sexta-feira, 14 de março de 2014

Os três senhores - Carlos Herculano Lopes‏

Os três senhores 

 
Carlos Herculano Lopes
carloslopes.mg@diariosassociados.com.br
Estado de Minas: 14/03/2014

Todas as manhãs, aquele jovem escritor, à procura de temas, observa os três senhores, sempre os mesmos, sentados ao redor da mesma mesa da lanchonete. Uma das mais tradicionais do bairro, fica bem perto do banco onde ele trabalha, depois de ter passado em um concurso. Três xícaras de café, três garrafas de água mineral e uma bengala, que ele não sabe a qual deles pertence, completam o cenário. Um detalhe: todos eles, que devem ter mais de 85 anos, conforme os cálculos do rapaz, usam boinas cinzas que, pela semelhança, devem ter sido compradas na mesma loja.

“Onde será que se conheceram? Terão sido colegas de infância, de faculdade? O que terão em comum que os une tanto?”, pergunta-se o rapaz, enquanto os observa, todos os dias, a caminho do trabalho. Entediante, é bom que se diga, pois seu desejo, alimentado desde a adolescência, era poder ficar em casa só lendo e escrevendo.
Mas como isso não é possível, pelo menos no momento, ele aproveita todas as manhãs para observar os três senhores, dos quais, por incrível que pareça, já se sente íntimo, como se os conhecesse desde sempre. Um dia desses, tudo previamente programado, deu um jeito de sair de casa mais cedo e, por sorte, havia uma mesa vaga na lanchonete, bem ao lado da deles, na qual logo se sentou. Pediu café, uma garrafa de água mineral, como eles faziam e, todo ouvidos, tentou escutar o que diziam.

Nos minutos seguintes e nos que vieram, foi só silêncio. Não falavam nada. Um daqueles homens, que tinha uma funda cicatriz no rosto, só mexia o café com uma colherzinha. O outro, o mais baixo do grupo, não parava de fumar nem de tossir, enquanto o terceiro, que usava cachecol (esse detalhe o rapaz ainda não tinha observado), folheava um jornal sem muito interesse. E foi ele – justamente ele – quando o moço se preparava para ir embora, pois estava atrasado, que se virou para os companheiros, abaixou os olhos e disse, como se já tivesse repetido aquilo mil vezes: “Lembro-me disso todos os dias, o Horácio ao meu lado, arrebentado por aquela granada, com as tripas para fora, e me pedindo que não o deixasse morrer, sem que eu pudesse fazer nada. Sair como daquele buraco, com os alemães por todos os lados?”, o senhor falou, levou as mãos ao rosto e, em seguida, voltou a folhear o jornal, sem que os outros comentassem nada. Quanto ao rapaz, depois de ter ouvido aquela confissão, pediu a conta, tomou o resto da água e à noite, em casa, começou a escrever seu primeiro romance, Os três senhores, cujo cenário é a Itália durante a Segunda Guerra.

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