sábado, 12 de abril de 2014

A noite é uma criança

O Globo 12/04/2014

EMPATANDO A VIDA SEXUAL DOS PAIS

A noite é uma criança

Teoria evolutiva aponta que bebês choram para evitar a chegada de irmão


FLÁVIA MILHORANCE
flavia.milhorance@oglobo.com.br

Noites ininterruptas e tranquilas de sono se
transformam num sonho de consumo para
casais depois da chegada de um bebê à família.
Essa cena é clássica, atinge a maioria dos
novos pais e, agora, tem uma explicação evolutiva.
Os recém-nascidos fazem de tudo para
evitar a chegada de um irmãozinho. Pelo
menos enquanto eles, extremamente frágeis,
ainda dependam de total assistência.

A tática funciona de diferentes maneiras.
Por um lado, os pais, exauridos, acabam preferindo
usar as poucas horas de que dispõem
para dormir, não fazendo sexo. Além disso,
quanto mais os pequeninos demandam o
leite materno, por mais tempo eles conseguem
retardar uma nova gravidez por questões
hormonais.

Segundo estudo publicado pela Universidade
de Harvard, isso não é por ciúmes do novato.
Existe uma razão biológica por trás: o nascimento
de um irmão mais novo em curto período
de tempo está associado ao aumento da
mortalidade infantil, especialmente em famílias
com poucos recursos e em locais com surtos
de doenças infecciosas.

— A fadiga materna pode ser vista como estratégia
da criança para aumentar o intervalo entre
os nascimentos — afirma David Haig, professor
de Biologia Evolutiva da universidade e autor da
pesquisa, publicada no periódico “Evolution,
Medicine and Public Health”.

MENOS FERTILIDADE E DESEJO SEXUAL

Giulianna Nasser, de 30 anos, acabou de dar à
luz Nina, que tem apenas 20 dias. Quando perguntada
sobre como está se sentindo, a primeira
e espontânea reação foi:

— Muito cansada. Nunca me senti tão cansada
na vida. O máximo que consegui dormir até
hoje foram três horas seguidas. A Nina acorda a
cada duas horas para amamentar à noite — desabafa
a advogada, que já era acostumada a turnos
pesados de trabalho.

Além disso, as mulheres que amamentam têm
atraso no restabelecimento da ovulação por
causa da ação da prolactina, o hormônio que
produz o leite e está em nível bastante elevado
após o parto.

— O recém-nascido pede para mamar à noite
para manter o estímulo da prolactina e, assim,
adiar cada vez mais a ovulação da mãe. A amamentação
tem, de fato, poder contraceptivo.

Hoje isto não é mais necessário, porque há outros métodos 
para impedir a gravidez, mas parece
que a herança se manteve — comenta a
professora de Ginecologia da Uerj, Renata Aranha.

— O bebê humano é um dos que mais depende
de atenção e por mais tempo. Se prestarmos
atenção no elefante, por exemplo, no mesmo
dia que nasce, ele já consegue caminhar sozinho
— completa.

De fato, o bebê humano é um dos únicos que
depende inteiramente dos pais durante anos.

Para muitos especialistas em evolução, essa é
uma das razões, por exemplo para a monogamia
humana — formar pares para cuidar das
crianças.

A prolactina também reduz a produção de testosterona
na mulher, o acaba influenciando no
desejo sexual, explica a psiquiatra Carmita Abdo,
coordenadora do Programa de Estudos em
Sexualidade da Universidade de São Paulo
(USP).

— A natureza realmente parece dirigida para
o bebê, pois ela cria circunstâncias que inibem
a libido da mãe — diz.
Carmita lembra que, além da influência hormonal,
o desejo sexual nesta fase é afetado por
outros fatores:

— Tem a questão física, a mulher se sente menos
atraente, está com dores do parto, cicatrizes...
A emocional, pois ambos pais estão vivendo
um momento novo, estão começando a conhecer
a nova pessoa, tem a adaptação... E, claro,
o desgaste físico, pois ele demanda cuidados
24 horas por dia — exemplifica Carmita, que
complementa. — A maioria das pessoas, especialmente
as mulheres, perde o interesse em sexo.
Em média, isso dura até seis meses.

GENÉTICA APONTA PAI COMO CULPADO

Apesar de toda a carga sobre a mãe, a culpa
da vigília noturna parece ser do pai. Os pesquisadores
chegaram a esta conclusão depois
de avaliar duas síndromes. A chamada
Prader-Willi ocorre por problema no gene
materno e acarreta uma dificuldade do bebê
de sugar o leite materno e de dormir além do
normal. Enquanto que a síndrome Angelmam,
de herança paterna, faz o bebê acordar
muito à noite.

— Esta diferença foi nosso ponto de partida —
explicou Haig.

Seja por questões evolutivas, financeiras,
emocionais ou físicas, Nina não terá que competir
com um irmãozinho por um bom tempo:

— Quero ter outro filho, mas apenas daqui a
três anos. Será o tempo de curtir a Nina e nos recuperarmos
— conta Giulianna.

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