quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Marina Colasanti-Arpoador, anos 50‏

Arpoador, anos 50 
 
"E inauguramos o biquíni. Traje de praia naquele tempo era maiô Catalina, de lastex e com saiote" 

 
Marina Colasanti
Estado de Minas: 16/01/2014


Fazia quase 60 anos que não estávamos juntos, não assim, todos ou quase, como no passado. Nosso passado comum, que nos reuniu em fim de tarde da semana passada no Clube Marimbás, no Rio, é o Arpoador no início da década de 1950.

Não era, então, uma praia da moda. Espremida junto à pedra e encostada na pequena Praia do Diabo, num fim de rua ocupado por instalações militares, parecia mais isolada e entregue à própria sorte do que qualquer outro trecho da orla. Talvez justamente por isso, por seu ar quase agreste, atraía sobretudo os estrangeiros do Rio, os recém-cariocas vindos logo antes ou depois da Segunda Guerra.

A areia era clara e limpa, o mar era claro e limpo, não havia quiosques ou vendedores ambulantes, o bar mais próximo era praticamente um pé-sujo, e bem distante. E nós éramos jovens, tão jovens e bonitos.

Pegávamos ondas no peito ou com pequenas tábuas – tentei algumas vezes, não me dei bem –, e os mais valentes iam esperá-las lá longe, no pontão. Mais tarde começaria o surfe, do qual meu irmão, Arduino, foi precursor com uma enorme prancha de madeira.

Em dias de mar manso, arraias surgiam ondulando suas grandes asas, e corríamos até o alto da pedra para vê-las passar acompanhadas por sua própria sombra sobre o fundo de areia. Garoupas cochilavam nas tocas. Um dia, Arduino fisgou um caçonete. A partir do nível da água as pedras eram cobertas por espessa camada de mariscos, que comíamos às vezes, em fins de tarde, cozinhados num latão vazio sobre fogueira improvisada no dorso da rocha.

Coragem era “dar a volta”, sair nadando da Praia do Arpoador, cruzar o pontão, costear em mar aberto a península – se assim a podemos chamar – e sair entre as ondas na Praia do Diabo. Que emoção intensa estar no fundo azul, entre espumas, o corpo tão insignificante e desprotegido naquela imensidão cintilante de sol, e ao redor só o explodir de ondas e gritos de gaivotas. Dei a volta algumas vezes de dia. Mas houve quem o fizesse em noites de luar.

E inauguramos o biquíni. Traje de praia naquele tempo era maiô Catalina, de lastex e com saiote, coisa de miss. Mas nós não éramos misses, éramos garotas um tanto gringas, com outros gostos, e começamos fazendo nossos próprios maiôs de pano. Primeiro inteiros, lonita Renault. Depois, duas peças, e já parecia uma ousadia. Mas, nas praias da Itália, só havia visto minha mãe usar biquíni. E a mãe da minha amiga de fé usava duas peças no Arpoador, abaixo da cintura. Então, na próxima rodada de maiô, cortamos a calça mais baixa, para mostrar o umbigo. Ficou bonito. Dali para a frente, avançamos em ousadia, e nunca mais usamos maiô inteiro.

Foi também o início da pesca de mergulho e sua era de ouro. Os rapazes pescavam no Arpoador, na Gruta da Imprensa, no navio afundado da Barra, na Laje Santo Antônio. E em Angra, nos campeonatos. Eu mergulhava acompanhando meu irmão, não pescava. E, orgulho supremo, fui a primeira mulher a mergulhar na Laje Santo Antônio, em mar aberto.

Depois, crescemos, cada qual seguiu seu rumo, deixamos de ser jovens e fomos ser profissionais. O grupo que havia sido tão unido nunca mais se juntou. Só se recompôs na semana passada. E durante algumas horas estivemos tão próximos e fomos quase tão jovens como havíamos sido naquela praia que nunca mais foi a mesma.

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