quinta-feira, 1 de maio de 2014

CINEMA » Não é. Mas parece...

Dirigido por John Turturro, Amante a domicílio traz bons momentos do ator Woody Allen. Com pitadas de drama, comédia lembra o humor peculiar do autor de Noivo neurótico, noiva nervosa


Mariana Peixoto
Estado de Minas: 01/05/2014



John Turturro e Woody Allen: parceria de sucesso nas telas desde a década de 1980     (IMAGEM FILMES/DIVULGAÇÃO)
John Turturro e Woody Allen: parceria de sucesso nas telas desde a década de 1980


Em sua extensa filmografia, Woody Allen encarnou, muitas vezes, o judeu nova-iorquino neurótico e fracassado. Murray, seu personagem em Amante a domicílio, não foge à regra. Sua livraria no Brooklyn acabou de ir à falência e ele pensa numa situação tão inusitada que pode dar certo. Sugere ao ajudante, Fioravante (John Turturro) – um boa-praça que faz de tudo, de arranjos florais a serviços de encanamento –, se tornar amante profissional. E já lhe arruma, de cara, a primeira cliente: sua dermatologista, mulher madura e atraente disposta a fazer ménage à trois com a amiga – indiscutivelmente, uma gata, garante Murray com base numa foto.

Fioravante se torna prostituto, na falta de palavra melhor, e Murray, seu gigolô. Esse é o mote que o trailer vende ao espectador. Com Woody Allen na linha de frente e elenco secundário que destaca Sharon Stone e Sofía Vergara, o filme encheu as salas nas últimas duas semanas, graças a pré-estreias diárias. Só que há duas meias verdades no pacote: Amante a domicílio não é um filme de Woody Allen, embora pareça. E no meio da comédia há um delicado drama, que só faz a narrativa crescer. Certamente, John Turturro, aqui roteirizando e dirigindo seu quinto longa-metragem, aprendeu muito com o mestre. Os dois já contracenaram em Um agente como a gente (2000) e Hanna e suas irmãs (1986).

A partir do amante que não demora a fazer sucesso na vizinhança, Turturro mira sua verve afiada nos judeus ortodoxos que dominam certa região do Brooklyn. A figura central é a viúva Avigal (Vanessa Paradis): mãe de seis filhos, vive reclusa como manda a Torá – incluindo a obrigatória peruca toda as vezes em que sai de casa. De longe, ela é vigiada pelo apaixonado Dovi (Liev Schreiber), policial do bairro muito ligado às tradições judaicas. Até que Murray entra em cena, conseguindo a atenção da viúva. Sozinha a ponto de não ter qualquer contato físico com outra pessoa, ela se encanta com a delicadeza de Fioravante, apresentado-lhe por Murray como terapeuta massagista ou algo que o valha.

Colecionador de amantes, o faz-tudo se encanta pelo universo inexplorado que a viúva representa. Com essa situação dramática conduzindo a narrativa em boas interpretações de Turturro e Paradis, Allen vem quebrar o tom de melodrama. “Sequestrado” e levado a prestar contas aos rabinos, ele é um judeu que deixou seu rebanho. Murray reúne para inusitado jogo de beisebol um grupo multiétnico, os filhos de Avigal e os de sua própria companheira. Nesse raro momento em que é dirigido por outrem, Allen faz rir – mesmo num papel que já interpretou tantas vezes.

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