sábado, 12 de abril de 2014

Eduardo Almeida Reis - Nomes avoengos‏

Alfim e ao cabo, tenho 24 anos de crônicas diárias, não raras vezes mais que uma, e quase meio século de cronicar espaçado


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 12/04/2014





Se o leitor tem sangue ibérico é possível, sem que seja provável, que em sua árvore genealógica encontre um Tructesindo, nome delicioso e muito raro hoje em dia. Do antropônimo germânico Tructesindus, Tructesindo foi nome comum em Portugal e na Galiza durante a Idade Média.

Gonçalo Mendes Ramires, personagem do Eça no romance A Ilustre Casa de Ramires, descendia de Tructesindo Mendes Ramires, o amigo e alferes-mor de D. Sancho I, que, sabemos todos, foi rei de Portugal de 1185 a 1211, casou-se com Dulce Berengária de Barcelona e teve um caminhão de filhos, 17 ou 18, entre os quais dom Afonso II, de Portugal, e dona Berengária de Portugal, rainha da Dinamarca.

Sempre que escrevo “sabemos todos” é porque ninguém sabe os nomes e as histórias que copio da Wikipédia, mas a obra do Eça conheço bem. Por isso, me lembro de que Gonçalo, depois de se desavir com um tal Ernesto, o Valentão de Nacejas, num episódio em que lhe cortou uma orelha a chicotadas, pela repercussão favorável do episódio até nos jornais de Lisboa, comentou: É curioso! Essa gente toda parece gostar de mim!...

Dia desses, lembrei-me de Gonçalo e dos Tructesindos avoengos quando andei fazendo um balanço existencial. De vez em quando, um balanço tipo freada de arrumação não faz mal a ninguém. Alfim e ao cabo, tenho 24 anos de crônicas diárias, não raras vezes mais que uma, e quase meio século de cronicar espaçado, bissemanal, quinzenal, mensal para um sem conto de jornais e revistas, trabalho que somava cinco ou seis matérias por semana.

Sempre que possível com as minhas opiniões sinceras e nunca, jamais, em tempo algum, com uma linha vendida. Claro que recebo pelos textos, mas contra nota fiscal ou RPA, impostos pagos em dia. E o leitor, sendo ou não tetraneto de Tructesindos, sabe que não é fácil, porque o cronista brasileiro trabalha numa área em que há milhares de patrícios dispostos a escrever de graça.

Isto posto, vamos ao resultado do último balanço, quando exclamei como Gonçalo: “É curioso! Essa gente parece gostar de mim!”. Tirei “toda”, que antigamente tinha chapeuzinho no ô para distinguir de toda (ó), pássaro fissirrostro jamaicano objeto da preocupação de Fernando Sabino, que passara “anos a fio escrevendo com medo de que o meu medo fosse tomado como um habitante da Média, e que toda fosse um passarinho fissirrostro ou uma das línguas dravídicas, e que vezes fosse a segunda pessoa do subjuntivo do verbo vezar”.

Tirei “toda” porque, felizmente, fiz muitos inimigos. É ótimo que os cultive, sobretudo entre os petistas. Nunca entendi o PT, como também não entendo, até hoje, que um homem como Eugênio Bucci tenha dirigido a Radiobrás de 2003 a 2007 no governo Lula. Trabalhar com o Lula tisna a biografia de qualquer brasileiro, mesmo a de um doutor em Ciências da Comunicação, área de Jornalismo, como Eugênio Bucci.

Vieira disse dos inimigos: “Mofino e miserável aquele que não os teve. Ter inimigos parece um gênero de desgraça, mas não os ter é indício certo de outra muito maior...”. Sêneca caprichou: “Miserum te judico quia non fuiste miser: transiisti sine adversario vitam”, algo assim como “eu te julgo por infeliz e desgraçado, porque nunca o foste: passaste a vida sem inimigos”. E Temístocles, em seus primeiros anos, andava muito triste. Perguntado pela causa, quando era amado e estimado por toda a Grécia, respondeu: “Por isso mesmo; sinal é o ver-me amado por todos que ainda não tenho feito ação honrada que me granjeasse inimigos”.

Super sale

 Sapato de R$ 245 por R$ 99,90 em três prestações de R$ 33,30, sem juros, frete grátis Sul e Sudeste, ganhando um cinto, só nos anúncios da internet. Em contrapartida, ontem, num jornal impresso, vi o anúncio de sapato feito à mão, em cromo alemão, por R$ 645. Sale, di-lo o Collins, é venda e também pode ser liquidação. E súper, com acento, como acabo de aprender, é interjeição de exprime deslumbramento, admiração, aplauso, maravilha, uau.

Uau, do inglês wow, é interjeição que expressa aplauso, satisfação ou surpresa. Espero que o leitor mineiro, acostumado ao regionalismo uai, interjeição que exprime espanto, pasmo, surpresa, admiração, susto ou impaciência, também empregada para reforçar o que foi antes dito, como se se estranhasse a dúvida do interlocutor, “claro que vou, uai”, tenha gostado de súper e uau. De lascar, mesmo, foi encontrar no Houaiss “como se se estranhasse”, mas é coisa que acontece aos que nos divertimos com palavras e tolices, e nos leva ao sesso (ê), par de nádegas, traseiro, do mais puro latim sessus,us, que tanto pode ser cadeira como assento ou ação de sentar-se.

O mundo é uma bola


12 de abril de 1633: Galileu é condenado pela Inquisição por heresia, assunto perfeito para o leitor filosofar adoidado, considerando que o mundo é uma bola de hoje encolheu, forçado do alto philosophar dos textos sobre nomes avoengos e vendas na internet.

Hoje é o Dia da Obstetriz e do Obstetra, como também é o Dia da Intendência do Exército Brasileiro.

Ruminanças

“O obséquio produz amigos, a verdade ódio” (Terêncio, 190-159 a.C.).

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