quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Nobel contempla a química computacional‏

Nobel contempla a química computacional Cientistas desenvolveram programas capazes de simular reações complexas da vida real. Graças a eles, foi possível, por exemplo, desvendar a fotossíntese e criar remédios mais eficazes 

Rodrigo Craveiro

Estado de Minas: 10/10/2013



Segundo Martin Karplus, ele e seus colegas desmontaram as moléculas (Dominick Reuter/Reuters)
Segundo Martin Karplus, ele e seus colegas desmontaram as moléculas

As reações químicas ocorrem à velocidade da luz. Em frações de milissegundos, os elétrons pulam de um núcleo atômico para outro. Não fosse o trabalho do austro-americano Martin Karplus, do britânico-americano Michael Levitt e do israelense-americano Arieh Warshel, seria impossível mapear cada passo desse processo e potencializar o uso dele em benefício da humanidade. O trio de cientistas lançou os fundamentos para que poderosos softwares ajudassem na compreensão e na antecipação dessas reações. A Real Academia de Ciências da Suécia reconheceu o impacto desses estudos e lhes concedeu o Prêmio Nobel de Química. 

“Os modelos de computadores que espelham a vida real se tornaram cruciais para a maior parte dos avanços da química”, destacou a academia, por meio de um comunicado à imprensa. Os estudos dos laureados permitiram decifrar, por exemplo, a purificação de gases em catalisadores e a fotossíntese na natureza, mas também serviram de base para o desenvolvimento de drogas mais eficientes e para a otimização de painéis solares.  

Ao preverem reações químicas complexas, sofisticados programas de computador agilizaram o trabalho de engenheiros farmacêuticos e de químicos industriais. Karplus, Levitt e Warshel conseguiram aliar a física newtoniana (clássica) à física quântica — antes, era preciso escolher entre uma e outra. Se a física clássica possibilita cálculos mais simples e modela grandes moléculas, sua fraqueza está no fato de ela não permitir acompanhar as reações. Por sua vez, a física quântica demanda um enorme poder computacional, que somente pode ser feito em moléculas minúsculas. “Em simulações sobre como uma droga se acopla à proteína-alvo no corpo, o computador realiza os cálculos de teoria quântica sobre esses átomos. O restante da proteína é simulado pela física clássica”, explica o comunicado da academia.

Ainda de acordo com a instituição, no passado, os químicos criavam modelos de moléculas recorrendo a bolas de plástico e varetas. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, Levitt, 66 anos, admitiu que o Nobel foi possível graças ao avanço na área da computação (leia entrevista abaixo). “A força dos métodos que Martin Karplus, Michael Levitt e Arieh Warshel desenvolveram está no fato de eles serem universais”, observa a academia, que comparou a importância dos computadores ao tubo de proveta para a química. As pesquisas dos três foram determinantes para que Brian Kobilka, colega de Levitt na mesma faculdade, ganhasse o Nobel de Química em 2012 pela descoberta dos receptores acoplados às proteínas G — espécies de “fechaduras” que permitem a ação de hormônios e neurotransmissores sobre as células. “Foi um prêmio bem merecido”, assegurou Kobilka ao Estado de Minas, por e-mail. “No meu campo de pesquisa, os três tornaram possível simular o comportamento dinâmico dos receptores acoplados às proteínas G, gerar modelos homólogos precisos de receptores dos quais as estruturas de cristal são obtidas e realizar testes de drogas em sílica.”

“O que fizemos foi criar um método que requer um computador para pegar a estrutura de uma proteína e, eventualmente, entender como exatamente ela faz o que faz”, afirmou Warshel, 72 anos, especialista da University of Southern California. Aos 83 anos, Karplus — professor da Universidade de Estrasburgo (França) e da Universidade de Harvard (Cambridge, EUA) — recebeu um telefonema do Comitê Nobel às 5h30 (hora local) e brincou: “Você só recebe ligações às 5h quando é notícia ruim”. “Eu sabia que era um dos candidatos havia alguns anos”, acrescentou, antes de explicar seu estudo. “Se você gosta de como a máquina funciona, você a desmonta. Fizemos isso com moléculas”, disse. 

Paulo Anselmo Ziani Suarez, professor do Instituto de Química da Universidade de Brasília (UnB), explicou que o legado dos três laureados foi a redução no tempo de experimentos em laboratório. “O que eles fazem é a química teórica. Modelam no computador reações e interações entre uma droga e uma proteína, entre outras coisas. Isso ajuda a eliminar muita parte da validação experimental”, admite. Segundo ele, a adoção unicamente da mecânica quântica daria resultado exatos, mas seria impossível, por não existir uma capacidade computacional. “Eles inseriram na mecânica quântica simplificações usando a mecânica clássica e conseguiram fazer cálculos num tempo mais real”, concluiu.


Polêmica no campo da física

O Prêmio Nobel de Física, atribuído a dois cientistas pela formulação teórica do bóson de Higgs, deveria ter sido concedido ao Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), que confirmou a descoberta, declarou ontem um membro do júri. “Penso que (a decisão) foi errada”, indicou à agência France-Presse Anders Barany, membro da Real Academia de Ciências da Suécia, em referência à decisão anunciada anteontem. “Estes pesquisadores experimentais fizeram um fantástico trabalho e deveriam ser recompensados”, acrescentou. O britânico Peter Higgs e o belga François Engler ganharam o Prêmio Nobel de Física 2013 pelos trabalhos teóricos sobre a partícula elementar que explica a origem da massa. A confirmação da teoria foi feita pelo Grande Colisor de Hádrons, do Cern, em 4 de julho de 2012.

Entrevista/ Michael Levitt, Químico


‘A ciência é como ouvir música”

“Que maravilhoso!”, respondeu Michael Levitt, 66 anos, ao ser informado que a ligação partia do Brasil. O telefone tocou por volta das 3h15 (7h15 em Brasília) na residência do cientista, em Stanford (Califórnia). Do outro lado da linha, o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford ainda parecia incrédulo com a notícia recebida menos de uma hora antes: a de que acabava de ingressar no seleto grupo de 104 laureados com o Prêmio Nobel de Química desde 1901. “Eu estive na América do Sul uma única vez… É incrível receber um telefonema do Brasil”, afirmou. Em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, Levitt descreveu a emoção com a escolha de seu nome (“meu coração está batendo feito louco”), disse não esperar grandes mudanças na “vida muito boa” e creditou a honraria à evolução dos computadores. “As coisas eram inimaginavelmente difíceis 45 anos atrás”, lembra. De acordo com ele, os softwares modernos permitiram que as máquinas decifrassem processos químicos complexos e ajudassem na fabricação de medicamentos.

Que significado pessoal tem o rêmio Nobel? O senhor sperava ser um dos laureados?
Eu ainda não tenho certeza sobre isso. Eu acho que, certamente, é um grande choque. De repente, meu coração está batendo feito louco. Eu espero que minha vida não mude. Minha vida é muito boa. Eu tenho uma carreira bastante longa. Tenho uma esposa, que tem ficado ao meu lado por mais de 45 anos. Eu tenho três filhos, três netos e um cachorro. Então, basicamente, minha vida é uma vida normal. Eu gosto de esportes. Eu gosto de fazer excursões. Eu gosto de beber. E eu amo fazer ciência. Eu espero que essas coisas permaneçam. Eu certamente não estava acostumado a dar entrevistas. Eu ainda estou assustado sobre o que vai acontecer hoje (ontem), sei que não será um dia normal. Mas eu quero que minha vida prossiga da mesma forma. Eu tenho uma paixão pela ciência e eu quero que ela continue. Por outro lado, eu preciso falar com pessoas como você. Levar uma mensagem para fora é uma coisa maravilhosa.

Como o senhor fundou as ases para que programas e computador contribuam
para decifrar processos uímicos complexos?

De certa forma, o mais interessante de toda a história foi o começo da pesquisa. Ela começou em 1967. Eu tinha 20 anos. Trabalhava com um cientista bastante destacado em medicina, chamado Schnail Lasson. Eu devo dizer que não tinha nenhuma ideia de que o que eu estava fazendo era importante. Nunca fiz coisas que julgasse serem importantes. Sempre fiz coisas das quais eu gostava. A ciência é como ouvir música ou curtir uma dança. Você apenas gosta de fazer isso. Eu acho que o que realmente fez esse trabalho tão importante foi o fato de que os computadores se tornaram tão mais poderosos nos últimos 45 anos. Eu comecei essa pesquisa há 46 anos. Os computadores tornaram-se, provavelmente, bilhões de vezes mais poderosos. As coisas eram inimaginavelmente difíceis 45 anos atrás. A história da medicina mudou…

De que modo sua pesquisa nfluenciou na produção de edicamentos mais eficientes?
Uma coisa que as pessoas não entendem é que o corpo está dentro de uma “sopa”, dentro de um líquido de sangue. De certa forma, o corpo é como uma máquina dentro de um relógio, com todas as suas peças. Quando uma molécula de uma droga faz efeito, ela surte efeito sobre a forma dessa máquina. É como se tivesse o exato formato de uma peça faltando em um sistema. Então… É como se tivéssemos um quebra-cabeça gigantesco e a molécula da droga se encaixasse perfeitamente nele. Envolve encaixe e complementaridade da forma. A máquina da vida é altamente ordenada e os computadores são muito importantes em definir as possibilidades.

Em todos esses anos de ciência, quais as principais dificuldades que o senhor enfrentou?
As principais dificuldades estavam no fato de que ninguém tinha feito isso antes. A necessidade era muito nova. Eu tive que aprender como aprender a desenvolver os programas de computador certos. Eu gostava das dificuldades, pois era muito jovem e não tinha medos. Na década de 1960, os computadores tinham memórias muito pequenas. As moléculas importantes para os medicamentos são bem grandes. Por esse motivo, a memória é muito importante nos novos computadores. Os grandes computadores de hoje são minúsculos. No começo, não havia megabytes ou gigabytes, apenas algumas centenas de kilobytes de memória. Essa foi uma das principais dificuldades. Muita da honra (do Nobel) pertence ao incrível avanço no poder dos computadores, que tornou mais fácil o que era muito difícil.

Que mensagem o senhor enviaria aos jovens cientistas que sonham em fazer grandes descobertas e em ajudar a humanidade?
Sejam apaixonados. Sigam suas paixões. A ciência é algo que você tem que amar. É algo que requer manter o desejo ardente. Eu acho que você nunca sabe para onde vai. Apenas sinta uma paixão e faça o que deseja fazer. É a mesma paixão que se sente pela comida, pela dança, pela música, pelo jornalismo. É preciso sentir o que se faz e fazer com paixão. (RC)

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