quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Tereza Cruvinel - Vertigens iniciais‏

Tereza Cruvinel - Vertigens iniciais
 
Em 2002, o PMDB apoiou José Serra, deu-lhe a vice e o tempo de tevê, mas descarregou votos foi em Lula. Esse é o risco que corre Dilma, quando acha que o partido não tem para onde correr



Estado de Minas: 16/01/2014


Se eu não tivesse estado ausente deste espaço durante os ritos de passagem do fim do ano, desfrutando do direito periódico ao ócio, teria também especulado sobre as singularidades de 2014: um ano intenso, por conta das eleições e da Copa do Mundo, das interrogações sobre a economia e os humores da alma nacional. Cometeria outras profecias rasas, mas talvez não apostasse que, na política, o novo ano manteria a velocidade e o atropelo dos cronogramas que caracterizaram 2013, acreditando que, com a proximidade dos fatos, os atores moderariam o passo. A primeira quinzena, entretanto, sugere a vertigem continuada: a presidente falou em reforma ministerial e os partidos se agitaram, em especial o PMDB. A sociedade se surpreende com o tal rolezinho de jovens da periferia em shoppings. O Supremo Tribunal Federal segue produzindo vastas emoções e atitudes imperfeitas, enquanto o Ministério Público e o Tribunal Superior Eleitoral travam a primeira disputa pelo poder fiscalizatório nas eleições. Imagine o leitor quando chegar setembro, véspera do pleito.

Como o dia da volta ainda permite a contemplação panorâmica, vejamos estes e outros augúrios de um ano que deve ser inesquecível. Se não por tudo, pelo menos pela Copa, com o Brasil ganhando ou perdendo o torneio mundial.

Cristal trincado

Há poucos meses, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que, para reeleger Dilma, o PT não poderia jamais trincar sua aliança com o PMDB. A rusga do momento não vai levar a um rompimento formal, mas pode ter consequências. Não vai o PMDB jogar fora o poder que tem por causa de um ministério, mas precisa esticar a corda e falar alto, por isso seus caciques se reuniram ontem, reagindo ao aviso de Dilma, de que não lhes dará uma sexta pasta. Ela sabia que a reação viria, mas mesmo assim fustigou o partido, que em seus cálculos não a deixará porque não há melhor caminho a seguir. Para ter um tempo de televisão bem maior que o dos adversários, ela precisa acomodar no governo o Pros e o PTB, e melhorar a posição do PSD. Se o PMDB blefa quando chia e fala em rompimento, como dizem os dilmistas, ela pode estar cometendo um erro de cálculo.

O PMDB, com sua máquina e sua capilaridade invejáveis, nunca precisou romper para jogar ao mar candidatos indesejados. Mesmo quando eram do próprio partido, como seu maior nome de todos os tempos, Ulysses Guimarães. Depois de Ulysses, o líder da transição que ficou em quinto lugar na primeira eleição direta pós-ditadura, a de 1989, foi José Serra que experimentou, em 2002, o sabor amargo da “cristianização”, neologismo forjado pela traição do velho PSD a seu candidato em 1950, Cristiano Machado. O PMDB o apoiou oficialmente, dando-lhe a vice, Rita Camata, e um bom tempo de tevê. A maioria das seções estaduais e os mais influentes caciques, entretanto, descarregaram votos em Lula. Esse é o risco que Dilma corre, quando acha que o PMDB não tem para onde correr.

 O cristal vem se trincando desde 2010. Na gaveta de um importante líder do partido dorme um documento que ela assinou na época, prometendo que, em estados onde PMDB e PT não estivessem juntos, iria aos dois palanques ou a nenhum. Mas, em alguns estados, ela foi apenas a comícios de petistas. O PMDB não esqueceu, veio a convivência no governo e novos arranhões no cristal.

A mística do rolê

São dois os discursos correntes sobre o fenômeno do rolezinho. Um, supostamente “de esquerda”, atribui aos encontros um verniz político que ele não tem, explicando-o como consequência da falta de opções de lazer nas periferias. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), agora atento aos sinais das ruas, viu nos rolezinhos um protesto contra o “apartheid social”. Outro discurso, claramente ordeiro e conservador, pede ação policial enérgica contra os grupos que vão “zoar” nos shopping, promovendo correrias e assustando lojistas e frequentadores.

Os textos que os jovens trocam nas redes sociais para combinar os encontros liquidam com o esforço para “politizar” os rolezinhos. Pelo menos os seis que ocorreram em São Paulo entre 7 de dezembro e 11 de janeiro não tinham bandeira alguma. O que eles querem é diversão, “zoada”, como dizem. As meninas vão para ver de perto seus “ídolos” da internet, jovens com milhares de seguidores em seus perfis.

Por outro lado, como poderá a polícia selecionar o acesso aos shoppings, espaços coletivos porém privados, sem incorrer na discriminação e no preconceito? Em Niterói, os convocadores de um rolezinho estão avisando: “Fiquem de olho, racismo é crime”. Ou seja, qualquer ato repressivo pode ser tachado como crime de racismo. Ninguém sabe ainda como lidar com isso, mas é certo que nem a mistificação ideológica nem a repressão pesada darão bons resultados.

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