quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Consciência é iluminação! - Maria Stella de Azevedo Santos

A Tarde - 20/11/2013

Maria Stella de Azevedo Santos
Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá
opoafonja@gmail.com

Este é o último artigo de uma série que escrevi desmembrando meu discurso de posse na Academia de Letras da Bahia. O único objetivo desta série foi rememorar os nomes de ilustres baianos que talvez não fossem conhecidos pela nova geração. Como coincidências não existem, a referida série está sendo encerrada no Dia da Consciência Negra, momento em que aproveito para homenagear a todos que lutaram e lutam por esta causa. Consciência não é valorização! Consciência é iluminação!

Antônio Frederico de Castro Alves é o patrono da cadeira onde me firmo. Ele entoou gritos poéticos na tentativa de despertar a sociedade brasileira para a mais cruel de todas as atitudes humanas: a privação da liberdade. Em 1868, através de seu poema Vozes d'África, ele clamou:

“Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes?/ Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes/ Embuçado
nos céus?/ Há dois mil anos te mandei meu grito,/ Que embalde desde então corre o infinito.../ Onde estás, Senhor Deus?...// Qual Prometeu tu me amarraste um dia,/ Do deserto na rubra penedia/
– Infinito: galé!.../ Por abutre – me deste o sol candente,/ E a terra de Suez – foi a corrente/ Que me ligaste ao pé...”.

Se minha bisavó chegou ao Brasil presa a muitos outros negros africanos, amarrada por correntes que lhe tiraram o maior de todos os bens – a liberdade –, hoje me sinto acorrentada a todos os baianos, brasileiros, humanos, letrados ou não letrados. O Poeta dos Escravos desejava ver todos os homens tratados com igualdade de condições; queria ver os negros desacorrentados.

O baiano Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847 na fazenda Cabaceiras, antiga freguesia de Muritiba, que é hoje a cidade de Castro Alves. Era dotado de uma constituição física frágil, mas de uma forte alma humanizada, que contestava as barbaridades típicas da época em que viveu – o século XIX. Foi corajoso o suficiente para que, comapenas 21 anos de idade, obrigasse os fazendeiros donos de escravos a escutá-lo recitar O Navio Negreiro, pois estando todos em uma comemoração cívica não seria politicamente correto retirar-se do recinto.

A poesia de caráter social de Castro Alves era típica da terceira geração do romantismo brasileiro, chamada Condoreira, pois o condor é uma ave símbolo de liberdade. Representante da burguesia liberal, Castro Alves foi o último grande poeta da geração Condoreira que, por meio da literatura, instigava o povo para exigir a abolição da escravidão e a proclamação da república, aproximando, assim, o romantismo do gênero literário seguinte – o realismo.

Se as causas sociais eram o ideal de Castro Alves, o amor era sua fonte de inspiração. E como são lindos seus poemas de amor. Escutemos com a alma seu poema As Duas Flores, que na Escola Nossa Senhora Auxiliadora, de propriedade da professora Anfrísia Santiago, eu costumava recitar para minhas colegas no horário de recreio:

“São duas flores unidas/ São duas rosas nascidas/ Talvez do mesmo arrebol,/ Vivendo, no mesmo galho/ Da mesma gota de orvalho/ Do mesmo raio de sol.// Unidas, bem como as penas/ Das duas asas pequenas/ De um passarinho do céu.../ Como um casal de rolinhas/ Como a tribo de andorinhas/ Da tarde no frouxo véu.// Unidas, bem como os prantos/ Que em parelha descem tantos/ Das profundezas do olhar.../ Como o suspiro e o desgosto/ Como as covinhas do rosto/ Como as estrelas do mar.// Unidas... Ai quem pudera/ Numa eterna primavera/ Viver, qual vive esta flor./ Juntar as rosas da vida/ Na rama verde e florida,/ Na verde rama do amor!”

Intensamente viveu Castro Alves a sua curta vida de 24 anos. Em 6 de julho de 1871 ele não pôde mais sentir na carne os prazeres do amor. Também não pôde ver os escravos desacorrentados, não pôde assistir a seu ideal concretizado. Mas sua curta vida é longa. Tanto que ainda nos deleitamos com seus versos.

Uma senhora de 96 anos, falando sobre seu primo Castro Alves, um dia me disse: "Por amor ele viveu, por amor ele morreu. Mas quem morre por amor não morre, torna-se imortal”.

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