sábado, 11 de janeiro de 2014

Dor que não sai nos jornais - Carlos Herculano Lopes

Dor que não sai nos jornais
Estado de Minas: 11/01/2014


Thereza Hilcar começou a escrever sobre depressão e percebeu que suas crônicas tiveram efeito catártico (Lucas Possiede/Divulgação)
Thereza Hilcar começou a escrever sobre depressão e percebeu que suas crônicas tiveram efeito catártico

Mineira de Lagoa da Prata, há muitos anos vivendo em Campo Grande (MS), a jornalista e escritora Thereza Hilcar escolheu um tema espinhoso – a depressão,  doença que atinge milhões de pessoas em todo o mundo – para mote de seu novo livro de crônicas, No fundo do poço não tem mola, lançado pela Editora Letra Livre.

Autora de outros livros do gênero, como O outro lado do peito e Thereza toda terça, com crônicas publicadas no Correio do Estado, de Campo Grande, a escritora conta que optou por escrever histórias em torno da depressão porque ela própria, ao longo da vida, sempre se viu às voltas com este problema, que em certa época a fez sofrer muito. Além disso, foi incentivada pelo psiquiatra Hélio Martins. “Estava passando por uma crise muito séria no ano passado, quando ele me deu uma ideia: escrever uma crônica toda semana. No princípio, saía uma a cada 15 dias, mas depois elas começaram a jorrar. Foi uma catarse”, diz Thereza.

A partir dessa realidade, que a fez encarar de peito aberto seus demônios e a colocar tudo no papel, como uma forma de amenizar a própria dor, Thereza Hilcar conseguiu, sem cair em lamentos desnecessários, contar histórias surpreendentes. O limite entre a ficção e a realidade é difícil. Também não faria nenhuma diferença. É a vida jorrando em palavras, sem pedir licença.

Em poucas linhas, Thereza Hilcar, que também integra a Academia Sul- Matogrossense de Letras, questiona: “Por que será que as pessoas não respeitam a infelicidade dos outros? Estar infeliz é mais ou menos como ter uma doença contagiosa. As pessoas podem até ser solidárias, mas ficam longe, bem longe...”.

Tarefa dolorosa Em seguida, sem querer apontar caminhos a serem seguidos – será que eles existem realmente? – a cronista pergunta: “Por que dói tanto viver? Conhecer a si mesmo é tarefa das mais dolorosas que existe” . Para terminar, não sem certa ironia, faz coro à ignorância, “à santa ignorância”, cada vez mais disseminada por aí e que, sem se incomodar em deixar bem claro, “pode ser uma bênção”.

Em outra crônica, “Um dia para refletir”, a escritora, sem querer mudar o mundo ou ficar se questionando sobre isto ou aquilo, apenas volta para dentro de si própria, vai para casa, recebe telefonemas de amigos, dá outros e, ao cair da noite, assiste a um filme na televisão, cuja história gira em torno de um homem que perde tudo, menos a si mesmo. “Retorna, pratica a humildade, atravessa humilhações e colhe os frutos do medo. No fim, como em quase todos os filmes, tudo se resolve”, escreve.

Questionada sobre o título do livro, a escritora diz que o escolheu porque as pessoas adoram dizer para quem está deprimido: “Ah! fica assim não, no fundo do poço tem mola...”. “Sempre detestei essa metáfora, porque, no meu entender, no fundo do poço existencial não tem mola nenhuma e, costumo dizer, se não jogarem uma escada ou a gente mesmo não conseguir cavar uns degraus até à superfície, ficamos lá no fundo. Não tem esta história de mola. Ninguém cai no buraco existencial e depois sai como num passe de mágica”, afirma Thereza.

Ao contrário de suas outras crônicas, que até chegarem aos livros tinham sido publicadas em jornais ou revistas, todas as histórias deste novo trabalho eram inéditas. Antes da autora resolver publicá-las, apenas três pessoas tiveram acesso à elas: seu editor em Campo Grande, Henrique Medeiros, o cartunista Ziraldo e Maria Adélia Megazzo, professora de literatura da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Em ensaio escrito sobre a obra de Thereza Hilcar, Maria Adélia registra: “Ela conta pedaços esparsos de sua trajetória cotidiana com um estilo narrativo apaixonante e sedutor. Escancara seu íntimo, prende você à leitura e conduz a uma viagem pelo interior de suas intimidades”. (CHL)

No fundo do poço não tem mola
• De Thereza Hilcar
• Editora Letra Livre l 128 páginas
• Informações: http/www.letralivre.com.br

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