A Constituição Federal considera livre e independente de censura a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. Por sua vez, o Código Civil brasileiro determina que a divulgação de escritos e o uso da imagem de alguém necessita de autorização prévia se atingir a honra do biografado ou se a destinação da obra for comercial. Considera também a vida privada inviolável, cabendo ao juiz impedir a ofensa.

• No Congresso, tramita o Projeto de Lei 393/11, do deputado Newton Lima (PT-SP), aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Ele altera o Código Civil e permite a publicação de filmes e livros biográficos sem a necessidade de aprovação da pessoa focalizada ou de seus herdeiros.

• Ação Direta de Inconstitucionalidade foi apresentada no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Associação Nacional de Editores de Livros (Anel) em defesa da liberdade de expressão e direito de informação.


Marta rebate Ruffato

Publicação: 10/10/2013 04:00
A ministra da Cultura, Marta Suplicy, declarou ontem que faltou o aspecto “literário e mágico” do Brasil à fala do mineiro Luiz Ruffato, que discursou para 2 mil pessoas na abertura da Feira do Livro de Frankfurt, na terça-feira. O escritor disse que o país é palco de genocídio, impunidade, intolerância e de alta taxa de analfabetismo. Segundo ele, a democracia racial brasileira foi feita com estupros.

“Faltou mostrar uma parte do país que transcende isso”, defendeu Marta Suplicy. “O Brasil hoje tem programas sociais extraordinários e o autor escolheu fazer uma reflexão por outro ângulo, o que lhe é de direito”, completou. “Tenho dois princípios. Não falo mal do meu país fora das fronteiras brasileiras. E não critico meus colegas”, reagiu Nélida Piñon, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, que está em Frankfurt.

Ruffato ganhou muitos aplausos da plateia, enquanto o vice-presidente da República, Michel Temer, foi vaiado ao discursar. Ontem, Marta minimizou a saia justa, afirmando que as “poucas” vaias a Temer partiram só de um grupo.

Outro bafafá repercutiu nos bastidores do pavilhão brasileiro. Manifesto de escritores, encabeçado por João Paulo Cuenca, Paulo Lins e Luiz Ruffatto em apoio à greve de professores no Rio de Janeiro, repudia a violência dos agentes de segurança e pede “amplo debate sobre a atuação da polícia no país”. Os autores colhem assinaturas e pretendem distribuir o documento no fim da Feira do Livro de Frankfurt.

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