sábado, 7 de dezembro de 2013

Djalmão - Arnaldo Viana‏

Djalmão - Arnaldo Viana - arnaldoviana.mg@diariosassociados.com.br
Estado de Minas: 07/12/2013




Um conta como piada. Outro garante ser verdadeiro. O caso, que algumas pessoas já conhecem, teria se passado no alto do morro de um dos aglomerados de BH. É lá, no barraco de madeira, zinco e amianto, que mora o negão, pelo menos dois metros de altura, macacão jeans, cabelo black power, chinelos com solado de borracha de pneu. Djalmão está lá, disponível para serviços que exijam apenas músculos. Ah, tem no facão um companheiro inseparável. É a ferramenta para limpar as unhas sempre imundas.

Tarde dessas, o negão sentado diante do barraco, dando um trato nas unhas dos pés, chegam dois homens. Traziam um rapaz pelos braços.

– Boa-tarde, seu Djalmão.

– Tarde!

– A gente trouxe este rapazinho aqui a pedido do chefe. É para o senhor pegar este facão e cortar os dedinhos das mãos dele, bem cortadinhos, para ele nunca mais dedurar ninguém aqui no morro.

– Deixem o cara amarrado aí no fundo do barraco. Depois cuido dele.

Assim fizeram os dois indivíduos. E saíram apressados. O rapaz engoliu os soluços e falou:

– Seu Djalmão, com licença. Não faça isso comigo. Não corte meus dedos. Não entreguei ninguém. Isso é fuxico. Se me deixar ir, desapareço. Ninguém vai saber se o senhor deixou de cumprir a ordem do chefe. Por favor, por amor a Deus!

– Fica quieto aí, senão corto o braço também.

Meia hora depois, os dois homens estão de volta. Trazem outro prisioneiro.

– Seu Djalmão, é para o senhor cegar este aqui. Bota o facão no fogo e quando ele ficar vermelho, passe a lâmina nos olhos dele. Isso é para ele nunca mais, mas nunca mais mesmo, botar o olho gordo no dinheiro do chefe. O cara só fica nas bocas vendo o pessoal contar o dinheiro da venda da mercadoria.

– Amarrado, lá no fundo do barraco, junto com o outro. Depois cuido dos dois.

Djalmão raspava as grossas unhas dos pés com a afiada lâmina do facão, como se nada estivesse acontecendo. Não demonstrava raiva, prazer, piedade ou qualquer outro sentimento a cada pedido do chefe. Parecia acostumado às tarefas que o manda-chuva do morro considerava de segunda classe. “Há certos tipos de serviço que só o negão pode fazer”, dizia quando precisava dar uma lição violenta em alguém.

Os dois rapazes, no fundo do barraco, estavam banhados de suor. Se fazia calor lá do lado de fora, pior era ficar sob zinco e amianto, e ameaçados. Djalmão dava um trato na última unha, a do dedão do pé esquerdo, quando os dois emissários dos chefe chegaram com mais um condenado.

– Seu Djalmão, este aqui é para ser capado. É para o senhor pegar o facão e cortar rente, bem rente, e jogar a tralha para cachorro comer. É para ele nunca mais, mas nunca mais mesmo, se engraçar com a mulher do chefe aqui no morro. É para capar bem capado.

Mal os capangas do chefão saíram, o primeiro condenado levado ao barracão falou novamente:

– Seu Djalmão, com licença. É com todo respeito que me dirijo ao senhor só para lembrar: o cara dos dedinhos que senhor deve cortar sou eu, tá?

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