sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Papel das pequenas‏ - Mariana Peixoto

Papel das pequenas
 
Editora Scriptum, de BH, se destaca pelo lançamento de jovens autores que têm conquistado reconhecimento nacional. Outras livrarias seguem na mesma direção


Mariana Peixoto

Estado de Minas: 06/12/2013


Mário Alex Rosa, Ana Martins Marques, Jacques Fux e Welbert Belfort: autores e editores unidos pela literatura de qualidade (Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Mário Alex Rosa, Ana Martins Marques, Jacques Fux e Welbert Belfort: autores e editores unidos pela literatura de qualidade


Há 17 anos proprietário da Livraria Scriptum, Welbert Belfort, o Betinho, já se cansou de ouvir a seguinte pergunta: “A editora é da mesma livraria, não é de São Paulo?”. Com paciência ele segue em frente, explicando que não, editora e livraria são da mesma marca, ambas de Belo Horizonte. “Minha questão é outra: por que tem que ser de São Paulo e não daqui?”, questiona o mineiro, ouro-pretano que deixou a cidade natal há duas décadas para se dedicar ao mercado livreiro. Primeiramente funcionário, depois dono de sua própria livraria e, desde 2002, editor, ele sabe como funciona o meio. Pelo menos entre os pequenos.

É nos fundos da Livraria Scriptum, uma das três instaladas em dois quarteirões da Rua Fernandes Tourinho, na Savassi, que funciona um pequeno escritório de onde saem as decisões editorais. Como editora, a Scriptum é referência no meio literário da cidade. Com 74 obras publicadas (90 volumes, se forem somadas as edições das revistas Curinga, da Escola Brasileira de Psicanálise, e Estudos lacanianos, da pós-gradução em psicologia da UFMG), a editoriais vem se tornando o primeiro passo para jovens autores.

Alguns já alçaram voos mais altos. Foi na Scriptum que a poeta Ana Martins Marques publicou sua estreia em livro, A vida submarina (2009), que reúne poemas vencedores do Prêmio Cidade de Belo Horizonte dos dois anos anteriores. A obra é, guardadas as devidas proporções, um best-seller da Scriptum: a tiragem inicial, de 700 exemplares, esgotou-se e ganhou reimpressão de outros 500. Foi também esse livro que a levou à Companhia das Letras, que publicou, em 2011, Da arte das armadilhas, vencedor do Prêmio Alphonsus de Guimaraens e finalista do Portugal Telecom.

Outro nome hoje editado pela Cia. das Letras, Carlos de Brito e Mello (vencedor do prêmio Jovem Escritor Mineiro e finalista do São Paulo de Literatura, Portugal Telecom e Jabuti) fez sua estreia na Scriptum. Depois da resposta de uma grande editora que apontou a dificuldade de lançar um livro de contos de autor estreante, ele teve retorno positivo da Scriptum para a publicação de O cadáver ri dos seus despojos (2007). Ana e Carlos, antes de estrear na literatura, eram frequentadores (hoje ainda são) da livraria. Caso semelhante ao de Jacques Fux, vencedor, na última semana, na categoria autor estreante do Prêmio São Paulo de Literatura com menos de 40 anos, com Antiterapias.

Betinho ainda tem a edição em gráfica rápida, de capa verde, que Fux lhe entregou do romance que ele categoriza como autoficção. “Ele deixou três exemplares. Depois que li, passei-o para o meu conselho”, relembra. A Scriptum conta com um conselho editorial, formado por Mário Alex Rosa, Rogério Barbosa e Wagner Moreira. “Eles são independentes, tanto que posso ser voto vencido”, conta Betinho. “Pedimos um prazo, em geral de dois meses, para poder ler com calma. Se achamos que o livro tem o perfil da editora, convidamos o autor para conversar, dar sugestões. Nossa intenção é nos aproximar do autor, não dar uma resposta técnica”, comenta Mário Alex.

Ele, por sinal, já esteve em diferentes situações. Além de integrar o corpo editoral da Scriptum, já foi publicado por ela (o livro de poesias Ouro Preto, semifinalista do Portugal Telecom). Também recentemente, publicou por uma editora paulista de grande porte, a Cosac Naify (os livros Formigas e Via férrea). “A experiência é bem diferente. Estou em BH, eles em São Paulo, então a conversa é toda por e-mail. É mais difícil quando você está em outra cidade, mas acabei aprendendo muito enquanto autor nas conversas com outro editor”, diz.

Para Betinho, o mais importante é que os autores lançados por ele, mesmo publicando hoje em outras editoras, “continuam produzindo aqui”, sem necessitar deixar a cidade, como ocorreu com gerações anteriores de escritores mineiros. “Sempre acreditei que os trabalhos daqui têm qualidade e que não podemos ser modestos e tímidos.”

Livrarias de rua criam associação
No corredor literário da Rua Fernandes Tourinho, logo no quarteirão seguinte à Scriptum, a Quixote segue o mesmo caminho. A livraria e café lança dia 14 seu terceiro livro como editora, Memórias dos abitantes de Paris, de David Paiva (a ausência do h no habitantes é explicada pelo autor na narrativa). “Depois de 10 anos, achei que era o momento de realizar o sonho, já que a marca da livraria está forte”, afirma Alencar Perdigão, proprietário da Quixote.

Para a empreitada, ele contratou uma editora. A intenção de Perdigão é enfatizar os segmentos infantil e infantojuvenil, um dos pontos fortes da livraria. Já no primeiro semestre lança títulos infantojuvenis de Cristina Agostinho e Max Velati. Os lançamentos vão inaugurar o selo Sete Luas, que será especializado no segmento.

Os lançamentos nas manhãs de sábado já se tornaram tradicionais e hoje são marcados com três meses de antecedência. “Há dias em que temos quatro lançamentos na mesma rua”, comenta Perdigão, que juntamente com as livrarias Scriptum, Ouvidor, Mineiriana e Floriano criou a Associação de Livrarias de Rua de Belo Horizonte. “Criamos uma marca e nossa intenção é fazer eventos literários na rua”.

Rede de amigos

“Quando você edita um livro por uma pequena editora, acaba tendo que fazer o processo de distribuição um pouco por conta própria. O pessoal da Scriptum compensa as dificuldades de distribuição, que todas as pequenas editoras enfrentam, com uma rede grande de amigos e pessoas interessadas em literatura. Dessa maneira, segundo ouvi dizer pelas mãos do crítico Davi Arrigucci Jr., meu livro acabou chegando a uma editora da Companhia das Letras, que me convidou para integrar a coleção de poesia contemporânea da editora.”

. Ana Martins Marques, poeta

Critério de qualidade

“Você só consegue acessar grandes editoras por meio de um agente. Conhecia uma que estava começando a carreira, que conseguiu enviar para uma grande (a única das quatro às quais enviou Antiterapias que lhe deu resposta). O avaliador escreveu que o livro tinha seus méritos, mas que estava com a agenda cheia. Com o livro publicado pela Scriptum – que tem critério e qualidade literária –, enviei para todos os concursos que apareceram. Depois do prêmio, já me falaram em segunda edição.”

. Jacques Fux, ensaísta e romancista

Olhar especializado

“O mercado editorial sempre foi coisa longínqua, mal compreendida para mim. Achei muito importante começar com pessoas que pudessem sentar junto para começar a entender como funciona. O olhar do editor é muito especializado e ele sabe o tamanho do seu trabalho. Um escritor tem que ter consciência do seu trabalho, do tamanho do passo que consegue dar em determinado momento. Para aquele passo senti muita segurança ter sido publicado pela Scriptum, que me ensinou bastante em relação à minha
própria escrita.”

. Carlos de Brito e Mello, romancista


À margem do mercado
Mais conhecida pela produção de poesia contemporânea, a editora carioca 7Letras completa 20 anos sem perder o estilo

Mariana Peixoto

Jorge Viveiros de Castro já editou na 7Letras 1,2 mil títulos     (Simone Marinho/AG. O Globo)
Jorge Viveiros de Castro já editou na 7Letras 1,2 mil títulos


O modelo da Scriptum é muito semelhante ao da carioca 7Letras, uma referência entre as pequenas editoras, que completa este mês 20 anos de atividade. Ela nasceu porque foi a única maneira que Jorge Viveiros de Castro conseguiu para publicar seu próprio livro. Na época, a grafia era diferente, Sette Letras, e nos primeiros tempos boa parte da produção lançada era dedicada à poesia. “Ela acabou se destacando por isso simplesmente porque ninguém mais fazia poesia. Mas nosso catálogo é maior, de literatura em geral, com romances e contos, e também com livros acadêmicos na área de ciências sociais”, comenta Viveiros.

Nos primeiros anos havia também uma livraria de mesmo nome no Bairro Jardim Botânico. Ela acabou sendo fechada no final da década de 1990 e, em 2012, já com sede em Ipanema, a 7Letras passou a ter novamente sua própria loja. “É pequena, quase um showroom, pois a editora cresceu tanto que consegue encher uma livraria”, continua Viveiros, que contabiliza 1,2 mil livros lançados. Ao longo de duas décadas, a editora lançou nomes como João Paulo Cuenca, André Sant’Anna e Tatiana Salem Levy, hoje bem conhecidos e prestigiados no meio nacional.

Ainda que tenha crescido, Viveiros afirma que pouco da vocação inicial mudou ao longo do tempo. “O perfil é de editora pequena pela estrutura, com poucas pessoas trabalhando. Também somos um pouco alternativos, porque trabalhamos com títulos não exatamente comerciais. São geralmente autores novos porque nunca tivemos capital para comprar direitos de autores estrangeiros, o que ocorre só esporadicamente, ou então estrutura comercial para competir com as grandes editoras. Por isso o foco à margem do mercado imediatista do livro. Mas depois de anos de trabalho conseguimos uma marca expressiva pela revelação de muitos autores.”

Seu best-seller é o livro Adeus contos de fadas (vencedor do Jabuti na categoria livro juvenil), de Leonardo Brasiliense. “Mas foi por causa da venda institucional (para instituições públicas e programas governamentais de incentivo à leitura). Somando as edições que já rodei, deve ter chegado a 50 mil exemplares”, diz Viveiros. Da venda convencional, sua realidade é bem mais pé no chão. Livros de poesia saem, de uma maneira geral, com tiragem de 200 exemplares. “É uma tiragem realista, já que para poesia não existe mercado maior do que isso. Se acabar, reimprimo.” Para os outros gêneros a média é de 500 exemplares.

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