segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Novo vírus da dengue é desafio‏

Organismo encontrado na Malásia não se parece com os quatro tipos conhecidos. Descoberta pode interferir nos estudos em curso



Isabaela de Oliveira


Estado de Minas: 04/11/2013 



Pesquisadores identificaram um novo tipo de vírus da dengue na Malásia, o que pode adicionar, depois de 50 anos de estabilidade, um novo sorotipo – grupo que causa a mesma resposta imunológica no organismo – à doença viral. Até o momento, cientistas e médicos trabalham com quatro tipos do micro-organismo. A descoberta, portanto, impõe mais um desafio para o desenvolvimento de vacinas contra a dengue, que teriam que abordar um quinto tipo. Nikos Vasilakis, autor do trabalho, lembra, porém, que os resultados podem ajudar os cientistas a compreenderem melhor como o vírus evolui.

O grupo liderado por Vasilakis é integrado por cientistas da Malásia e de universidades americanas e australianas. Eles descobriram o vírus enquanto analisavam amostras virais da dengue coletadas durante um surto da doença no estado de Sarawak, na Malásia, em 2007. E suspeitaram que o micro-organismo era diferente dos quatro outros sorotipos. Após sequenciarem o vírus, descobriram que ele é filogeneticamente distinto e evoluiu de forma diferente.

A descoberta foi anunciada na semana passada, na Terceira Conferência Internacional sobre Dengue e Febre Hemorrágica da Dengue, realizada na capital tailandesa, Bankgok. O artigo científico com os detalhes da pesquisa deverá ser publicado em dois meses. “Não posso dizer muito sobre o vírus agora, mas posso adiantar que ele não se parece com os outros tipos conhecidos, embora seja capaz de causar a dengue”, disse Vasilakis ao Estado de Minas.

Paulo Sousa Prado, biólogo especialista em saúde do Laboratório Central de Saúde Pública do Distrito Federal, explica que, basicamente, o vírus da dengue é composto por 10 proteínas. As sequências do genoma viral é que definem em qual subtipo ele está inserido. A análise de quais anticorpos são ativados na resposta de defesa ao vírus também é levada em conta. Prado prefere cautela a falar sobre a existência de um quinto subtipo. “Por enquanto, a comunidade científica tem apenas indícios. Só depois da publicação do artigo científico que cientistas do mundo inteiro poderão analisar os resultados”, afirma o especialista.

Segundo o biólogo, o cuidado é necessário porque cada subtipo tem variações genéticas próprias, as chamadas cepas virais, mas as diferenças não são grandes a ponto de mudar os micro-organismos de classificação. No entanto, caso a comunidade científica entre em consenso que há um novo subtipo, ainda é preciso saber quais implicações o sorotipo 5 terá no controle da dengue. “A informação divulgada até o momento é de que um novo tipo de vírus da dengue, detectado em espécies de macacos na Malásia, está associado a um único surto em seres humanos, nesse mesmo país, em 2007. Não há nenhuma informação de que esse surto tenha sido particularmente mais grave do que outros que ocorrem na região”, observa Ricardo Palacios, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento Clínico do Instituto Butantan, em São Paulo.
 
Palacios alerta que ainda é muito cedo para determinar como é o comportamento do vírus, particularmente em relação a pessoas que já foram expostas a outros tipos de vírus da dengue. “Os casos severos, que ocorrem com os quatro tipos tradicionais da doença, são muito mais frequentes em pessoas que já tiveram uma infecção anterior, contaminadas por um tipo diferente”, esclarece o especialista.

Entre macacos Vasilakis suspeita que o vírus circule entre macacos nas selvas da Malásia e da Indonésia. De acordo com o Centro de Polícias e Pesquisas para Doenças Infecciosas da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, a investigação focou-se no ciclo de transmissão silvestre na região. As infecções humanas foram colaterais, apesar do registro de pacientes em estado grave.

Ainda não há evidências de que o sorotipo 5 infecte de forma rápida os mosquitos vetores capazes de transmitir a dengue ao homem. Prado explica que não é raro que vírus que atacam apenas animais passem a interagir com humanos. Ou então que vírus humanos ataquem animais, gerando novos sorotipos. “Foi o que aconteceu com a influenza. Ela se misturou ao atacar um reservatório animal, no caso o porco, e dele saiu a gripe suína. Houve uma restruturação do vírus e nós não temos defesa contra ele. Talvez esse seja um vírus comum entre símios que ainda não chegou até a gente”, especula o biólogo.

Caso se espalhe, o sorotipo 5 poderá prejudicar as pesquisas para a imunização contra a doença. “Seria um novo desafio porque, até o momento, não temos comercialização de nenhuma vacina da dengue. “Para ser eficiente, ela precisará combater todos os tipos de vírus. As que estão em testes são focadas apenas nos quatro sorotipos conhecidos. Caso se prove que há um tipo 5, ele precisará entrar no cenário dessas pesquisas”, explica Paulo Prado.

Ricardo Palacios ressalta que os pesquisadores estão atentos às informações que virão dos futuros estudos a respeito do novo sorotipo. “Hoje, só conhecemos um surto (causado pelo subtipo 5) que ocorreu há seis anos em seres humanos numa região da Malásia, contudo continuamos a ter milhares de casos no Brasil e na América Latina com os quatro tipos de dengue tradicionais conhecidos”, ressalta o pesquisador. A vacina contra a dengue do Instituto Butantan (leia Saiba mais) contempla os quatro tipos de vírus. No mês passado, foram iniciados testes com humanos.

Saiba mais

Pesquisa de
sete anos


O Instituto Butantan, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), desenvolve uma vacina contra a dengue que combata, em uma única dose, os quatro tipos da doença. A vacina começou a ser desenvolvida em 2006 com institutos de saúde dos Estados Unidos. A técnica utiliza micro-organismos atenuados, modificados
para que as pessoas produzam anticorpos sem desenvolver a doença. Eles foram identificados nos EUA e transferidos para o Butantan em 2010. A vacina já foi testada em 600 norte-americanos, nos quais não foram observados efeitos colaterais relevantes.

Duas perguntas para...

Nikos Vasilakis, professor assistente da Universidade do Texas e líder do estudo

1) Quais impactos dessa descoberta?

Quando você lida com vírus que estão restritos a um local, é mais fácil. No entanto, vivemos em um mundo globalizado, onde as pessoas se deslocam com muita facilidade. Por enquanto, não sabemos muito sobre esse subtipo. Então, imaginar que ele pode se espalhar é complicado. As informações que o trabalho traz pode ajudar as autoridades asiáticas a tentarem controlar uma possível disseminação.

2) Podem existir mais vírus desconhecidos por aí?

Com o aquecimento global e a devastação das matas, acredito que muitas coisas que não conhecemos poderão aparecer, em especial vírus de animais que podem se espalhar para as cidades. A degradação do meio ambiente mostra que os problemas podem ser maiores do que apenas o calor exagerado em algumas regiões.

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