terça-feira, 15 de abril de 2014

Na contramão da inflação

Pesquisa mostra queda no preço de peixes e ovos de chocolate às vésperas da semana santa. Para especialistas, opção por produtos mais baratos está derrubando a demanda


Paulo Henrique Lobato
Estao de Minas: 15/04/2014


Para Mariléia Silva Ribeiro, da Peixaria São Francisco, a pesca melhorou de janeiro para cá, o que fez subir a oferta e ajudou a derrubar os preços (Túlio Santos/EM/D.A. Press)

Para Mariléia Silva Ribeiro, da Peixaria São Francisco, a pesca melhorou de janeiro para cá, o que fez subir a oferta e ajudou a derrubar os preços


As sucessivas altas da inflação, os seguidos aumentos da taxa de juros e um possível estoque elevado no comércio de Belo Horizonte pressionaram para baixo os preços de dois produtos bastante consumidos nesta época do ano: pescados e ovos de chocolate. Pesquisa divulgada ontem pelo site Mercado Mineiro revelou que o valor médio de peixes com boa saída na Semana Santa despencou em até dois dígitos, no confronto com o levantamento feito em 28 fevereiro passado, último dia útil antes do feriado prolongado do carnaval. O quilo do bacalhau ling, por exemplo, caiu 19,73%, de R$ 39,12 para R$ 31,40. O mesmo site informou que o preço médio de algumas marcas de ovos de chocolate, como o Baton Relógio Branco  (nº 15/180 gramas), que caiu 15,13%, de R$ 29,94 para R$ 25,41.

“O brasileiro pode ter desacelerado (na compra do pescado) ou feito opção por produtos mais baratos. Tem muito comerciante baixando o preço do peixe para vender. Pode ter sido um estoque muito grande e, na realidade, o que a população vem percebendo, de novembro para cá, é um aumento da inflação, com os preços dos produtos em alta. Muitos comerciantes devem ter comprado um estoque grande e, se não venderem até quinta-feira, terão de reduzir os preços ainda mais”, prevê Lucas Carneiro, superintendente de Desenvolvimento Agropecuário e da Silvicultura da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa).

Apenas para ilustrar a fala de Carneiro, a inflação no país registrou alta em todos os meses de 2014. No acumulado dos últimos 12 meses, o indicador, que é medido oficialmente no Brasil pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurou avanço de 6,15%, distante do centro da meta (4,5%) estipulada pela equipe econômica do Palácio do Planalto. Especialistas acreditam que, ainda neste semestre, o percentual deve ultrapassar o teto fixado pelo governo, que é de 6,5%, no acumulado de 12 meses.

“O preço dos alimentos no Brasil podia ser mais baixo”, lamenta Maria dos Reis Silva, que ontem foi a uma peixaria da capital e levou para casa boa quantidade de curimatã, cujo preço médio do quilo caiu 5,61%, de R$ 14,07 para R$ 13,28, de acordo com a pesquisa do Mercado Mineiro. “Peixe é um alimento saudável, e o governo poderia estimular mais a produção, o que reduziria o valor”, sugeriu Ana de Jesus, que também planeja fazer bom ensopado com o curimatã que comprou na tarde de ontem.A redução no preço de peixes considerados campeões de vendas na semana da sexta-feira da Paixão, como o do salmão, indica que o mineiro pode ter migrado para pescados com peço mais em conta. Essa teoria, acredita o especialista da Seapa, ajuda a explicar o porqu”e do valor do quilo médio do salmão ter subido 17,36% entre fevereiro e abril, de
R$ 32,25 para R$ 37,85. “A alta mais gritante que houve foi a do salmão. Veja bem: o preço médio do bacalhau porto imperial é cerca de R$ 60 por quilo. O quilo do salmão custa R$ 40. Quem não está comendo bacalhau, está comendo salmão”, reforçou Carneiro.

Para consumidores como o vigia Márcio Sales Souza, novas quedas no preço médio seriam bem-vindas ao longo do ano: “Se eu pudesse, comeria peixe diariamente, porque é um alimento saudável”. A proprietária da Peixaria São Francisco, Mariléia Silva Ribeiro, avalia, porém, que alguns preços podem ter recuado em razão de a produção de pescados em fevereiro ter sido menor do que a de março e abril: “O preço caiu porque a oferta aumentou”. O dono da peixaria Oceânica Pescados, Marcelo Moura, tem a mesma opinião: “Boa parte dos pescados vem do Norte do país e fevereiro é época de baixa produção”.

OVOS DE PÁSCOA A loja de Marcelo é gerenciada por Carla Sueli Leite, que pretende comprar um ovo de chocolate para a sobrinha. “Ela está viajando e, como só chegará depois de domingo, vou comprar (o doce) na próxima semana, quando os preços estiverem mais baixos”.  De março até esta semana, muitas marcas tiveram queda nos preços de até dois dígitos.  “É o caso do Sonho de Valsa dupla camada número 20 (330 gramas), cujo valor médio caiu de R$ 38,10 para R$ 32,92 (redução de 13,60%). O do Ferrero Rocher de 250 gramas reduziu em 13,04%, de R$ 49,38 para R$ 42,94. O do Hot Wheels Jump Truck (número 12/100 gramas) passou de R$ 23,45 para R$ 20,60 (queda de 12,15%). O do Talento avelã (nº 20) caiu 12,14%, de R$ 37,88 para R$33,28. Por outro lado, houve aumento em cinco dos produtos pesquisados, sendo o maior deles no Moranguinho número 15 (180 gramas), com alta de 6,72%, de R$ 25,28 para R$ 26,98”, disse Feliciano Abreu, diretor-executivo do Mercado Mineiro.

Índice deve pressionar negociações

Deco Bancillon e Bárbara Nascimento


O temor quanto a uma disparada ainda maior da inflação nos próximos meses deverá elevar a pressão de sindicatos de trabalhadores por reajustes salariais às vésperas das eleições presidenciais de outubro. As estimativas do mercado financeiro são de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o parâmetro oficial do custo de vida no país, rompa o teto da meta de inflação de 6,5% ao ano já a partir de maio e permaneça nesse patamar até dezembro. Coincidentemente, esse será o período em que categorias com histórico de grandes paralisações nacionais, como bancários, metalúrgicos e petroleiros, tentarão buscar recomposição salarial junto aos patrões.

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socieconômicos (Dieese) levantou as datas-base de negociação de 710 categorias espalhadas por todo o país. A maior parte das negociações está programada para ocorrer entre maio e dezembro, quando 451 sindicatos planejam se reunir com ospatrões. Em setembro, a um mês das eleições, 74 entidades devem se reunir com os empregadores para tentar chegar a um acordo por melhores salários. Entre elas, a que representa mais de 512 mil bancários de todo o país já marcou até data para a negociação: 1º de setembro. Em 2013, a categoria cruzou os braços por 23 dias e conseguiu reajuste de 1,82% acima da inflação.

Na mesa de negociações estarão os números da inflação. Nos últimos quatro anos, o IPCA ficou sempre acima do centro da meta de 4,5% ao ano, tendo ultrapassado os 6% na maior parte desse período. “Sempre reivindicamos a reposição integral da inflação e faremos o mesmo neste ano”, avisou o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), João Antônio de Moraes. A categoria tem data-base marcada para 1º de setembro, assim como os metalúrgicos e os ferroviários.


Todos estarão de olho nos números da inflação que será divulgada até agosto, que tende a ser maior por causa também dos jogos da Copa do Mundo, em junho. “A inflação já estava bem elevada mesmo antes desse choque de alimentos. A diferença é que o governo já não tinha mais margem alguma para absorver essa pressão temporária, o que fez os preços fugirem do controle do Banco Central”, disse o economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa.

FOCUS As apostas dos analistas de bancos e corretoras consultados pelo Banco Central (BC) na pesquisa semanal Focus são de que o IPCA encerre o ano em 6,47% – a maior inflação registrada desde os 6,5% de 2011, justamente o primeiro ano do governo Dilma Rousseff. Pior do que o número em si é a trajetória de alta da inflação. Há seis semanas consecutivas que as projeções para a alta de preços só pioram, apesar do ciclo de aperto nos juros básicos implementado desde abril de 2013.

São esses números que deverão engordar a pauta de reivindicações dos trabalhadores, na opinião do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, Antônio Ferreira de Barros. “É o momento de politizar as campanhas e de cobrar as pautas que estão paradas nas mãos do governo”, disse.

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