segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Falta comida nas mesas em Davos - Eduardo Daher

Falta comida nas mesas em Davos 
 
Eduardo Daher Economista (FEA-USP), diretor executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) 

 
Estado de Minas: 20/01/2014

Davos é uma pequena cidade, com cerca de 11 mil habitantes, incrustada nos Alpes da Suíça que, cobertos de neve no inverno, atraem turistas de todo o mundo. Nesta semana, o bucólico cenário receberá chefes de governos, líderes políticos e empresariais e acadêmicos de uma centena de países para o 44º Fórum Econômico Mundial. Entre os chefes de Estado estará a presidente Dilma Rousseff, que participa pela primeira vez do conclave.

O Fórum Econômico deste ano traz como tema A reformulação do mundo – consequências para a sociedade, a política e os negócios. Os organizadores justificam o ambicioso temário: “Hoje, forças políticas, econômicas, sociais e tecnológicas transformam nossas vidas, comunidades e instituições; cruzam fronteiras geográficas, de gênero e de gerações; alteram o poder das hierarquias tradicionais pela das redes sociais”. Pauta caudalosa, porém com uma grave lacuna. Em mais uma edição, faltou o Fórum Econômico se dedicar a um problema crucial para a humanidade, hoje, e para um futuro verdadeiramente sustentável: como debelar a fome no mundo.

Essa injúria atingiu, em 2013, cerca de 842 milhões de pessoas, como alertou o brasileiro José Graziano, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), órgão da ONU, em videoconferência no Fórum Inovação, Agricultura e Alimentos, uma iniciativa da FAO, Embrapa e entidades do agronegócio, em outubro, em São Paulo. O Brasil tem o mérito de vir reduzindo essa nefasta marca. Entre 1993 e 2013, o país tirou 9,2 milhões de pessoas da linha da fome. Ainda assim, vivem 13,6 milhões de brasileiros em situação de miséria.

Na verdade, quase todos nós, bem nutridos, estamos acomodados frente à tragédia da fome. Por outro lado, muitos somos simpáticos a protestos que, midiáticos, rendem propaganda fácil para causas diversas, mas a maioria pouco úteis para as populações – sobretudo as famintas.

Os chamados eventos extremos climáticos justificam as preocupações ambientais. Sem dúvida, chocam-nos imagens de encostas soterrando casas, recorrentes no Brasil; o tsunami no Japão, em 2011, e o tufão nas Filipinas, em novembro último. Mas tão inaceitável é outra tragédia diária que ceifa muito mais vidas: segundo a FAO, por desnutrição ou problemas a ela relacionados, morrem no mundo cerca de 12 mil crianças por dia. Portanto, um cotidiano e silencioso tsunami da fome.

O Fórum Social Mundial, antítese ao encontro de Davos e que ocorre todos os anos na mesma semana, perdeu seu apelo político – alternativo, quando partidos de esquerda alçaram ao poder na América Latina – e agora seus ideólogos enfrentam a difícil tarefa de governar. Em 2011 e 2012, a presidente Dilma Rousseff, convidada para Davos, optou por prestigiar o Fórum Social, em Porto Alegre. O visível esvaziamento do encontro dos movimentos sociais também se deve a muitas de suas ideias anacrônicas, que recusam agendas construtivas com setores acadêmicos e produtivos da iniciativa privada. Por exemplo, programas de inclusão competitiva no mercado para agricultores familiares, estratégia que tem pleno apoio da FAO – caso da iniciativa global Farming First (farmingfirst.org.br/português), com representação no Brasil. 

Por isso, o Fórum Econômico deve cuidar para não ratificar as críticas de que se preocupa demais com as crises do capital e de menos com os dramas sociais. Ou seja, a esperança é que os apelos dos milhões de famintos alcancem as montanhas cobertas de gelo em Davos.

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